Escrito por: Imprensa/Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas
Volume de dejetos de obras, produzidos no país, chegam a 48 milhões de toneladas por ano. Entidades realizaram Seminário sobre o tema para alertar sociedade e o poder público sobre o problema
O Brasil produz 48 milhões de toneladas de resíduos de obras por ano, 227 quilos por habitante. É um volume de dejetos que contribui para a deterioração do planeta, aumento das emissões e aquecimento global. E pior: poderia ser reaproveitado, mas não é.
Combater essa montanha de problema é papel dos arquitetos e urbanistas e foi tema da mesa Descarbonizando a Arquitetura, realizada nesta quinta-feira (28/11), no segundo dia do Seminário Nacional FNA de Arquitetura e Urbanismo, evento virtual que precede o Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (ENSA), que vai desta sexta-feira (29/11) até domingo (1º/12) e é promovido pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Mato Grosso do Sul (Sindarq/MS).
Em uma noite de muitos insights, o debate alertou sobre os danos da construção civil para o planeta e sobre o papel dos profissionais no enfrentamento do problema. Em sua intervenção, a arquiteta e urbanista e professora universitária Alessandra Brito, fundadora da Descarbon, reforçou que é papel do arquiteto orientar os clientes a escolher materiais mais sustentáveis, tentar reaproveitar ao máximo estruturas construídas e reduzir a geração de resíduos.
“Precisamos de medidas drásticas e urgentes”, alertou, lembrando da importância de frear o aquecimento global. Segundo ela, cabe, ainda, aos profissionais trabalhar pela recuperação de áreas de mineração degradadas, preservar o fluxo de bacias hidrográficas quando de suas intervenções e discutir planos diretores para que esses sejam regentes do debate sobre o uso do solo.
Apesar de recentes iniciativas voltadas para a negociação on-line dos resíduos da construção civil e permutas entre obras, Alessandra disse que as ações ainda são pequenas frente ao gigantesco mercado. Entre suas atividades, atua junto ao portal Material 8 (M8), que trabalha para formar profissionais, orientar empresas e criar uma indexação de informações relacionadas à sustentabilidade para os produtos à venda no mercado. A ideia é indicar sua composição, risco em termos de composição e durabilidade em um modelo similar ao adotado no setor de alimentos quanto ao teor de gordura e açúcares. Neste mês, a iniciativa foi premiada em 2º lugar na categoria Prova de Conceito no Prêmio de Inovação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
A manifestação ganhou coro na fala da arquiteta e urbanista ligada ao MST do Paraná, Iara Beatriz Falcade Pereira, também presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Paraná (Sindarq/PR). Apoiadora da produção agroecológica e consciente de que o desenvolvimento sustentável vem da integração entre a cidade e o campo, ela lembrou que 40% das emissões de gases do efeito estufa vêm de dentro da construção civil. Contudo, ressaltou que a bioconstrução não é simples e que o acesso a recursos que viabilizem projetos sustentáveis é complexo. No entanto, mostrou que tais iniciativas são viáveis ao apresentar o projeto de construção sustentável de uma casa de sementes crioulas, local onde preservam-se espécies nativas. “Fizemos construção com terra, reaproveitamos materiais e o telhado foi feito com a doação de telhas. É uma realidade associada à Athis”, salientou. E disse mais. Para ela, projetos do gênero precisam de estratos sociais diversos, incorporando ao debate outras diversas formas de conhecimento para encontrar alternativas para adiar o fim do mundo, frisou parafraseando Ailton Krenak. “Não podemos ter uma monocultura de ideias”, conclui, defendendo a pluralidade de ação em projetos sociais.
Mestre em Desenvolvimento Rural e doutor pela Universidade de Grenoble (ENSAG/França 2014) em dupla titulação com o Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP/São Carlos), o professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), Thiago Lopes Ferreira acrescentou que, ao longo das últimas décadas, viu-se uma grande mudança nas tecnologias de produção que, aos poucos, foram tirando a autonomia construtiva das pessoas.
“No Brasil, a produção do aço não pertence ao povo brasileiro. Está nas mãos de 11 grupos empresariais que operam 15 empresas e que, em 2022, produziram 34 milhões de toneladas de aço, gerando faturamento de 6 bilhões de dólares para os donos do aço”. Situação semelhante no setor de cimento. A produção hoje é comandada por 24 grupos, 34 marcas e 100 fábricas. Em 2022, acrescentou o profissional, o Brasil produziu 63 milhões de toneladas de cimento, o mesmo que dizer 300 kg de cimento por brasileiro.
“Há décadas, as consequências deste modelo construtivo vêm sendo tratadas. Mas os lobbys milionários dessa matriz seguem defendendo a ideia de que o capitalismo vai se autorregular”. Um caminho diante das condições de uso dos materiais industrializados, é um movimento de resgate e reinserção de materiais naturais de baixo impacto ambiental na construção, como bambus, pedras e terra, por exemplo.
A mesa, mediada pela arquiteta e urbanista e professora Andrea Naguissa, ainda contou com a experiência de Vika Martins, que trouxe alguns projetos de bioconstrução realizados ao longo dos últimos anos. Defendeu o respeito à cultura construtiva dos povos e uma interação harmônica entre o homem, suas construções e o planeta. Ela citou a importância de pensar a bioconstrução não apenas como escolha de materiais, mas como um processo que vai da construção ao fim da vida de uma edificação.
“Uma casa de parede de terra, quando se termina vira terra novamente”, exemplificou. Apresentou projetos de bioconstrução realizados e alternativas como o uso de palha de aveia para composição de paredes, tintas de terra, cobertura com telhado verde, sistemas de separação de efluentes e esquadrias naturais e reaproveitadas.
A mesa pode ser acompanhada na íntegra no canal do YouTube da FNA: