Escrito por: Hylda Cavalcanti, na RBA
Não existe uma posição fechada da base aliada do governo no sentido de salvar o presidente ilegítimo
O presidente da República, Michel Temer, iniciou, na noite desta segunda-feira (26) a terceira e mais complicada crise de seu governo, com o pedido formalizado contra ele pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de corrupção passiva. Segundo aliados, assessores próximos e oposição, Temer está agora nas mãos da Câmara dos Deputados, que terá de votar se aceita ou não que o pedido seja avaliado pelo STF.
Apesar da experiência de ter sido presidente da Casa por duas vezes, além de presidente do PMDB, não existe uma posição fechada da base aliada do governo no sentido de salvar o presidente. O ambiente no Congresso é de muitos rachas entre as bancadas e preocupações dos parlamentares com a opinião pública, sobretudo faltando pouco mais de 13 meses para a campanha eleitoral de 2018 e levando-se em conta que a maioria pretende disputar a reeleição.
A primeira crise do governo Temer foi observada poucos meses depois que ele assumiu, com vazamento de gravações de conversas do ex-senador Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, com vários dos seus ministros – e mencionando outros. A segunda foi no último dia 17 de maio, quando foram divulgados áudios de conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, negociando pagamento de propina.
Com a denúncia, apresentada formalmente pelo procurador-geral, por volta das 20h, o presidente vive sua terceira e talvez última crise. O STF divulgou ainda relatório final sobre as investigações das delações da JBS, enviado no início da noite à Corte pela Polícia Federal (PF). No documento, a PF diz que o presidente Michel Temer e o ex-ministro Geddel Vieira Lima cometeram crime de embaraço às investigações. A acusação é baseada no áudio da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da empresa, com o presidente, em março, no Palácio do Jaburu.
Michel Temer se transforma no primeiro mandatário do Brasil denunciado à Justiça pela prática de crime cometido durante o seu mandato. Um mandato adquirido formalmente há menos de nove meses – já que o impeachment de Dilma Rousseff foi consolidado pelo Senado em 31 de agosto do ano passado.
Na denúncia, apresentada de forma folhetinesca pela PGR (Janot deixou jornalistas de todo o país ansiosos e na expectativa o dia inteiro para divulgar seu pedido minutos antes do Jornal Nacional, da TV Globo) o procurador-geral afirma que o presidente agiu de “livre e espontânea vontade nos seus atos”. Acrescentou que o crime de corrupção passiva, cometido pelo presidente, começou no dia em que Temer recebeu Joesley no porão do Palácio do Jaburu, no início de março deste ano. E foi concluído no dia em que foi entregue, por um assessor do empresário, mala com R$ 500 mil ao ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, interlocutor do presidente, em São Paulo.
Segundo a conversa gravada pelo empresário e entregue em delação premiada, o valor refere-se ao pagamento de propina. A PGR entendeu que o dinheiro estaria sendo utilizado para comprar o silêncio do deputado afastado e hoje preso Eduardo Cunha, de forma a evitar uma possível delação. Mas a procuradoria não indiciou o presidente por crime de obstrução de Justiça, atendo-se à denúncia por corrupção passiva – embora tenha deixado claro que isso pode ser feito num segundo pedido a ser encaminhado ao STF. O entendimento de que Temer obstrui a Justiça é da Polícia Federal.
Janot também pede para ser apurado, num outro documento, o envolvimento de Temer e Rocha Loures no crime de corrupção e lavagem de dinheiro por ato de corrupção envolvendo a publicação de um decreto que pode vir a ter beneficiado empresas.
Assim que saiu a notícia da formalização da denúncia, parlamentares da base aliada e ministros se dirigiram ao Palácio do Jaburu, para a realização de uma reunião convocada pelo Palácio do Planalto.
Conforme a Constituição Federal, o pedido da PGR contra o Presidente da República precisa ser aprovado por dois terços da Câmara dos Deputados, ou seja, precisa contar com a aceitação de 342 dos 513 deputados. Temer, então, precisa de 172 votos para evitar a degola.
Missão inglória, em tese, para um governo que possui a maior rejeição popular dos últimos tempos, comandado por um ex-vice-presidente que assumiu após um processo de impeachment (ou seja, não foi eleito diretamente pela população, mas como integrante de uma chapa eleitoral) e está envolvido em denúncias de corrupção que destacam negativamente o país no cenário internacional. Mas é o mesmo Congresso que tirou Dilma e o colocou lá.
“Temos que ter calma. Nem vamos votar pelo presidente de forma assoberbada, sem estudar os termos exatos da denúncia, nem vamos votar contra o pedido da PGR açodadamente”, disse há pouco o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Somos da base aliada, mas vamos votar com nossa consciência”, acrescentou o líder do DEM, Efraim Júnior (PB), mostrando bem o ambiente de dúvida entre as bancadas.
Tirando o PMDB, que por ser o partido do presidente, ainda dá sustentação ao governo, embora com algumas exceções, outras siglas da base aliada, como o PSDB, PTB e PR demonstraram, desde o estopim das gravações de Temer com Joesley até hoje, estarem rachados em relação ao posicionamento a ser tomado pelas suas bancadas.
De duas articulações que estão sendo costuradas há dias, no aguardo dessa formalização, a primeira já começou a ser posta em prática. Trata-se da troca de cadeiras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a primeira comissão da Casa que vai apreciar o pedido da PGR contra o presidente. Um dos deputados integrantes do colegiado, o Major Olímpio (SD-SP), que tem feito críticas ao governo, foi substituído poucas horas atrás pelo líder do partido, Aureo Ribeiro (SD-RJ), como forma de garantir o voto do Solidariedade a favor do governo.
A segunda estratégia em curso é a promessa de substituições e trocas de cargos indicados pelos parlamentares, no jogo de “toma lá, dá cá” de sempre. Os oposicionistas contam com a aprovação da denúncia. Para o líder do PT, Carlos Zarattini (SP), os fatos são gravíssimos, o pedido do PGR é único na história do país e, por todos estes motivos, a oposição demonstra otimismo em aprova-la. Zarattini lembrou a força do clamor popular, que tem se manifestado no sentido de pedir pela abertura de processo contra o presidente.
Com a formalização da denúncia no STF, o tribunal tem que encaminhar formalmente o documento para a Câmara dos Deputados, que iniciará a tramitação e votação da matéria. Aprovada pela Câmara, a denúncia retorna para a suprema corte. A partir daí, caberá aos ministros do tribunal decidirem se a aceitam. Caso aceitem tal denúncia, será aberto o processo. Será nesta fase em que Temer se tornará, de fato, réu em uma ação penal. E no caso de isto acontecer, ele terá de ser afastado do cargo por um período de 180 dias para julgamento do processo.
Caso seja inocentado, Temer poderá retomar o mandato. Caso seja condenado, terá de cumprir a pena estabelecida e não retornará mais ao cargo. Pouquíssimas autoridades e magistrados do país acreditam que, se o processo for acolhido, o presidente da República volte a sentar na mesma cadeira em que ainda se encontra.