Escrito por: Redação CUT/Texto: André Accarini
Campanha do Fórum Pela Erradicação do Trabalho Infantil, CUT, MPT e OIT teve início nesta segunda. Entidades defendem que combater pobreza e desigualdade é fundamental para acabar com esta forma de exploração
Diante de uma realidade no Brasil, de mais de 1,8 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, sendo submetidas ao trabalho infantil, teve início nesta segunda-feira (12) a campanha nacional pela erradicação desta forma de exploração, cujo foco é promover ações de comunicação para conscientizar a sociedade sobre a importância de combater este problema que afeta não só o Brasil, mas o mundo.
Formado com participação da CUT, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FNPETI), que promove a campanha junto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), Justiça do Trabalho e Organização Internacional do Trabalho (OIT), destaca que o trabalho infantil impede a plena concretização dos direitos das crianças e adolescentes.
O mote da campanha desse ano - “Proteger a infância é potencializar o futuro de crianças e adolescentes. Chega junto para acabar com o trabalho infantil” - propõe um chamado à sociedade para erradicar o trabalho infantil, observando que a proteção à infância é fundamental tanto para o enfrentamento do trabalho infantil, como para o desenvolvimento das potencialidades de crianças e adolescentes.
O trabalho infantil está diretamente ligado a um sistema estrutural que perpetua as desiguais sociais. Prova disso é que 66,1% das crianças nestas condições são pretos e pardos. Enquanto os meninos (66,4%) são os mais vulneráveis a essa violação, as meninas são forçadas ao trabalho doméstico.
Retrato do trabalho infantil
O recorte social é uma mazela a ser revolvida de forma urgente em nossa sociedade, diz a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, explicando que, para além da garantia de cidadania no futuro, uma das principais cicatrizes causadas pelo trabalho infantil na sociedade é justamente a perpetuação do ciclo de pobreza e desigualdade.
“O que acontece com o trabalho infantil, via de regra, é perpetuar a desigualdades, a pobreza, porque justamente no período em que as crianças precisam de formação educacional plena, de saúde, assistência, acesso à cultura, ao lazer, elas estão no mundo do trabalho – o mais precário e explorador que pode existir”, diz Jandyra Uehara, secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT.
O trabalho infantil faz com que a próxima geração e tantas quantas vierem, reproduzirão o ciclo de pobreza desigualdade- Jandyra Uehara
O ciclo
As crianças e adolescentes de famílias mais pobres, historicamente, têm menos ou quase nenhuma oportunidade de escolha durante a infância. Essas crianças são forçadas pelo sistema a exercerem funções laborais para ajudar a família em uma fase que deveriam estar brincando para desenvolver suas atividades cognitivas e, prioritariamente, na escola, estudando. Assim, ao chegar à vida adulta, elas crianças acabam se tornando trabalhadores em empregos mais precários, com baixa remuneração – um espelho de seus pais.
A condição socioeconômica e política, em especial no Brasil, que desde o golpe viu um assolamento das camadas mais vulneráveis, é fator determinante para o trabalho infantil. Até então, o país vinha apresentando redução no índice de trabalho infantil, mas após a tomada do poder pela extrema direita, recursos e políticas importantes foram destruídas.
Um exemplo é a própria divulgação dos números e dados durante governo de Jari Bolsonaro (PL) e a desobrigação de crianças estarem na escola e serem vacinadas para como condição para que famílias fizessem parte de programas sociais, como o Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil, durante o último governo.
“O trabalho infantil não só voltou com muita força, fruto do golpe, mas pior. O retrocesso dos últimos seis anos é muito grande e precisaremos de um esforço enorme, de prioridade na educação, na saúde, assistência, etc. Ou seja reconstruir tudo isso no pais é fundamental para podermos combater o trabalho infantil”, diz Jandyra Uehara.
A secretária-executiva do FNPETI, Katerina Volcov, reforça que proteger a infância significa cuidar de todas as interfaces nas quais crianças e adolescentes estão envolvidos.
“Significa observar como a família dessa criança vive e com quais recursos, saber quais são as condições da escola a fim de proporcionar uma educação de qualidade à criança e ao adolescente, para que não abandonem os estudos”, ela afirma explicando que é fundamental que o enfrentamento ao trabalho infantil seja visto de modo intersetorial, ou seja, no emprego decente da mãe, do pai ou de responsáveis, além de educação em tempo integral à criança e ao adolescente e uma rede socioassistencial presente.
Outros fatores
Ainda que não sejam a principal causa, há ainda questões culturais envolvidas no trabalho infantil. O secretário geral da Confederação dos Trabalhadores das Américas (CSA), Cícero Pereira da Silva, explica que “há um processo cultural que sempre existiu”.
“Gerações anteriores normalizaram o trabalho infantil e tinham até como orgulho uma criança trabalhando em casa”, ele conta.
Mas reforça que a condição econômica é o maior vilão da história. Ao se referir à área de atuação da CSA que engloba a América Latina e o Caribe, Cícero afirma que “há países em que metade da população está em situação de fome”.
“O Brasil tem até uma situação privilegiada, mas são quase 40 milhões de pessoas em situação de fome e uma família num desespero desse, encontra como solução buscar ocupação para a criança, para ao menos garantir algo para comer”, ele diz, complementando que cada vez mais os governos de direita não se preocupam com esse tema.
Outra questão no Brasil, ele prossegue, é ainda a cultura escravocrata que perpetua preconceitos e relega às classes menos abastadas todo o peso da exploração. “O Brasil foi o último país a acabar com a escravidão. Os donos de escravos lucraram com esse comércio e foram indenizados pelo estado e continuaram com essa cultura. A gente observa que essa cultura se dá no trabalho”, diz Cícero.
É diretamente inversa a proporcionalidade de crianças a serem submetidas a trabalho infantil. “Enquanto os filhos da elite vão para a escola, os filhos da classe trabalhadora mais pobre, fica vulnerável a essa forma de exploração”, diz Jandyra Uehara.
A cultura escravocrata, discriminatória e que perpetua as desigualdades, ela reforça, tem em figuras conservadores do poder público, seu meio de se concretizar ainda mais, transformando-se em lei. Ou pelo menos tentando.
PEC 18
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18, de 2011, é uma dessas tentativa de fazer com que filhos de trabalhadores mais pobres sejam submetidos ao trabalho, de forma legal, privilegiando a elite capitalista.
A PEC propõe reduzir a idade mínima para o trabalho de 16 para 14 anos. “Não são os filhos dos ricos que serão impactados. Eles estão na escola. São os filhos dos pobres que ficaram ‘autorizados perante a lei’ para trabalhar. É um absurdo, critica a dirigente da CUT.
“Fizemos um duro combate à PEC durante o governo de Bolsonaro e graças à ação unificada da CUT, do Fnapeti e do MPT, conseguimos segurar”, diz Jandyra.
Ela explica que a PEC desrespeita todas as Convenções da OIT das quais o Brasil é signatário, inclusive da 138, que permite que os países prevejam que as crianças com idade inferior à idade mínima possam realizar trabalhos leves.
Acima de tudo, o Brasil tem um índice de desemprego grande e é um absurdo falar que crianças podem trabalhar, em detrimento de sua formação profissional e educacional adequada. É uma visão de exploração extrema do ultraconservadorismo.
Educação
O Novo Ensino Médio, diz Jandyra, é um outro elemento que deve fazer parte da estratégia para a erradicação o trabalho infantil. De acordo, com a dirigente, não deve haver outro caminho a não ser a revogação deste modelo.
“Esse formato é de criar trabalhadores sem qualificação, apenas para atender ao que se chama, equivocadamente, de ‘empreendedorismo’, em que o trabalhador não tem direitos, não tem acesso à formação nem ao conhecimento”, diz Jandyra.
Ela relaciona o formato ao trabalho infantil, uma vez que a estrutura de educação é voltada para a mão de obra barata e a exploração do trabalho precário, assim contribuindo para que as crianças de hoje, futuros trabalhadores sejam explorados e não tenham acesso ao conhecimento básico, científico, que permitirá que eles exercem outras profissões que requerem maior qualificação
Os filhos da classe abastada têm direito ao conhecimento. Já os jovens pobres estarão fadados a disciplinas desprovidas de qualquer conteúdo essencial para a vida. Tem escolas que já tem até como disciplina ‘fazer brigadeiros artesanais'- Jandyra UeharaPortanto, para a dirigente, o Novo Ensino Médio nada mais é do que formar pessoas para servidão moderna e ela reforça que “não tem como combater o trabalho infantil e defender o Novo Ensino Médio ao mesmo tempo. “Temos que ser radicais para acabar o com oeste formato, ela ponta.
12 de junho
O dia 12 de junho foi instituído, em 2002, como o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, pela OIT. A data tem o objetivo de alertar a sociedade, trabalhadores, empresas e governos sobre os perigos deste tipo de trabalho.
A Constituição Federal proíbe que crianças e adolescentes com menos de 16 trabalhem, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. É vedado o trabalho noturno, perigoso ou insalubre antes dos 18 anos. A mesma proibição está na CLT e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O trabalho infantil deve ser denunciado e pode ser feito por canais como Disque 100, no portal do MPT, no sistema Ipê de trabalho infantil do Ministério do Trabalho, em Conselhos Tutelares, Promotorias e Varas da Infância, ouvidorias de tribunais da Justiça do Trabalho e demais órgãos integrantes do Sistema de Garantia de Direitos.
Fique por dentro
O trabalho infantil é uma grave violação aos direitos de crianças e adolescentes, com prejuízos ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, além de impactar negativamente os estudos e contribuir para a evasão escolar. A falta de estudo dificulta a formação profissional e a obtenção de trabalho com uma remuneração digna na vida adulta.
A Auditoria Fiscal do Trabalho, desde a sua criação há 130 anos, e especialmente após a Constituição Federal de 1988, tem contribuído significativamente para a redução do trabalho infantil no Brasil e encontra-se dentre as ações governamentais mais importantes para o enfrentamento do problema, atuando sempre de forma articulada com parceiros institucionais e atores sociais. Além disso, é detentora de vasto conhecimento sobre o assunto, tendo seu corpo fiscal expertise no combate às mais diversas formas de trabalho infantil.
Para o combate ao trabalho infantil é imprescindível conhecer tecnicamente o fenômeno para que, assim, sejam definidas e implementadas ações eficazes contra essa grave violação, bem como sejam assegurados os direitos das crianças e dos adolescentes.
Para conhecer sobre o tema e responder perguntas sobre o trabalho infantil, o Ministério do Trabalho e Emprego elaborou um material que traz, entre outros aspectos, o que diz a legislação sobre o tema, quais são as causas e quais as consequências do trabalho infantil.
SmarLab
A versão atualizada da plataforma SmartLab Trabalho Infantil já está disponível. Trata-se de uma plataforma com dados relativos à infância e à adolescência, voltada para técnicos, gestores, acadêmicos, profissionais das áreas sociais e de políticas públicas.
A plataforma concentra uma série de indicadores fundamentais para a elaboração, execução e monitoramento de políticas públicas, por onde é possível observar o que cada município tem feito pelo enfrentamento ao trabalho infantil e para a promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Com informações da Fnapeti e Minsitério do Trabalho