CUT cria Coletivo Jurídico em SP para enfrentar tsunami da retirada de direitos
Juristas e sindicalistas fortalecem unidade para enfrentar conjuntura política e medidas impostas pelo governo Bolsonaro
Publicado: 19 Julho, 2019 - 10h03
Escrito por: Vanessa Ramos - CUT São Paulo
Juristas e sindicalistas das mais diferentes entidades cutistas criaram nesta quinta-feira (18) o Coletivo Jurídico da CUT São Paulo, uma articulação que tem como objetivo central enfrentar o modelo político e as propostas advindas do atual governo de Jair Bolsonaro (PSL) diante de um Congresso cuja maioria parlamentar tem aprovado a retirada de direitos trabalhistas e sociais.
A proposta, a partir de agora, é estabelecer um diálogo permanente entre os advogados para análises periódicas de medidas e propostas já criadas pelo governo - ou em tramitação - que venham a prejudicar trabalhadores, sindicatos, federações e confederações. Além de reuniões frequentes presenciais ou por videoconferência, o Coletivo construirá seu primeiro encontro em setembro.
Para o secretário de Organização da CUT-SP, Hélcio Aparecido, o momento exige uma mudança de postura e uma atuação mais radical da CUT e de suas entidades filiadas. “Estamos traçando estratégias de disputa dentro do Judiciário em âmbito nacional e estadual, entendendo que todas as mudanças necessárias neste momento devem fundamentalmente envolver a classe trabalhadora, num diálogo permanente com as bases. Sem isso, não conseguiremos avançar”, afirma.
Advogado na área sindical, Vinicius Cascone, destacou que foi o ataque aos direitos, bem como a criminalização dos movimentos sindical e sociais que motivou a articulação do coletivo jurídico. “A democracia está sendo atacada e a alteração do papel do Estado tem sido um ponto crucial promovido por este governo que aprofunda as raízes neoliberais e rompe com qualquer garantia conquistada desde a Constituinte e antes dela”, completa.
Entre avanços e desmontes
Durante o encontro, o secretário de Finanças da CUT Brasil, Quintino Severo dividiu os últimos 50 anos em quatro momentos. O primeiro período, ele caracterizou como aquele que envolveu o enfrentamento à ditadura e o ascenso da luta de classes, a redemocratização e a construção da Constituinte de 1988.
O segundo período, ele apontou como o de descenso da luta de classes durante o governo de Fernando Collor e a adoção de políticas neoliberais, que desencadeou no processo de desindustrialização, no desemprego, entre outros fatores. Logo em seguida, lembrou Quintino, o neoliberalismo foi retomado com maior ênfase no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), aprofundando o receituário neoliberal entre os 1995 e 2002.
O terceiro período, como detalhou Quintino, inicia-se em 2003, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A transferência de renda para classes mais pobres e a valorização do salário mínimo foram exemplos desta mudança. Se criou, segundo o dirigente, um embrião do Estado de bem-estar social.
Porém, explicou, houve uma ruptura que caracteriza, então, a chegada do quarto momento que, de acordo com Quintino, é o que o Brasil está vivendo. Inicia-se com o golpe antidemocrático de agosto de 2016. Entre outros retrocessos, Quintino lamenta a promulgação, em dezembro daquele ano, da Emenda Constitucional 95, de 2016, que limitaria por 20 anos os gastos públicos em áreas como saúde e educação.
Para Quintino, este foi um dos grandes símbolos do desmonte do Estado e da perspectiva de o Estado de voltar a ser o indutor do crescimento, diferente do que, segundo ele, Lula procurou fazer.
“Depois disso vem ainda a reforma trabalhista criando um marco nas relações de trabalho com um conjunto de contratos precários. Ao mesmo tempo, procurando desmontar a capacidade do movimento sindical se manter em pé. Na sequência do golpe, é eleito um governo (de Jair Bolsonaro) de extrema direita, que vem aprofundar a retirada de mudanças, com uma postura extremamente conservadora e reacionária, mas liberal na economia. Retoma o diálogo da privatização com uma economia sem regras, destrói todas as políticas sociais”, resume Quintino.
Para o advogado sindical há 30 anos, Carlos Roberto de Freitas, o Carlão, a reversão deste cenário de retrocessos se dá em várias frentes e não se pode idealizar o papel da Justiça. “A luta tem que ser no dia a dia, nas ruas, nos locais de trabalho porque a Justiça sempre foi do ‘trabalho’ e não do ‘trabalhador’. E, com o advento do código patronal (se refere à reforma trabalhista), ela está se transformando em justiça do patrão. É preciso que a classe trabalhadora fortaleça suas organizações para que possamos mudar isso. Porque se nós derrubamos uma ditadura militar, somos capazes de derrubar um governo miliciano”.
Pautas em discussão
Como citado por Quintino e outros participantes, um dos principais retrocessos nos direitos se deu com a aprovação da chamada ‘reforma’ trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, um dos desafios que terá o Coletivo Jurídico da CUT São Paulo.
“Nos últimos dois anos, após a reforma, observamos que houve uma queda significativa no número de acordos e convenções coletivas, ao contrário do que os proponentes da reforma defendiam, que ela serviria para estimular a negociação”, explicou o técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Luis Ribeiro.
Ribeiro apresentou que, na comparação do primeiro semestre de 2017 com o primeiro semestre de 2019, percebe-se que houve uma queda de 30% nos acordos coletivos e também nas convenções coletivas. Em São Paulo, o dado em um dos aspectos não é diferente, já que, no mesmo período, houve queda de 31% nos acordos coletivos no estado paulista.
Segundo Ribeiro, percebe-se que o lado patronal está endurecendo sua postura e as negociações coletivas estão sendo cada vez mais raras após a reforma trabalhista.
Além da reforma trabalhista, também foram apontadas a terceirização irrestrita, inclusive na atividade-fim da empresa, aprovada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2018 (apesar de a terceirização ter sido liberada na reforma trabalhista anteriormente sem restrições, os ministros poderiam deliberar por sua inconstitucionalidade) e a reforma da Previdência, aprovada no último dia 10 por 379 votos a 131 e que será votada em segundo turno na Câmara, a partir do dia 6 de agosto, com vários pontos e emendas ainda a serem tratados.
Os juristas destacaram ainda a Medida Provisória (MP) 873, editada em março por Bolsonaro e que dificultaria o recolhimento da contribuição sindical, fazendo com que a cobrança da taxa sindical não fosse obrigatória. A MP, contudo, não foi apreciada pelos parlamentares e expirou no fim de junho. Porém, alertam os advogados, que é preciso ter atenção ao atual Projeto de Lei (PL) n° 3814, de 2019, da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), que vem na mesma direção da MP 873.
Outra preocupação colocada em debate se referiu à MP 881, de 2019, que criou a medida provisória da liberdade econômica. Apresentada em abril, ela traz inúmeros retrocessos como o que flexibiliza o trabalho aos domingos, suspende jornadas especiais de algumas categorias e, até mesmo desobriga que Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) em pequenas empresas sejam construídas. Para não perder a validade, o texto precisa ser aprovado até 30 de agosto no Congresso.
Frente a estas pautas, o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Brasil, Valeir Ertle, ressaltou que a socialização do saber é questão-chave diante das manobras do governo Bolsonaro, além da articulação entre juristas neste momento. “Além de outros pontos debatidos ao longo do encontro, é importante lembrar que o coletivo terá também como papel articular e melhorar as relações com os órgãos de representação dos advogados, juízes, procuradores e desembargadores”, disse.
O presidente da CUT-SP, Douglas Izzo, se referiu da mesma forma à disputa voltada aos direitos trabalhistas, mas destacou a perseguição política por meio do Judiciário e a impunidade vivida no Brasil. “Temos hoje a prisão política de Lula, a prisão de vários militantes do movimento de moradia em São Paulo sem motivos e provas e situações de impunidade que se repetem como a do assassinato de Marielle Franco e a de tantos jovens negros nas periferias que nunca foram resolvidos. Ou seja, o nosso trabalho no campo jurídico não é apenas enfrentar este tsunami da retirada de direitos, luta esta fundamental que temos feito no movimento sindical, mas também olhar para todo este cenário de violência e perseguição que piora a cada dia”, conclui o dirigente.