Escrito por: André Accarini
O ex-ministro Celso Amorim e o secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT defendem que o povo venezuelano deve ter a soberania para decidir sobre o futuro do país
A tensão internacional que envolve a soberania da Venezuela foi um dos assuntos abordados na análise da conjuntura internacional durante o seminário 'O Futuro do Trabalho', realizado nesta terça-feira (26), em São Paulo, com trabalhadores brasileiros e italianos, representantes da CUT e da CGIL Lombardia e Milão (Confederação Geral Italiana do Trabalho).
Para Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa dos governos Lula e Dilma Rousseff, uma eventual intervenção americana na Venezuela colocaria em xeque toda uma história de conquista de direitos sociais e trabalhistas nos últimos anos.
A solução para a crise política enfrentada pelo país, defende o ex-ministro, deve ser resolvida internamente, não sob a interferência de outros países.
“Podem até oferecer ajuda por meio de intermediação, assim como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), mas sem interferir na soberania”.
Sanções
Amorim explica que a Venezuela se encontra fragilizada devido às sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos ao país em maio de 2018. O presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva proibindo qualquer cidadão de se envolver em transações comerciais, títulos da dívida da Venezuela e outros ativos.
Segundo o ex-ministro, pelo fato de a Venezuela possuir uma das maiores reservas de petróleo do mundo, os Estados Unidos têm grande interesse em interferir na democracia venezuelana para explorar suas riquezas.
O secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, Ariovaldo de Camargo, reforça a avaliação do ex-ministro e explica que as sanções ao país vizinho já têm reflexos em vários setores, como o de saúde. “Os EUA não permitem, por exemplo, que a Venezuela compre seus medicamentos e isso afeta a população drasticamente”.
“Um cerco econômico ao país é uma forma criminosa de os Estados Unidos se apoderarem do petróleo venezuelano. Um terço da produção venezuelana é comprada pelos EUA”, diz o dirigente.
Antes de falar...
Para o ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Celso Amorim, é necessário mudar a percepção construída por meio da mídia e de notícias falsas nas redes sociais a respeito da democracia venezuelana.
É o que defende também o secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT. Para Ariovaldo, é necessário conhecer um pouco da história recente do país para formar uma opinião sobre a Venezuela ser uma democracia ou uma ditadura.
“Aqui, precisamos vencer a desinformação e entender, principalmente, que o problema de lá, deve ser resolvido democraticamente, mas de maneira interna”, defende.
A solução tem de ser do povo venezuelano- Ariovaldo de Camargo“Eles tiveram 30 anos de alternância de partidos de centro direita que deixaram cerca de 70% da população na miséria. A própria população se mobilizou e fez uma revolução [o Caracaço, em 1989], em repúdio às sanções econômicas do então governo (de direita) de Carlos Andrés Pérez”, explica Ariovaldo.
Em 1999, continua o dirigente, após ter sido preso por tentar um golpe em 1992, Hugo Chávez chegou ao poder e inverteu a lógica de exploração de petróleo e distribuição das riquezas naturais.
“Até então, 85% do petróleo se concentravam nas mãos de petrolíferas americanas e 15% ficavam para a Venezuela. Consequentemente, houve redistribuição de renda para a população venezuelana, quando apenas 3,5% eram das classes A e B”, explica.
Ariolvado lembra, ainda, que durante esses anos o país passou por 25 eleições e “não se pode dizer, no Brasil ou em qualquer outro país, que há ausência de democracia, ou seja, não é o caminho para convencer os estrangeiros de que o país precisa de intervenção internacional”.
Brasil e Venezuela
Ao abordar rapidamente os recentes conflitos envolvendo o Brasil e a Venezuela, o ex-ministro Celso Amorim ironizou a situação e disse que “com esse governo [Bolsonaro], é melhor o Brasil ficar quieto sobre a questão”.
Ele alerta que em seus mais de 40 anos de carreira diplomática, nunca houve um risco iminente de uma guerra como há agora e aponta que o Brasil “tem problemas mais graves e imediatos a serem resolvidos”.