Escrito por: CONTRAF-CUT

Decisão do CMN aumenta pressão para que Banco Central reduza Selic

O Conselho Monetário Nacional aprovou mudanças no sistema de período de cálculo para alcançar a meta de inflação. Novo modelo é mais um fator para que BC reduza a taxa básica de juros

CONTRAF-CUT

O Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu por unanimidade, nesta quinta-feira (29), estabelecer uma meta de inflação de 3% em 2026 e aprovou mudanças no período de cálculo para alcançá-la, que não será mais vinculado ao ano-calendário, ou seja, considerando a inflação acumulada em 12 meses, terminando em dezembro. O período do sistema de avaliação passa a ser contínuo, permitindo que o BC persiga a meta determinada para a inflação acumulada em 24 meses.

Essas duas decisões já eram esperadas. A segunda, em especial, que valerá somente a partir de 2025, foi levada ao conselho pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um dos três membros do colegiado, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

“O que se fazia, antes no Brasil, era abrir mão da meta para cumprir o ano-calendário. Agora o que você faz é o contrário”, disse o ministro Haddad em coletiva de imprensa, para anunciar as decisões do encontro.

Na prática, o sistema de avaliação contínua, que passa a valer, permite ao BC um horizonte maior de tempo para atingir a meta de inflação, como explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Cavarzan.

“Com esse modelo, o BC pode suavizar os movimentos nos juros e até mesmo ter mais tempo para aguardar um choque temporário se dissipar, ao contrário do modelo ano-calendário, que tem sido utilizado como justificativa para movimentos intempestivos de choque de juros para atingir a meta de inflação, sem considerar eventuais choques de preços que nada tem a ver com excesso de demanda [consumo] e que, portanto, não respondem aos juros extremamente altos praticados hoje pelo BC”.

Ele cita como exemplo de atuação intempestiva do BC o rápido aumento da taxa básica de juros do país, a Selic, que passou de 2% ao ano, em janeiro de 2021, para 13,75% em agosto de 2022 – nível mantido deste então.

“Por conta de uma guerra que teve início em um país longínquo [conflito entre Rússia e Ucrânia] ocorreu uma explosão no preço dos combustíveis e alimentos e que levou a inflação brasileira para longe da meta. Então, por utilizar como único instrumento a taxa de juros para perseguir a meta dentro do ano específico, o BC acabou promovendo elevações muito intensa nos juros”, lembra.

Com a Selic em 13,75%, descontado o custo da inflação, o Brasil segue com o maior nível de juro real do mundo, em torno de 9,4%, o que afeta negativamente a economia e a geração de emprego, como explica a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidenta da CUT, Juvandia Moreira.

“A Selic num patamar alto aumenta a dívida pública do governo com os juros pagos com os títulos da dívida pública, dinheiro que poderia ser utilizado para expandir infraestrutura e para ser investido em saúde e educação. Os juros altos também prejudicam as famílias, porque o crédito e o financiamento ficam mais caros. Famílias endividadas consomem menos. Pouco consumo reduz a produção, porque as empresas não estão vendendo. Se as empresas não estão vendendo e estão com estoques parados, elas demitem. Consequentemente a renda circulando cai e a economia não avança”.  

Meta inalcançável

O próprio argumento do BC de que o Brasil só terá juros menores quando a inflação estiver no centro da meta vem recebendo críticas, por estar deslocado da realidade econômica do país.

As atuais metas de inflação brasileira para 2023, 2024, 2025 e, agora, 2026, são de 3,25% para este ano e 3% para os demais – sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto, para mais ou para menos. O índice de referência para definição das metas utilizado oficialmente no país é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE.

“Nos últimos 25 anos, de 1998 a 2022, o IPCA teve média anual de 6,3%. Nesse mesmo período, a inflação anual de 3,25% foi atingida em apenas três anos – em 1998, 2006 e 2017-, ou um a cada dez anos em média. Do mesmo modo, se considerada a faixa superior da banda da meta de inflação de 4,75% ao ano, ainda assim será uma tarefa difícil a ser atingida, ou seja, em apenas oito dos 25 anos de apuração”, explica o ex-diretor eleito de Planejamento da Previ e ex-presidente da BRF Food Previdência, Francisco Alexandre, em artigo publicado no Brasil247.

Em seu levantamento, ele mostra ainda que a inflação medida pelo IPCA entre junho de 2022 e maio de 2023 caiu de 11,89% para 4,18%. “Mesmo assim não foi suficiente para fazer o Banco Central iniciar o ciclo de queda dos juros. E a cada novo dado positivo, se acresce mais um obstáculo para justificar a manutenção do que está posto – ou a ficção de que o país só terá juros menores quando a inflação estiver em um patamar que nunca esteve”, diz, completando que a Selic elevada “serve apenas para justificar os ganhos por rentistas que se sustentam com ganhos da dívida pública”.

Segundo Cavarzan, “considerando o estoque da dívida do setor público no patamar de cerca de R$ 6 trilhões e que cerca de 64,5% desse estoque têm a Selic como indexador”, cada ponto percentual na taxa Selic significa um aumento de custo da dívida anual de cerca de R$ 38 bilhões. “Concretamente podemos dizer que em janeiro de 2021 com a Selic a 2% o Governo gastava em 12 meses cerca de R$ 316 bilhões com juros da dívida (4,25% do PIB) e que em abril de 2023 com a Selic a 13,75% o gasto em 12 meses com juros subiu para R$ 659 bilhões (6,47% do PIB)”.

O economista do Dieese destaca ainda que o Brasil apresenta há meses condições econômicas que permitem um processo de redução da Selic. “Temos um cenário com mercado de trabalho pouco aquecido, ainda há um grande contingente de desempregados, subutilizados, precarizados, com renda baixa, o que significa que não temos um cenário de excesso de consumo. O cenário na realidade é de uma população muito endividada que, justamente por conta dos juros elevados, gasta uma parcela cada vez maior de sua renda para pagar dívidas não sobrando recursos para consumir”.

Cavarzan completa que, apesar do desempenho acima do esperado no primeiro trimestre do ano em função do agronegócio, a atividade econômica brasileira segue estagnada. “A inflação em si caminha firmemente para um processo de redução brusca com os principais fatores que levaram a elevação dos preços no ano passado (como choque na taxa de câmbio, guerra da Ucrania, política de preços da Petrobras e safras agrícolas ruins) sob controle. Sendo assim não existe razão econômica que justifique a manutenção dos atuais patamares de juros no país”, conclui. 

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