Escrito por: Leonardo Wexell Severo, de Assunção
No Paraguai, movimentos sociais latino-americanos fortalecem luta pela Justiça
Após quatro horas de viagem da capital do Paraguai, Assunção, e uma caminhada em meio a um mar de soja transgênica, chegamos ao acampamento dos sem-terra de Marina Kue, no município de Curuguaty. Com alguns enviados pela rede de solidariedade da Articulação Curuguaty, fomos até o local em que morreram seis policiais e 11 trabalhadores rurais no dia 15 de junho de 2012. A tragédia serviu como justificativa para a direita apear Fernando Lugo da presidência em poucos dias.
A cruz onde tombou Avelino Espínola Dias
No país em que, conforme o último censo agrícola, 42% da população é rural e 2,5% dos proprietários detêm 85% da terra, os poderes político e econômico exigem a criminalização do protesto e a vitimização dos algozes: penas de até 30 anos de prisão para os “invasores” de Marina Kue – que em Guarani significa “terras da Marinha”. Ou seja, os podres poderes querem dar uma lição exemplar a quem luta para que as terras públicas deixem de ser ilegalmente ocupadas por latifundiários e passem às mãos de quem nela mora e trabalha.
Nas cruzes que nos recebem já na entrada do acampamento, no solo manchado de sangue de inocentes, nas árvores que carregam a marca dos projéteis de fuzis, na vastidão dos seus dois mil hectares, Marina Kue é a memória viva da injustiça e também da luta pela verdade. Afinal, na trincheira de lonas, palha e barro se encontram mães de filhos sem pais e pais sem filhos. A primeira ocupação ocorreu há 11 anos. Foram seis despejos violentos, incluindo balas de borracha, até que houve o massacre há três anos. Quando as crianças adoecem precisam ser curadas por plantas medicinais porque não há postos de saúde por perto e, mesmo no hospital da cidade, não há medicamentos. Quando ocuparam a entrada da fazenda, rodeada por soja, a pele das crianças ficou em carne viva devido à enorme quantidade de agrotóxicos utilizada pelos “donos” da terra. Também não há escola para atender os filhos das cerca de 40 famílias, que precisam estar atentas às perigosas “visitas” da polícia ou de sicários a mando dos latifundiários.
Vítimas de Marina Kue exigem terra, justiça e liberdade
Filha de Avelino, Nimia Espínola recorda que as únicas armas que o pai carregava era um facão e um bodoque. “Meu irmão estava aqui com meu pai e me contou que ele disse: comissário, vamos conversar. E foi o primeiro a cair”, relatou. “Como estava na Argentina, assim que fui informada corri pra cá. Tive tempo de vê-lo, pois nos entregaram o corpo só depois de três dias. Uma perna havia sido totalmente estraçalhada, junto com suas intimidades. Estava em decomposição, largado como um animal”, denunciou.
Nimia Espinola denuncia brutal assassinato do pai
“Aqui morreu meu primo Luciano Ortega, único filho de minha tia Dominga, que agora está em Assunção, morrendo de câncer. O promotor Rachid joga a culpa nos inocentes, a quem quer na prisão, enquanto protege os criminosos. Não arredaremos pé daqui até que os culpados paguem. Esta terra é nossa!”, afirmou Delfina Almada.
Como lembrou o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, em documento de solidariedade que repercutiu junto aos camponeses, é totalmente absurdo que estes venham a ser julgados como “invasores” quando há uma verdadeira batalha campal sobre a titularidade dos terrenos. “Com a explosão de Curuguaty e o bombardeio midiático, o julgamento político de Lugo ocorreu a toque de caixa e rapidamente se destituiu o governo. Então fizeram um circo eleitoral, totalmente manipulado, e se deu início a um vergonhoso processo de entrega do patrimônio público e medidas neoliberalizantes. Assim, o que pudemos ver é que o roteiro se repete em muitos países da América Latina, com a mídia e o judiciário submissos ao que há de mais reacionário, tentando impor o retrocesso, agindo sempre coordenados em defesa dos interesses do grande capital nacional e estrangeiro”, sublinhou Lisboa.