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Decisão do Supremo coloca em perigo democracia brasileira, dizem especialistas

“Não sei se podemos dizer que vivemos uma democracia plena no Brasil hoje”, lamentou o jurista Pedro Serrano, ao comentar a votação que negou o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula

Publicado: 05 Abril, 2018 - 17h41 | Última modificação: 11 Abril, 2018 - 00h22

Escrito por: Tatiana Melim

Antonio Cruz / Agência Brasil
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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (4), de não conceder o pedido de habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, negando o direito constitucional de Lula se defender em liberdade até se esgotarem todos os recursos na Justiça, acendeu o sinal vermelho, de perigo, a todos aqueles que defendem e acreditam no Estado Democrático de Direito.

A postura e os argumentos de alguns dos ministros da Suprema Corte, que basearam seus votos na opinião pública, chocaram parte do mundo jurídico e acadêmico. Não restaram mais dúvidas sobre o jogo de cena e a decisão de cunho político – e não jurídico – do STF. 

“Foi uma decisão com objetivos políticos e não cumpriu os valores e princípios constitucionais. É uma medida de exceção, não é jurídica”, criticou o jurista Pedro Serrano, se referindo ao princípio constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“Estão esvaziando a ordem constitucional”, ressaltou.

Isso é um risco não apenas ao direito de liberdade de Lula, mas de todos os avanços e pactos civilizatórios da sociedade brasileira pós-ditadura. É um risco para a democracia, afirmou Serrano.

Não sei se podemos dizer que vivemos uma democracia plena no Brasil hoje
- Pedro Serrano, jurista

Para a professora de história da USP, Maria Aparecida de Aquino, o resultado da votação agravou ainda mais o frágil Estado Democrático de Direito que restou depois do golpe de 2016, quando uma presidenta legitimamente eleita – Dilma Rousseff – foi destituída do governo sem crime de responsabilidade.

“O resultado de ontem é mais um agravante, mais uma tentativa de impedir o bom andamento da democracia”, afirmou a professora, ressaltando que a votação não respeitou o que está contido nas clausulas pétreas da Constituição Federal.

“E isso não sou apenas eu quem diz, mas os próprios juristas, o mundo jurídico sabe disso”, ressaltou.

Segundo Maria Aparecida de Aquino, todos aqueles que agem de forma irresponsável hoje, sem a lisura e o compromisso que os cargos que ocupam exigem, responderão pela história.

“Todas as pessoas que participaram a favor do regime militar foram derrotados pela própria história e é isso o que irá acontecer com essas pessoas no futuro”, enfatiza.

A avaliação da professora dialoga com a crítica feita pelo jurista Pedro Serrano a respeito da decisão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, de pautar o habeas corpus preventivo de Lula antes das duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs) que tratam da possibilidade de revisão da decisão liminar provisória de 2016, que permite o cumprimento imediato da pena de pessoas condenadas pela Justiça em segunda instância.

“Foi uma estratégia para obter o resultado que se obteve ontem. Foi uma decisão política”.

O voto constrangedor da ministra Rosa Weber foi o que escancarou o jogo de cena a que se refere Pedro Serrano. A ministra afirmou, como já havia feito outras vezes, que era contra a prisão automática após segunda instância, respeitando o entendimento constitucional. Chegou a afirmar que, na próxima votação da ADC, o Supremo reformará a decisão anterior, mesmo assim, votou contra o HC de Lula.

“Bem, eu sou contra prender antes do trânsito em julgado; já votei aqui várias vezes contra, mas, como a casa decide por mandar prender, vou negar o habeas corpus”, justificou Rosa Weber.

As duas ADC’s, de autoria do ministro Marco Aurélio, foram liberadas para julgamento em dezembro, mas ainda não entraram na pauta da Corte por decisão pessoal da ministra Cármen Lúcia, o que foi duramente criticado ontem durante o julgamento.

Condenação sem provas

A professora de história da USP, Maria Aparecida de Aquino, chama a atenção para o fato de que, além ter sido desrespeitado um direito constitucional, o método utilizado para criminalizar um ex-presidente da República sem provas é muito grave.

“Como é possível a OAS alienar o tal tríplex e o imóvel ser do Lula?”, questiona a professora, ao relembrar que o ex-presidente, por mais de uma vez, tem reiterado que o apartamento não é seu, o que provou a alienação feita pela Caixa.

Segundo ela, a forma como foi construído o processo do triplex do Guarujá, sem a apresentação de nenhuma prova para justificar uma acusação, é uma situação completamente irreal e absurda.

“Parece que eles [juiz Sérgio Moro e os promotores responsáveis pela Lava Jato] estão vivendo no mundo fantástico de OZ, num mundo de fantasia, onde todos os absurdos são possíveis”, critica.

O jurista Pedro Serrano complementa dizendo que as consequências de julgamentos e atuações políticas de setores do Judiciário abrem um caminho perigoso para que se tenha cada vez mais um paradigma autoritário, com medidas de exceção.

“Estamos vivendo em um ambiente social contaminado cada vez mais por ideias autoritárias. Isso é perigoso. Entramos num período de muita incerteza, em que tudo pode acontecer”