Curuguaty: Promotoria pede até 40 anos para sem-terra
Criminalização dos movimentos sociais é agravada no governo Cartes
Publicado: 16 Junho, 2016 - 13h40 | Última modificação: 16 Junho, 2016 - 13h44
Escrito por: Leonardo Wexell Severo
Na fase final do julgamento dos trabalhadores sem-terra injustamente acusados pelo massacre de Curuguaty, no Paraguai, a promotoria defendeu até 40 anos de prisão para a liderança do movimento.
Na última quarta-feira, 15 de junho, completaram-se quatro anos da carnificina em que morreram 17 pessoas - seis policiais e 11 camponeses - armação que abriu espaço ao golpe contra o presidente Fernando Lugo uma semana depois. O “confronto” envolveu 324 policiais, tropas de elite treinadas pela CIA e pelo exército dos EUA fortemente armadas com fuzis, bombas de gás, capacetes, escudos, cavalos e até helicóptero e 60 sem-terra, metade deles mulheres, crianças e anciãos. Nenhum policial foi investigado pelos assassinatos, apesar da montanha de evidências e provas de que ocorreram torturas e execuções de pessoas já feridas, além do uso de franco-atiradores.
De forma completamente absurda, as vítimas são as únicas que se encontram no banco dos réus, acusadas de terem liderado uma “emboscada” contra uma força descomunal. O promotor Nelson Ruiz disse que o Ministério Público conseguiu “provar” que Luis Olmedo e Rubén Villalba - dois líderes do movimento - teriam assassinado a policiais desarmados, porém não conseguiu explicar como, nem com que armas ou com que provas sustentaria tão fantasiosa tese.
CRIMINALIZAÇÃO DA LUTA
Sem qualquer compromisso com a verdade, a promotoria pede 40 anos de prisão para Rubén Villalba e se esmera em trancafiar pelo máximo período aos demais trabalhadores, criminalizando a luta pela terra. Para fazer refluir a campanha pela reforma agrária, uma vez que cerca de 25% dos 40 milhões de hectares do país são terras griladas, o braço longo da lei se alinha à oligarquia latifundiária, unha e carne com transnacionais como Cargill e Monsanto. Isso explica as longas penas reivindicadas pela promotoria: Luis Olmedo, 25 anos; Arnaldo Quintana, 20 anos; Nestor Castro, 20 anos; Felipe Benítez, 5 anos; Adalberto Castro, 5 anos; Alcides Ramírez, 5 anos; Juan Carlos Tillería, 5 anos; Fani Olmedo, 8 anos; Dolores López, 8 anos e Lucia Aguero, 8 anos.
A promotoria também mudou a acusação de “homicídio doloso” movida inicialmente contra os camponeses, uma vez que o próprio Ministério Público havia reconhecido a impossibilidade de determinar quem foram os autores dos disparos. No entanto, na fase final, a promotoria centra sua acusação contra Olmedo e Villalba.
Como a defesa conseguiu comprovar que a versão inicial de que os policiais haviam ingressado desarmados com o objetivo de “dialogar”, de forma “pacífica” com os ocupantes, o promotor Nelson Ruiz reconheceu que eram duas colunas de militares, mas somente para “garantir o cumprimento da ordem de averiguação”. Segundo ele, o pesado armamento de que dispunham era somente “para ser usado em caso de necessidade”. No entanto, em seus próprios depoimentos, os policiais coincidiram: a ordem era de despejo e se dirigiram ao local preparados para isso.
Apesar dos camponeses terem constituído uma associação que buscava a legalização da área pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), uma propriedade pública disponível para reforma agrária, a Promotoria se alinhou com os grandes latifundiários da região, acusando os agricultores de “invasão de imóvel alheio”. A partir de todos os documentos disponíveis, a defesa comprovou que a empresa Campos Morombí que reivindicava a “reintegração de posse”, agiu ilegalmente, uma vez que as terras pertencem ao Estado. A empresa pertence à família Riquelme, vinculada a Alfredo Stroessner, ditador que governou o país de 1954 a 1989.