Escrito por: Leonardo Wexell Severo, de Assunção
“Juízes têm a intenção de condenar inocentes”, denuncia Ricardo Canese
O deputado Ricardo Canese, representante paraguaio no Parlamento do Mercosul (Parlasul) pela Frente Guazú, denunciou nesta terça-feira, em Assunção, a “parcialidade manifestada pelos juízes e promotores no julgamento dos camponeses de Curuguaty”. “É muito clara a intenção de condenar inocentes, mas isso se choca com a realidade. O testemunho do médico forense que analisou os cadáveres foi taxativo ao dizer que os policiais mortos foram abatidos com armas de grosso calibre, com as quais os camponeses nunca contaram”, frisou.
Na avaliação do parlamentar, as testemunhas tornaram a data amplamente favorável ao pleno restabelecimento da justiça e da verdade. Os sem-terra foram acusados de terem emboscado em 15 de junho de 2012, com 60 pessoas - metade delas mulheres, crianças e idosos - a 324 policiais munidos de helicóptero, fuzis de repetição, bombas, escudos e cavalos. Uma semana depois, responsabilizado pelo massacre, o presidente Fernando Lugo foi deposto. Até hoje os camponeses continuam privados de liberdade, ao mesmo tempo em que não há um único agressor no banco dos réus.
À medida que os depoimentos vão sendo recolhidos, o quebra-cabeça vai se encaixando, demonstrando que Lugo foi vítima, assim como os camponeses, de uma sangrenta armação. “Houve a ação de franco-atiradores para forçar uma confrontação, que obteve êxito. Morreram 17 pessoas, seis policiais e 11 sem-terra. Podem ter sido contratados pelos latifundiários, pelos golpistas ou por ambos”, destacou Canese, admitindo a possibilidade da ingerência direta da CIA. “Foi uma nítida tentativa de desestabilização que derrubou um governo progressista para abrir caminho à restauração neoliberal”, sustenta.
Neste momento, avalia o parlamentar paraguaio, ”a solidariedade internacional é chave para dar visibilidade a um julgamento em que se pretende condenar sem provas ao mesmo tempo em que se tenta esconder o que é desfavorável à tese da acusação”. Para Canese, há uma “ingerência evidente” dos poderes públicos do país, num jogo de cartas marcadas. “Há intromissão do legislativo, que exigiu a averiguação das terras de Marina Kue, em Curuguaty, no mês de janeiro de 2012; do judiciário, da promotoria, que quer condenar os camponeses sem qualquer prova – sem que tenha investigado em nenhum momento as graves denúncias de execuções sumárias de camponeses – e, agora, abertamente do governo, quando o senhor [presidente] Horacio Cartes nomeia o promotor do caso, Jalil Rachid, vice-ministro da Segurança”, acrescentou. Segundo o parlamentar, nada é mais descarado do que “nomear alguém tão identificado e comprometido com a acusação para ser o chefe dos policiais que vão depor no caso”. “Este caso é praticamente uma obra de Rachid. Então é mais do que evidente a ingerência dos poderes públicos que, em sua grande maioria e com raras exceções, respondem ao interesse do latifúndio, a esta estrutura que não quer a reforma agrária, que não quer que os camponeses reclamem terra, ainda mais num caso tão evidente como este em que estamos falando de terras públicas”. Infelizmente, recordou o parlamentar, “a justiça paraguaia é a mão forte e elástica do latifúndio, dos setores oligárquicos, de uma plutocracia que mantém o país afastado da democracia”.
Alertando para a forte participação estrangeira no golpe contra Lugo, o parlamentar lembra que há uma “aliança estratégica entre o latifúndio, com sua produção de soja e carne – os dois principais produtos de exportação do país - e as transnacionais de grãos e produtos para a soja, como a Monsanto, de sementes geneticamente modificadas, fertilizantes e pesticidas”. “São gente que busca frear a reforma agrária, a democratização da terra e manter a qualquer custo este modelo agroexportador, acentuando ainda mais a concentração de renda que tanto dano causa ao Paraguai e, particularmente, à população camponesa”, sublinhou.
“Neste momento precisamos somar forças e denunciar estas irregularidades amplamente. Necessitamos fazer com que sejam julgados e presos os assassinos dos camponeses – que ainda sequer foram investigados – e que os sem-terra sejam libertados imediatamente, já que não há uma única prova contra eles. Precisa haver uma investigação sobre quem manejava as armas de grosso calibre, dar nome aos que causaram a morte dos policiais”, concluiu Canese.