De olho nas urnas, parlamentares freiam reforma da Previdência
Para a economista Denise Gentil, Planalto só não aprovou a reforma porque congressistas perceberam o quão impopular é a medida e o medo de não se reeleger. Passado o pleito, tudo vai mudar
Publicado: 12 Março, 2018 - 08h56
Escrito por: João Vitor Santos, do IHU
A economista Denise Gentil endossa a tese de que a proposta do Governo Temer de reformar a Previdência Social está no bojo dos projetos neoliberais. O jogo é pesado e, segundo ela, o Planalto só não conseguiu aprovar a reforma porque senadores e deputados perceberam o quão impopular é a medida e, com medo de não se reelegerem em outubro, declinaram. “A pressão do lobby do mercado financeiro é um rolo compressor, mas o governo não achou espaço político para colocar a reforma em votação”, pontua.
E, no desejo de não assumir a derrota e não abandonar a reforma, a intervenção no Rio de Janeiro surge como uma saída. “Sem conseguir criar nenhum fato político que lhe trouxesse dividendos eleitoreiros, para si e para o MDB (antigo PMDB), entrou com a agenda da segurança e decretou a intervenção no Rio de Janeiro”, sugere.
Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Denise reconhece o recuo como uma “vitória dos movimentos de resistência da sociedade”. “O governo não esperava tanta mobilização, de todos os lados”, completa. Entretanto, adverte que, passado o pleito de outubro, tudo muda e parlamentares que não fecharam com o governo e que não se reelegerem podem mudar de ideia.
O desafio é, além de manter a mobilização, construir alternativas à reforma. “Não acredito, por outro lado, que a sociedade brasileira já tenha conseguido construir condições políticas suficientemente sólidas para propor alternativas para o futuro”, alerta. Mas também pondera: “a não ser que isso fique consolidado ao longo deste ano e no resultado das eleições de 2018, com a renovação do Congresso, dos governos estaduais e com a eleição de um presidente progressista. Se não estivermos suficientemente mobilizados e organizados para vencer as eleições, a reforma poderá ser aprovada logo depois do pleito de outubro”.
Denise Lobato Gentil é bacharel em Economia pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará, tem mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará - UFPA e doutorado em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde atualmente é professora. É autora de diversos artigos acadêmicos e organizadora do livro Produto Potencial e Investimento (Rio de Janeiro: Ipea, 2009).
Confira a entrevista:
Como a senhora interpreta essa decisão do Governo Federal de suspender a tramitação da reforma da Previdência?
A pressão do lobby do mercado financeiro é um rolo compressor, mas o governo não achou espaço político para colocar a reforma em votação. O governo Temer teve que ceder à resistência dos deputados que entendiam que aprovar a reforma da Previdência num ano eleitoral significaria enfrentar um risco nas urnas que poucos estavam interessados em correr. A pressão do lobby do mercado financeiro é um rolo compressor, mas o governo não achou espaço político para colocar a reforma em votação. Sem conseguir criar nenhum fato político que lhe trouxesse dividendos eleitoreiros, para si e para o MDB (antigo PMDB), entrou com a agenda da segurança e decretou a intervenção no Rio de Janeiro. É difícil ser brasileiro.
Em que medida esse recuo do governo representa uma vitória para os críticos da proposta de reforma e até que ponto pode aumentar a possibilidade de se construir uma alternativa para o chamado “déficit previdenciário”?
Esse recuo foi, sim, uma vitória dos movimentos de resistência da sociedade. O governo não esperava tanta mobilização, de todos os lados, dos vários sindicatos, centrais de trabalhadores, servidores públicos, trabalhadores rurais, mulheres, juízes comprometidos com as causas populares, militares, imprensa alternativa e deputados e senadores com mandatos engajados na defesa dos problemas dos mais necessitados, a ponto de ser criada a CPI da Previdência no Senado. O governo encontrou resistência, sim, e razoavelmente organizada. Penso que também não esperava o surgimento de tantos estudos demonstrando a farsa do modelo atuarial da Previdência federal e o jogo de concessão de privilégios ao sistema financeiro que cerca essa iniciativa de reforma. Se não estivermos suficientemente mobilizados e organizados para vencer as eleições, a reforma poderá ser aprovada logo depois do pleito de outubro. Não acredito, por outro lado, que a sociedade brasileira já tenha conseguido construir condições políticas suficientemente sólidas para propor alternativas para o futuro, a não ser que isso fique consolidado ao longo deste ano e no resultado das eleições de 2018, com a renovação do Congresso, dos governos estaduais e com a eleição de um presidente progressista. Se não estivermos suficientemente mobilizados e organizados para vencer as eleições, a reforma poderá ser aprovada logo depois do pleito de outubro.
De que forma a senhora avalia os 15 projetos da área econômica anunciados pelo governo para “compensar” a suspensão da tramitação da reforma da Previdência?
Não entendo como “compensações” ao que o governo pretendia com a Previdência. Alguns dos temas que não têm relação com ajuste fiscal, como por exemplo, a autonomia do Banco Central, a atualização da lei geral das telecomunicações, o marco legal de licitações e contratos e o projeto de lei das agências reguladoras. O que preocupa agora são as mudanças nas regras da Previdência e Assistência Social por meio de alterações infraconstitucionais que o governo pode fazer por projeto de lei e medidas provisórias. A aprovação seria muito mais fácil. Um projeto de lei ordinária exige maioria simples.
O governo poderia mudar o cálculo dos benefícios, por exemplo, estabelecendo que a pensão por morte deixe de ser integral em qualquer caso e passe a ser de 50% mais 10% por dependente; poderia alterar o tempo de contribuição para aposentadoria por idade, que hoje, é de 15 anos, e estabelecer um tempo maior, por exemplo, de 25 anos de contribuição mínima como pretendia no início das negociações no ano passado; e o governo também pode reduzir o alcance dos benefícios assistenciais como o Benefício da Prestação Continuada (BPC, fazendo a idade mínima de concessão se elevar de 65 para 70 anos. Essas possibilidades são preocupantes e a sociedade não pode se desmobilizar, porque são estratégias que significam um grande corte de despesas que viabilizariam o cumprimento do teto de gastos estabelecido para este ano.
Entre esses 15 projetos, está a proposta de “nova Lei das Finanças Públicas”. No que consiste essa proposta e em que medida endossa a tese de “rombo na Previdência”?
A austeridade se apoia em argumentos falaciosos. A nova lei das finanças públicas é mais uma daquelas peças que dão esteio ao “austericídio fiscal”. Não tem só o objetivo de atualizar a Lei 4.320, de 1964 e disciplinar tudo o que ainda não foi feito pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela vem para reforçar o que hoje é o principal objetivo das finanças públicas – produzir equilíbrio fiscal, cumprir metas fiscais para permitir o controle da dívida pública. Geralmente, isso significa redução de salários do funcionalismo público, corte de investimentos e de benefícios assistenciais.
Desde a gestão Joaquim Levy na Fazenda, o arrocho fiscal no Brasil fracassou em retomar o dinamismo da economia e em estabilizar a dívida pública. Mas foi funcional para provocar desemprego, reduzir salários e elevar a pobreza. Acabou contribuindo para transformar uma desaceleração em uma depressão econômica. É o caso de se perguntar qual é a responsabilidade que existe num orçamento equilibrado se ele produz o desequilíbrio social e econômico? No entanto, a nova lei das finanças públicas vem aí para produzir a “austeridade permanente”.
Como constituir uma Lei de Finanças Públicas que assegure os direitos da população e rompa com a panaceia das privatizações?
Há alternativas muito interessantes. A nova Lei de Finanças Públicas poderia mudar a forma de calcular as metas fiscais, ajustando as metas ao ciclo econômico e, para isso, uma alternativa é a utilização de um “resultado fiscal estrutural”. Neste conceito estrutural de resultado fiscal busca-se retirar o elemento cíclico do cálculo da meta fiscal. Uma forma de aprimorar o regime fiscal pode ser através do uso de bandas fiscais de forma semelhante ao que se usa no regime de metas de inflação. Isso flexibilizaria a política fiscal fazendo com que se torne anticíclica dentro dos limites da banda estabelecida.
A nova lei também poderia estabelecer que para cada patamar de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) exista uma banda fiscal específica e que, quanto menor o crescimento, menor seria o esforço fiscal exigido e vice-versa. É fundamental preservar os projetos de investimento público e, portanto, seria importante retirar do cálculo do resultado primário estrutural a totalidade dos investimentos públicos, porque trazem retornos sociais e econômicos e não deveriam ser paralisados.
Por fim, a nova Lei poderia estabelecer que o equilíbrio das contas públicas fosse prioritariamente viabilizado com medidas administrativas que elevassem a receita, como o fortalecimento da fiscalização para evitar a sonegação, estimular a cobrança da dívida ativa tributária e reversão criteriosa das desonerações.
Outra medida anunciada pelo governo como alternativa à reforma é a concessão de autonomia ao Banco Central. O que está por trás dessa proposta?
O primeiro ponto da proposta do governo é conceder ao presidente do Banco Central um mandato fixo, protegido contra a demissão e não coincidente com o mandato do presidente da República. A autonomia pretende permitir à diretoria do Banco Central supostamente resistir às pressões políticas do executivo federal. Mas resistiria às pressões do mercado financeiro? Poderia ser, de fato, independente?
O segundo ponto do projeto é definir em lei que o Banco Central tem um único objetivo, o de perseguir a meta de inflação. Essa proposta elimina a possibilidade de o Banco Central perseguir tanto uma meta de inflação quanto uma meta de crescimento ou meta de emprego. No Brasil, já tem sido assim desde 1999 e esse é um dos motivos pelos quais as taxas de crescimento são baixas. Os objetivos da política monetária não podem ficar nas mãos de uma diretoria e do presidente do BC. Devem ser definidos pelo governo democraticamente eleito. As necessidades do povo devem estar acima da meta de inflação.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou que a reforma da Previdência “vai voltar à pauta assim que for possível”. Mas isso ainda tem chance de ocorrer no Governo Temer? Ou seria uma sinalização de que essa será uma das propostas centrais do candidato desse governo à Presidência da República?
Sim, acho que as duas coisas. A reforma da Previdência tem chance de voltar logo depois de concluída a eleição deste ano. A equipe econômica parece entender que os parlamentares que hoje não votam com o governo podem mudar de ideia caso não sejam reeleitos. E, certamente, a reforma da Previdência será a proposta central da candidatura de Henrique Meirelles, primeiro, porque ele é o candidato do mercado financeiro; e, segundo, porque terá a oportunidade de repetir, exaustivamente, que o baixíssimo crescimento econômico de 2017 não foi sua culpa, mas decorreu da não aprovação das mudanças na Previdência.
Em que medida o debate eleitoral de 2018 poderá abrir a possibilidade para uma discussão franca e honesta acerca da Previdência no Brasil?
Só os candidatos de esquerda podem fazer com que a discussão se torne franca e educativa para a população brasileira. É preciso que os candidatos comprometidos com os interesses populares denunciem a precariedade das previsões do modelo atuarial brasileiro que aponta um falso resultado deficitário para a Previdência sem nenhum valor científico. É fundamental que denunciem os enormes privilégios tributários concedidos aos bancos, ao agronegócio e às empresas petroleiras às custas da dilapidação das receitas da seguridade social para os próximos 25 anos. É da mais elevada importância que a população compreenda o domínio das instituições financeiras na definição das políticas públicas, sobre os recursos do orçamento público e a privatização da Previdência e dos serviços de educação e saúde.