Escrito por: CUT-DF
Dirigentes sindicais cutistas e garis que participaram do ato no restaurante que impediu a presença da gari Fátima Dias
Na semana passada, a trabalhadora da limpeza urbana Fátima Dias comprou uma marmita em um restaurante localizado na Asa Sul, mas foi impedida de sentar-se à mesa do estabelecimento para comer a refeição. Nesta segunda-feira (24), dirigentes da CUT-DF, da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviço (Contracs), da Federação dos Trabalhadores no Comércio do DF (Fetracom-DF) e do Sindicato dos trabalhadores da limpeza urbana (Sindlurb), junto com vários garis, voltaram ao restaurante e, em protesto, ocuparam as mesas para almoçar.
“Estamos aqui para mostrar que a classe trabalhadora deve ter a dignidade que merece. Dignidade é direito, e ninguém pode exceder isso. É urgente que os diversos estabelecimentos entendam que todos os trabalhadores têm direito de usufruir dos espaços acessíveis ao público”, disse o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.
O varredor Cristiano Moura foi um dos trabalhadores que participou do protesto. Há cerca de três anos atuando na limpeza urbana, ele afirma que situações de preconceito como as vividas por Fátima também já aconteceram com ele.
“Tem muito preconceito com a gente, com a ‘farda’, ainda mais agora na época da pandemia. Uma vez, na W3 Norte, cheguei em um estabelecimento pedindo um copo d’água. A mulher me olhou, e eu olhando para o filtro, e ela disse que só tinha água da torneira. Eu agradeci e saí. Eu limpava a frente do estabelecimento dela diariamente. Isso é muito ruim, esse preconceito”, diz.
Marília Almeida*, encarregada da limpeza urbana, conta que a situação para as mulheres é ainda mais grave. “Quando te dão uma água, eles falam pra você levar o copo. Ou seja, até dão a água, mas não ficam com o copo porque a gente bebeu nele. A questão do banheiro, principalmente pra gente que é mulher, também é complicado. Muitas das vezes, o banheiro é até aberto ao público, mas pra gente é negado. Tem funcionária que chega a chorar”, afirma. Segundo informações do Sindlurb, cerca de 70% do quadro de varredores no DF é formado por mulheres. Esse grupo tem índice altíssimo de casos de infecção urinária, já que caminha longas distâncias, sem acesso a banheiros.
Embora seja inconcebível, a inviabilização do acesso dos trabalhadores da limpeza urbana aos espaços acessíveis ao público é uma questão antiga, segundo o presidente do Sindlurb, José Cláudio de Oliveira. “É um normal que a gente vive no dia a dia, mas que não é normal. Infelizmente nós vivemos numa sociedade que discrimina os trabalhadores da limpeza urbana porque trabalhamos retirando das ruas o lixo que a própria população produz. Por isso, o Sindlurb atua todos os dias para combater a discriminação”, conta.
Para o presidente da Contracs, Julimar Roberto, a discriminação de categorias que têm poder aquisitivo menor sempre existiu, mas foi alavancada com as políticas do governo Bolsonaro. “Quando você precariza as condições de trabalho das categorias, retira direitos, trata com desprezo, você dá margem para que ações como as discriminações cresçam. E é exatamente isso que o governo Bolsonaro faz, além de incentivar também outros tipos de discriminação, como a de raça, gênero e orientação sexual”, analisa o dirigente sindical.
Pontos de apoio
Recentemente, a Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou projeto de lei do deputado Fabio Felix (PSOL), que propõe a criação de pontos de apoio para trabalhadores de aplicativos de entrega e de transporte individual privado de passageiros. A CUT-DF avaliou a aprovação como uma conquista, mas luta para que a proposta seja ampliada a outras categorias que atuam nas ruas, como instrutores de autoescola, trabalhadores do setor de bebidas e garis.
“O avanço dado a partir do PL do deputado Fábio Félix é muito significativo e importante, e precisamos ampliar essa conquista. Infelizmente a ausência de pontos de apoio não é um problema apenas de entregadores por aplicativo, que lamentavelmente não têm direitos trabalhistas garantidos por lei. Outras categorias tradicionais, com direitos consolidados, também não têm acesso a espaços básicos para atender as necessidades humanas. E isso é absurdo”, afirma o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.
O presidente interino da Fetracom-DF, Felipe Araújo, explica que o ponto de apoio aos trabalhadores é uma pauta de reivindicação por ser “direito do trabalhador escolher onde quer ficar”.
“O trabalhador tem que ter a opção de fazer o que ele quer. Tem trabalhador que traz a marmita de casa. Então, para esse trabalhador, tem que ter o local para ele comer. Já o trabalhador que prefere comprar a comida em algum restaurante, isso também deve ser assegurado a ele. A decisão sempre deve ser do trabalhador”, avalia.
Segundo ele, a Fetracom e a Contracs já realizaram algumas reuniões para discutir a criação de pontos de apoio para as diversas categorias que atuam nas ruas e “logo, logo, deve ser apresentado algum projeto neste sentido”. “Já tivemos algumas reuniões sobre o tema e entendemos que, diante da complexidade do assunto, é necessária uma atuação direta do governo, que deve assumir essa responsabilidade”, acredita.
Em entrevista para a CUT-DF, o deputado Fábio Felix se somou ao pleito da Central e disse que “é muito importante construir um projeto (sobre pontos de apoio) que abranja outras categorias”.
*Os nomes são fictícios para evitar qualquer tipo de retaliação contra o trabalhador e a trabalhadora