‘Democracia em Vertigem’, a força feminina e outros assuntos com Petra Costa
Diretora do documentário que estreou há duas semanas no Netflix e causa um tuíte por minuto é a convidada de Juca Kfouri às 22h na TVT
Publicado: 05 Julho, 2019 - 09h56 | Última modificação: 05 Julho, 2019 - 10h12
Escrito por: Paulo Donizetti de Souza, da RBA
A cineasta Petra Costa é o assunto no meio audiovisual. Seu documentário Democracia em Vertigem, em cartaz no Netflix há duas semanas, é um sucesso. O filme descreve, pelo olhar pessoal da diretora, em meio à sua própria história familiar, a história recente do Brasil, o fim do regime autoritário, o limiar da Nova República, o amadurecimento da democracia na década passada com um lampejo de redução das desigualdades e a ruptura fascista que levou ao golpe de 2016 e à ascensão da extrema-direita ao poder por meio do voto.
A narrativa intimista, em primeira pessoa, mesclando imagens de arquivo familiar a documentos raros dessa história política, é também a história pessoal e emocional de milhões de brasileiros ainda angustiados e estarrecidos. A forma como tudo isso é contado dá a Democracia em Vertigem o benefício da empatia. O filme traz cenas inéditas dos últimos momentos de Lula em São Bernardo do Campo antes da prisão. Capta com olhar sensível e espirituoso, por exemplo, os dedos entrelaçados de Michel Temer, posicionado de maneira deslocada, distanciada, com olhar de “festa estranha com gente esquisita, eu não tô legal”, no momento da primeira posse de Dilma Rousseff, em 2011.
Em que pesem as baixarias que se têm visto nas redes sociais e em comentários de reportagens, Petra considera ter havido uma surpreendente recepção, inclusive em bolhas direitistas, vinda não apenas da crítica especializada, mas do público que se diz identificado com o enredo. “Os elogios e a comoção com o filme têm me surpreendido. Você entra no Twitter e tem quase um comentário por minuto, e a maioria tem sido muito positivo. Então, para mim está leve, e estou bastante agradecida com esse processo de lançamento.”
Por trás da qualidade cinematográfica – um grande trabalho de equipe – está o poder de edição e de síntese em reunir em duas horas mais de três anos de filmagens, 5 mil horas. Sem contar as imagens de arquivos, e a capacidade de interpretação desse passar dos anos, pouco vista na boca dos melhores cientistas políticos.
Prêmios
Aos 36 anos, Petra Costa está em seu quarto filme. O primeiro, Olhos de Ressaca (2009), é um curta inspirado na história dos avós maternos recebido com uma dezena de prêmios, entre eles o de melhor curta-metragem nos festivais do Rio e de Gramado. Com ELENA (2012, batizado assim mesmo, em maiúsculas), inspirado em suas próprias memórias da relação com a irmã 13 anos mais velha, que se suicidou aos 20, Petra ganhou o mundo. Foram 17 prêmios, oito deles no exterior, cinco no Festival de Brasília (melhor documentário, direção, montagem, arte e júri popular). Com O Olmo e a Gaivota (2014), também documentário, foram outros sete prêmios – o filme é co-assinado com a dinamarquesa Lea Glob, e conta, por meio de uma estrutura de ficção, a história de um casal de atores do Teatro de Soleil, de Paris, ao se virem à espera de um filho.
Democracia em Vertigem, o primeiro da diretora feito para um canal de vídeo por demanda (VOD), já está na seleção oficial de algumas das principais vitrines do mundo, entre elas o Sundance Film Festival, em Utah, Estados Unidos. E foi listado pelo The New York Times entre os melhores filmes do ano.
No Entre Vistas desta quinta-feira (4), às 22h, a convidada de Juca Kfouri fala de sua experiência cinematográfica e da influência de sua formação em Antropologia no modo peculiar de sua narrativa intimista: “Antropologia é uma discussão longuíssima de como representar o outro, o que se popularizou no Brasil como ‘lugar de fala’. Então, desde cedo, quando estava me formando, eu não me sentia confortável de falar do outro sem falar de mim, sem mostrar a rachadura subjetiva pela qual eu estava mostrando a situação”, explica.
Marielle
Petra Costa falou com otimismo explícito do protagonismo feminino nos dias atuais – na política, nos movimentos populares, na produção artística, na vida – e lamentou não ter conseguido dar mais espaço ao episódio da morte de Marielle Franco em seu documentário. Marielle, vítima de um crime que é a cara do fascismo que resolveu mostrar a cara no país.
“(a força da mulheres) É uma primavera que traz esperança. Desde que conheci o termo, me identifiquei como feminista. É uma causa que tem ganhado o mundo de forma positiva”, diz a cineasta, hoje mais resolvida em relação à irmã-ídolo que perdera aos 7 anos, e mais à vontade para apostar: “Se Elena tivesse visto a vitória de Dilma, em 2010, estaria bem viva hoje”.
Sobre Marielle, avalia que ela merecia um filme inteiro para contar sua história – e sabe que esse filme já está sendo feito. “A minha sensação é que ela chama a atenção para um genocídio diário da população negra e a perseguição a políticos no Rio de Janeiro. Revela-se a naturalização do feminicídio no Brasil. São várias doenças dentro do país.”
Participaram do Entre Vistas a atriz e produtora cultural Rosana Maris e este redator. O programa pode ser visto na TVT, canal aberto digital 44.1 na Grande São Paulo, no YouTube e também aqui, na RBA. A partir das 22h.