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CUT organiza ação em Cametá, no Pará, contra prejuízos a Hidrovia Araguaia

O projeto atende principalmente ao transporte do minério extraído pela Vale no Estado

Publicado: 11 Novembro, 2019 - 09h28 | Última modificação: 11 Novembro, 2019 - 10h45

Escrito por: Wanderson Lobato, especial para o PortalCUT

CUT
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Cerca de 120 lideranças de movimentos sociais e sindicais dos municípios da Região Tocantina, no estado do Pará, estarão reunidas na cidade de Cametá, nos dias 14, 15 e 16 próximos, no Encontro dos Povos das Águas dos Baixos Rios Tocantins.

O encontro está sendo organizado pela CUT Brasil, CUT Pará e Fetagri Pará com o objetivo de construir alianças com as organizações populares, religiosas e de ensino e pesquisa da região para o fortalecimento da luta por garantia de direitos sociais, trabalhistas e humanos da população local, principalmente com o avanço do projeto de ampliação da hidrovia Tocantins-Araguaia, coordenado pelo governo federal.

“Já sofremos muito nessa região, socialmente, economicamente e ambientalmente com a construção da barragem de Tucuruí. Agora, estamos vivendo outro ciclo com a construção da hidrovia. O primeiro projeto sempre nos colocou num momento difícil. Com o segundo não sabemos o que vai acontecer. Por isso, estamos convidando Ministério Público e a universidade e todos os movimentos sociais nesse processo protagonizado pela CUT pra ver como a gente se organiza pra fazer esse enfrentamento”, explica Carmen Foro, Secretaria-Geral da CUT Nacional.

O Encontro tem o apoio da Solidary Center, entidade de cooperação sindical internacional que há 22 anos atua no país em apoio à luta dos trabalhadores do campo e da cidade. Jana Silverman, diretora de programas para o Brasil, explica que a pauta ambiental sempre foi importante nas iniciativas apoiadas pela entidade.

“Nós temos de ter um olhar específico para a Amazônia. Um olhar que não é sobre a questão dos recursos naturais, mas também dos trabalhadores da região amazônica que tem direito a uma vida e um trabalho digno. O que não tem nada a ver com esses mega projetos que não criam empregos suficientes e acabam sugando recursos da região”, completa.

A Hidrovia

O projeto de derrocamento e dragagem do Rio Tocantins pretende torná-lo navegável o ano inteiro. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental da obra, disponível no site do DNIT, ela está dividida em três trechos: 1) entre os municípios de Marabá e Itupiranga (52 km de dragagem); 2) entre Santa Terezinha do Tauiri e a Ilha de Bogéa (derrocamento de 35km); 3) entre os municípios de Tucuruí e Baião (dragagem de 125 km). O trecho 2 corresponde a localização do Pedral do Lourenço, uma formação rochosa que surge durante os meses de estiagem e impede a navegação.

O projeto atende principalmente ao transporte do minério extraído pela Vale no Estado. E está inserida na lógica que prioriza a utilização dos rios da Amazônia em detrimento ao povo da região, mas em benefício do grande capital, num crescente processo de privatização dos recursos hídricos.

O próprio Estudo de Impacto Ambiental da obra atesta. “Fica evidente a importância no transporte do minério de ferro, como principal produto movimentado na área de influência total, com participação acima de 70%, cuja demanda se origina do complexo minerário de Carajás, segundo Plano Nacional de Integração Hidroviário”.

Nilton Lopes Farias, o Saci, é a principal liderança de Baião, um dos municípios afetados pelas obras da hidrovia. Quilombola da comunidade de Umarizal, Saci acredita que o projeto da Hidrovia seja importante para o país, mas destaca os problemas no processo de implantação da obra.

“O central de todo esse processo de integração, da forma que está sendo estabelecido deixa de fora a população local, vai restar pra esta população apenas o lado nocivo da modificação da região. Precisa envolver a população local, ribeirinhos, quilombolas para que não aconteça que a gente possa ver apenas a barcaça passar e continuar nessa situação de pobreza que vivemos hoje”, pondera. Mesmo que cinco audiências públicas já tenham sido realizadas pelo DNIT (Marabá, Itupiranga, Nova Ipixuna, Tucuruí e Baião) a liderança quilombola destaca: “Eles não explicam e não aceitam opinião de ninguém”.

Saci ainda levanta outro fator que preocupa os moradores da região já afetados pela escassez do pescado com a construção da Hidrelétrica de Tucuruí. “A questão da pesca é uma preocupação a mais porque o que estão defendendo parte de uma premissa que não é verdadeira. Que não vai mudar nada. O peixe é a principal dieta alimentar da população, principalmente dos mais pobres. Basicamente, o que está se prevendo é que com a dragagem vai modificar o microambiente que gera a alimentação das espécies. Não somos contra o progresso, o que a gente quer é que a gente seja considerado como ser humano”.

Natural do Amazonas, e há dois anos na região, José Altevir da Silva, bispo diocesano de Cametá, será um dos palestrantes do Encontro relatando sua participação no Sínodo da Amazônia, realizado em outubro pela Igreja Católica, no Vaticano. Para o religioso, na região amazônica o importante é a defesa dos territórios por conta dos grandes projetos. “A Amazônia é uma terra cobiçada pelos interesses que vem de fora. Que entram sem pedir licença em nossos territórios, estragam tudo, retiram o que querem e saem sem pedir perdão. E quem fica aqui são os pobres e a igreja católica com os problemas que causam no meio ambiente”, afirma.

Altevir acredita que o Encontro é uma oportunidade de conscientização do meio ambiente e de organização dos povos da região. “Eu acredito que ele vem de acordo com a proposta do Sínodo que é lutar para que as pessoas tomem consciência da responsabilidade nossa para nossa casa comum que é a Amazônia”.

CUT Amazônia

O encontro em Cametá integra um grande debate que a CUT Brasil, com o apoio da Solidary Center, realiza sobre os impactos dos grandes projetos na Amazônia e a organização e mobilização dos trabalhadores. A diretora do Solidary Center explica que a parceria com a CUT chega numa boa hora pra unir os movimentos sociais e sindicais na construção uma base de luta para proteger a floresta e as pessoas que vivem na floresta.

“Temos um governo que não tem diálogo, que tem uma necropolítica, política de morte. Morte da floresta, das pessoas. Mais do que construir diálogo para mudar a política agora o que a gente precisa é fortalecer a resistências e as ações dos movimentos sociais. Muito importante que a gente tenha esse projeto para dar voz aos que estão na linha de frente para acabar com essa necropolítica”, afirma.

Em setembro, o primeiro encontro ocorreu em Oriximiná, no Oeste do Estado. Durante o 1° Seminário dos Povos das Águas e das Florestas da Margem Esquerda do Baixo Amazonas lideranças populares, quilombolas e indígenas definiram alternativas de mobilização contra os impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais que provocados pelos grandes projetos na região, pretendidos pelo governo federal.

“A CUT sempre teve uma presença muito forte na Amazônia. Tem sindicatos urbanos e uma histórica atuação no campo. Chico Mendes era do sindicato dos trabalhadores rurais, fundador da CUT na região. Temos pé na Amazônia e temos consciência da adversidade e diversidade que é a Amazônia, seja geográfica ou nos embates contra os grandes projetos. E eu como cabocla da região acho muito importante articular essas bandeiras”, completa Carmen Foro.