Escrito por: Igor Carvalho, Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Deputado Sargento Neri pode ser cassado após "confessar assassinatos” na Alesp

Movimento negro protocola denúncia na Alesp, SSP e MP. Bancada do PSOL pode pedir CPI para investigar as declarações

Arquivo Pessoal

Na manhã desta terça-feira (2), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras e Negros (Uneafro) protocolou denúncia contra o deputado estadual Sargento Neri (Avante) na Assembleia Legislativa (Alesp), no Ministério Público do Estado de São Paulo, na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) e no gabinete do governador do estado, João Doria (PSDB), pedindo a cassação do parlamentar e a investigação sobre crimes que ele teria “confessado”. De acordo com o documento, o policial da reserva teria ferido o decoro parlamentar ao incitar, publicamente, a prática de crime.

Para a denúncia, a Uneafro utilizou a matéria do Brasil de Fato da última segunda-feira (1), que mostra um vídeo da reunião da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários do dia 25 de junho, quando Neri pediu que a Polícia Militar organizasse operações para executar dez pessoas após o assassinato de algum agente da corporação.

“É uma vergonha nós perdermos três policiais, um garoto alvejado na cabeça, e não fazermos uma operação para matar dez. A resposta por um policial morto são dez ladrões mortos. É o mínimo. Da Polícia Militar que eu venho, nós não entregávamos uma viatura para a outra equipe enquanto não se pegasse o ladrão. Nós não faríamos o velório do policial enquanto não estivesse no necrotério o corpo do ladrão. Isso é fato, isso é guerra”, afirmou o deputado, diante de seus pares na Alesp.

Em seguida, Neri criticou o comando das polícias em São Paulo. “Eu dei aula para formação de soldados por quase 12 anos. Quando eu comecei a perder meus alunos, eu parei de dar aulas. Eu não formei aluno para morrer, eu formei aluno para matar e sobreviver. Hoje, o que nós temos é um comandamento (sic) fraco e um secretário de segurança fraco, nós precisamos de homens na Polícia Militar, Polícia Civil e secretaria que entendam de segurança pública.”

Para a Uneafro, o deputado “confessa crimes que ele próprio e sua corporação cometeram no momento da atribuição de suas funções policiais; Confessa, com suas declarações, que orientou seus formandos à prática sistemática da vingança e de execuções sumárias extrajudiciais e mais que isso, deixa a entender que ele próprio, em suas mais de duas décadas de trabalho como agente do estado, também promoveu execuções sumárias extrajudiciais.”

A entidade afirma que Neri quebrou o decoro parlamentar e incidiu no crime de incitação à violência. Por conta disso, a Uneafro requer um posicionamento imediato da SSP; o levantamento das ocorrências cometidas pelo deputado quando era policial, bem como a investigação de “possíveis homicídios”; um posicionamento de Doria sobre a formação dos policiais da corporação e sobre a afirmação de que a PM pratica “execuções sumárias extrajudiciais”; a instalação de processo disciplinar na Comissão de Ética da Alesp para a cassação do mandato de Neri; e a retratação pública do deputado.

Para Douglas Belchior, fundador da Uneafro, as declarações de Neri são “absurdas”. Ele “confessou em público ser assassino, mas não como legítima defesa, mas como uma prática sistemática de vingança e de execução sumária extrajudicial, o que é um absurdo”, afirma o educador, que pede a cassação do deputado e relaciona suas declarações com o atual cenário político do país. “É sinal dos tempos que vivemos, parlamentares confessam crimes sem nenhum constrangimento. O que ele diz ali, estimula os maus policiais, que agem fora da lei em nome do estado.”

Por fim, Belchior pergunta. “Quantas pessoas esse parlamentar matou? Quantas pessoas foram mortas através do estímulo que esse parlamentar provocou em seus formandos? Quantos desses homicídios foram investigados?”

Para o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), o deputado cometeu crimes em suas declarações. “Ele (Neri) incita à prática de assassinatos e ao extermínio de pessoas, insuflando policiais a saírem matando. Ele incentiva a violência policial que tem gerado mortes de muitos inocentes, já que os PMs matam pessoas que eles consideram suspeitas, mas que em muitos casos são inocentes. Todos nós, principalmente os parlamentares, devemos defender o cumprimento das leis. A legislação brasileira não prevê pena de morte, execuções e extermínios.”

Castro Alves afirma que as declarações de Neri podem ter um aspecto “positivo”. “Ele publiciza os discursos que são comuns nos quartéis entre comandantes e comandados”, explica o advogado, que concorda com o pedido de cassação elaborado pela Uneafro, “Mas essa possibilidade é remota por conta da imunidade parlamentar e do corporativismo”, finaliza.

Investigação parlamentar

Na Alesp, o PSOL se articula para apurar as declarações de Neri. “O que ele está falando é reflexo de algo histórico que acontece na Polícia Militar, essas denúncias são velhas, ele apenas tem a coragem de explicitar isso. Temos que investigar isso e pedir não somente uma CPI em relação a ele, mas sobre a Polícia Militar, pedindo o histórico. Eu vou conversar com a bancada do partido, vamos nos reunir para tomar uma atitude”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL). “Se ele participou disso, e ele afirma que participou, tem que pagar. É algo, inclusive, que é mais grave do que a perda do mandato, é um processo criminal”, finaliza.

Para Emídio Souza (PT), as declarações “mostram bem o nível de debate sobre Segurança Pública aqui nesta Casa (Alesp). É um nível muito aquém do que a população de São Paulo precisa e que o mundo civilizado precisa. O que ele está propondo aqui é a velha prática medieval do olho por olho, dentro por dente”, explica o deputado petista, que integra a Comissão de Ética da Alesp e, por isso, prefere não opinar sobre uma possível tramitação do processo de cassação.

O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria do deputado Sargento Neri, que preferiu não se manifestar.