CUT debate plano para retomada do desenvolvimento da indústria no Brasil
Estratégia visa o fortalecimento e manutenção de empregos e do setor industrial do país, que desde os anos 1980 vem sofrendo processo de enfraquecimento.
Publicado: 23 Novembro, 2018 - 18h06 | Última modificação: 26 Novembro, 2018 - 14h25
Escrito por: Andre Accarini
Representantes dos trabalhadores e trabalhadoras em indústrias brasileiras, que compõem o Macrossetor da Indústria da CUT, se reuniram em São Paulo, nos dias 22 e 23 de novembro, para planejar ações em defesa da retomada do crescimento do setor industrial e da geração e manutenção de empregos.
No seminário Desafios da Organização Sindical, realizado em parceria com o Instituto Trabalho e Desenvolvimento (TID Brasil) e a Fundação Frederich Ebert (FES), os trabalhadores e trabalhadoras propuseram o “Plano Indústria + 10” com diretrizes para a reorganização e recuperação da indústria brasileira, especialmente de transformação, construção civil e agronegócio, com o foco no desenvolvimento e na defesa e manutenção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Segundo o presidente do TID Brasil, Rafael Marques, o “Plano Indústria + 10” defende um modelo de reindustrialização do Brasil com a participação dos trabalhadores e trabalhadoras.
O objetivo é retomar os ideais de desenvolvimento de tempos passados, dos anos 1930 e 1940, com investimentos na inovação e produção, e que hoje perderam espaço para o rentismo dos empresários
De acordo com o dirigente, muitos empresários querem custo baixo e lucro alto e priorizam investimentos por meio do sistema financeiro para aumentar seu capital. E as principais diretrizes do programa propõem o inverso: inovação da cadeia produtiva, sustentabilidade, políticas externas, desenvolvimento regional e sofisticação da produção. “Isso implica em desenvolvimento e implementação de tecnologia nas várias etapas de produção de um produto”, explica Rafael.
Ele cita como exemplo a indústria automobilística e a importância de se produzir desde a chapa de aço até os componentes mais elaborados, como os sistemas eletrônicos e os computadores do automóvel.
Desindustrialização no Brasil
Segundo o presidente do TID Brasil, o Brasil tem vivido desde os anos 1980 um processo de enfraquecimento da atividade industrial, o que interfere diretamente, de forma negativa, na economia e na geração e manutenção de empregos.
“O Brasil tem perdido elos da cadeia produtiva, perdido fábricas, trabalhadores, o que enfraquece a luta da classe. A produção de automóveis no Brasil, por exemplo, que antes tinha 95% de conteúdo nacional, hoje tem entre 40% e 50%, em média. O país perde com isso, inclusive em soberania”, diz.
“O Brasil, com o número de habitantes que tem, não pode sobreviver com uma indústria pequena, baseada no agronegócio e no minério”
Para o dirigente, o ideal é suprir o mercado interno com produção própria. “Temos de ter uma indústria forte, capaz de suprir esse mercado”.
A participação da indústria brasileira no mercado interno chega a 22% atualmente, mas já foi de 45% nos anos 1980. O presidente do TID Brasil lembra que, durante os governos Lula e Dilma, o Brasil até conseguiu manter a atividade industrial, mas, após o golpe, voltou a entrar em ritmo de queda. E esse cenário, segundo ele, pode piorar ainda mais diante do crescimento da onda liberal e conservadora em todo o mundo, inclusive no Brasil, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL).
Estratégia
O “Plano Indústria + 10” defende um modelo de resistência, com participação dos trabalhadores e trabalhadoras, para ‘reindustrializar’ o Brasil. “É retomar os ideais de desenvolvimento de tempos passados, anos 1930 e 1940, que hoje perderam espaço para o rentismo dos empresários”, observa Rafael.
De acordo com o dirigente, muitos empresários querem custo baixo e lucro alto ou priorizam investimentos por meio do sistema financeiro para aumentar seu capital.
As principais diretrizes do plano passam por inovação na cadeia produtiva, sustentabilidade, políticas externas, desenvolvimento regional e sofisticação da produção. Isso implica em desenvolvimento e implementação de tecnologia nas várias etapas de produção de um produto.
No exemplo da indústria automobilística, Rafael cita a importância de se produzir da chapa de aço aos componentes mais elaborados, como os sistemas eletrônicos e os computadores do automóvel.
China X Brasil – a diferença está na logística
A presença do país asiático no Brasil está em quase todos os setores da indústria brasileira. Para Milton Pomar, assessor sindical especializado em economia chinesa, os custos dos produtos daquele país são baixos a ponto de estabelecer uma competitividade quase imbatível.
Ele explica que para a indústria brasileira se fortalecer e, principalmente, conquistar o mercado interno, um dos primeiros passos é reorganizar a logística nacional. “Enquanto a China tem uma produção espalhada por todo o seu território e viabilizada por uma malha ferroviária consistente, no Brasil, o transporte rodoviário de longas distâncias faz com que o custo seja elevado”, diz Pomar.
O especialista alerta também para a necessidade de um bom relacionamento com o país asiático. Para ele, fechar as portas ou dificultar as relações com a China, como chegou a sinalizar o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), seria um equívoco.
“Temos de usar a relação para nos fortalecer. Eles têm dinheiro e nós, não. Eles têm mercado consumidor e o nosso está encolhido. O ideal é atrair investimentos e tecnologia da China para melhorarmos nossa logística. Assim, damos um primeiro passo para sairmos do buraco”, diz.
Experiência internacional
O debate sobre organização dos trabalhadores e desafios para o movimento sindical teve a participação do professor e pesquisador da Universidade de Bochum-Ruhr, na Alemanha, Dr. Manfred Wannoffelm.
Segundo ele, o Brasil está em uma situação muito delicada no que se refere aos ataques do poder econômico à classe trabalhadora. “Na Europa, a desregulamentação e os ataques foram feitos ao longo de aproximadamente 15 anos, o que permitiu aos sindicatos traçarem estratégias de enfrentamento. No Brasil, isso aconteceu como uma avalanche, em dois anos”.
A sugestão do professor é de que as comissões de fábrica se reorganizem e passem a fazer um papel formador na vida dos trabalhadores e trabalhadoras. “Os sindicatos podem ser mais ativos, proporcionando acesso a aprendizados sobre digitalização, produção, inovação, para que os trabalhadores se qualifiquem e possam absorver as novas tendências”, diz o professor.
Outro ponto abordado pelo pesquisador alemão diz respeito à participação do trabalhador na vida da empresa. “É necessário que ele saiba quem sãos seus gestores, sobre a saúde financeira da indústria e participe ativamente, com ideias e decisões sobre o inevitável processo de modernização”.
O professor alerta ainda que, para isso, a sindicalização de trabalhadores é essencial. “E para o trabalhador viver o sindicato é necessário que o sindicato seja atraente”.
Para a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Vestuário e coordenadora do Macrossetor da Indústria da CUT, Cida Trajano, é importante usar a experiência dos trabalhadores alemães como forma de fortalecer o caminho que o sindicalismo brasileiro já percorreu até agora, a exemplo da criação das comissões de fábrica, que exercem importante papel na organização dos trabalhadores no local de trabalho. “É preciso aprimorar esse processo. Temos que levar a organização a todas as empresas, não somente às grandes”.
Já as pequenas empresas, de acordo com a dirigente, são gerenciadas pelos próprios donos, e, por conta de uma estrutura menor, o trabalho sindical é, geralmente, inibido pelos patrões. “É preciso que os nossos dirigentes tenham em mente que o sindicato tem de atuar em todos os espaços para que o trabalhador se conscientize da importância dessa organização”.