Defesa da democracia é uma luta sem descanso
Lideranças do Fórum Social trataram da necessidade de fortalecer participação popular
Publicado: 25 Março, 2015 - 20h47 | Última modificação: 25 Março, 2015 - 21h24
Escrito por: Luiz Carvalho, da Tunísia
Pública acompanha debates da Casa Brasil (Foto: Luiz Carvalho)
Um dia após a marcha de abertura, o Fórum Social Mundial que acontece em Túnis, capital da Tunísia, deu início nesta quarta-feira (25) ao ciclo de debates que prosseguirão até sexta.
Na Casa Brasil, espaço que CUT e parceiros dos movimentos sociais manterão na Universidade El Manar, as discussões tiveram como tema principal a participação social e as democracias. No plural.
Conforme lembrou o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, nem mesmo durante a Constituição de 1988, num ambiente de mudanças, reformas fundamentais como a agrária e a política aconteceram de cima para baixa, pois encontraram um Congresso sob pressão de forças conservadoras.
Para ele é preciso construir um trabalho social e comunitário capaz de mudar a correlação de forças na sociedade e depois no Executivo, Legislativo e Judiciário. Sem transformar esses quatro setores, qualquer mexida no modelo social será paliativa, ressaltou.
Primeiro governador a implementar o orçamento participativo numa gestão estatal, Dutra destacou também que a proposta foi construída por movimentos sociais a partir do velho argumento do governo sobre a ausência de recursos para atender às demandas da periferia.
A ideia é que as pessoas tenham conhecimento de como funcionam as receitas públicas e decidam em conjunto sobre temas que variam da isenção de impostos até quais as prioridades de obras sob responsabilidade das três esferas de poder.
“Casar a democracia representativa com a participativa faz com que o regime democrático não seja episódico. Temos que construir um modelo em que as pessoas sejam protagonistas e não objetos da política. Não dá para discutir receitas com ricos e despesas com pobres”, definiu.
Além da burocracia – Da mesma forma que Olívio Dutra, o Movimento Passe Livre (MPL) representado pela militante Letícia Cardoso também defende que a definição do modelo de atuação do Estado não pode ser apenas técnico e burocrática.
Para ela, não há maior especialista em transporte público do que os cidadãos. “Acreditamos mais na participação direta do que na representatividade. O direito à cidade não existe se não puder se movimentar por ela”, definiu.
País em mutação
Representante da Euro Mediterrâneo na Tunísia, organização em defesa dos direitos humanos, Lillia Rebaï falou sobre a experiência da Primavera Árabe no país e do papel das ruas nas transformações.
Ela lembrou que as mudanças ocorreram após o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo para protestar contra o desemprego e a perseguição policial. A partir daí, cada marcha serviu como processo de conscientização da sociedade sobre a capacidade de construir a própria história.
Até chegar à queda do ditador tunisiano Zine El-Abidine Ben Ali por meio de um movimento em defesa da dignidade, democracia e trabalho.
Os protestos se repetiram contra as ações do primeiro governo transitório para sufocar manifestações num país em que a taxa de desemprego varia entre 17% (para os não graduados) e 29% (para trabalhadores com gradução) e contra a tentativa de manter representantes de Ben Ali no poder.
Voltaram ainda quando parlamentares tentaram substituir o termo igualdade entre homens e mulheres pela complementariedade entre os gêneros.
“Ao contrário de Líbia, Egito, Siria, Argélia e Marrocos, onde movimentos acabaram depois da jornada ou as nações agora vivem em guerra civil ou ditadura, aqui a relação entre a organização da sociedade civil, os movimentos populares, a luta por participação nas urnas e a democracia representativa são fatores de esperança para que a construção da democracia continue”, disse Rebaï.
Apesar da nova Constituição e do fim do regime de Ben Ali, há ministérios e órgãos do Estado ainda com representantes do antigo ditador. Na plateia, um tunisiano destacou que não é possível falar em democracia num país colonizado em que os rostos mudam e o regime permanece. A possibilidade de criticar, porém, já é um avanço.
Governo quer poder
Avanços que ocorrem também em outros países africanos. Representante da JOINT, uma liga de ONGs (Organizações Não Governamentais) em Moçambique Manuel do Rosário conta que, após 16 anos de guerra civil, há mudanças como um observatório de revisão conjunta anual entre governo e sociedade civil
A participação social, porém, depende da institucionalização de processo, avaliou, para que não seja apenas um ato formal. Sem parâmetros de atuação claros, o governo pode se apropria dos espaços públicos e impõe obstáculos como a legalização e reconhecimento do Lambda, grupo que atua em defesa dos direitos de (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).
Há ainda casos em que o sistema político dificulta a representatividade por meio de ações que poderiam ser positivas. O sistema de voto em lista é um caso. O problema é que em Moçambique o cidadão escolhe apenas o partido sem conhecer os candidatos, o que, segundo ele, dificulta a cobrança dos eleitos. Aliado à revisão do sistema eleitoral a cada cinco anos, o modelo dificulta a transparência.
“O governo pode até adotar politicas democráticas, de inclusão, mas fará de tudo para se manter no poder. Diante disso é preciso tentar ser ativo, crítico e usar o espírito de solidariedade para unificar os irmãos em luta”, apontou.