Escrito por: Rosely Rocha e Marize Muniz
No plenário, parlamentares discursam sobre importância de aprovar a reforma da Previdência que tira direitos dos trabalhadores. Nos bastidores, articulam para manter seus privilégios
Enquanto fazem discursos afirmando que é preciso aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019 do governo de Jair Bolsonaro (PSL), que dificulta a concessão da aposentadoria e reduz o valor dos benefícios prejudicando milhões de trabalhadores e trabalhadoras, deputados brigam para manter seus privilégios.
O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, diz que mais de 300 dos 513 deputados federais vão votar a favor da reforma. Um total de 174 está absolutamente tranquilo quanto ao futuro. Vão se aposentar mais cedo com benefício integral de R$ 33 mil por mês. O restante, briga nos bastidores para manter privilégios.
Para entender o assunto é preciso compreender que a última alteração nas regras para aposentadoria dos deputados federais e dos senadores, feita em 1997, extinguiu o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) e instituiu o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC), Lei 9.506/97, que exige 35 anos de contribuição e 60 anos de idade para concessão de aposentadorias de homens e mulheres.
A lei prevê aposentadoria proporcional ao tempo de mandato – o cálculo é de 1/35 (um trinta e cinco avos), ou R$ 948,00 por ano de mandato. Com quatro anos de mandato, o deputado recebe 4/35 avos, ou R$ 3,8 mil de benefício. Por esse modelo, é possível receber uma aposentadoria no valor integral do salário de um deputado federal ou senador, que supera R$ 33 mil com 60 anos de idade e 35 de contribuição. A adesão ao plano é opcional.
A reforma da Previdência prevê que, quem aderir ao PSSC até 2019 terá de se submeter a uma regra de transição que prevê aposentadoria dos homens aos 65 anos e mulheres aos 62 anos mais pedágio de 30% do tempo de contribuição.
A partir de 2022, todos os parlamentares eleitos só terão direito de se aposentar pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com teto de R$ 5,8 mil.
O lobby dos deputados para ficar fora da reforma
Os deputados estão fazendo um enorme lobby para manter não acabar o PSSC, pela manutenção da idade mínima de 60 anos para eles se aposentarem sem pagamento de pedágio de 30% do tempo de contriubição.
Se a reforma for aprovada, os atuais deputados ainda tem seis meses para decidir se continuam no PSSC ou mudam para o RGPS.
Caso optem pelo Regime Geral, eles receberão o que contribuiram no PSSC. Pelas contas do Portal CUT, em um único mandato de quatro anos, o parlamentar receberia de volta algo em torno de R$ 174 mil, se calcularmos 11% descontados ao mês de um salário de R$ 33 mil.
“Dificilmente um parlamentar optará por receber o dinheiro de volta porque cada mês que ele pagou durante um ano representa, no mínimo, um salário mínimo de aposentadoria vitalícia”, avalia Antonio Queiroz, diretor licenciado de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que vem acompanhando presencialmente os debates sobre a reforma na Câmara dos Deputados.
Em resumo, os deputados que podem aprovar a reforma da Previdência se sentem no direito de receber aposentadorias três ou quatro vezes mais altas do que a que recebem 23 milhões de trabalhadores que ganham um salário mínimo de benefício.
Atualmente, 499 ex-deputados federais ganham juntos R$ 7,18 milhões mensais em aposentadorias, uma média de R$ 14,39 mil por beneficiário – quase três vezes o teto do INSS, hoje em R$ 5,8 mil, segundo uma reportagem do Congresso em Foco, com dados extraídos da folha de pagamento da Câmara, referente a fevereiro deste ano. Entre eles, apenas sete (1,4%) recebem abaixo do teto do INSS. Um grupo maior, formado por 17 beneficiários, tem direito a mais de R$ 33 mil por mês, valor pago aos parlamentares no exercício do mandato. Os dados não consideram os valores repassados àqueles que se aposentaram pelo Senado.
Lobby dos parlamentares é ao “pé do ouvido”
Segundo Antonio Queiroz, o lobby dos parlamentares têm sido “ao pé do ouvido” do relator da PEC, Samuel Moreira (PSDB-SP), porque ninguém quer se indispor com a opinião pública.
Ainda de acordo com o diretor do DIAP, outra regra na PEC da reforma da Previdência que os parlamentares querem mudar é a regra de transição que aumenta em 30% o tempo que eles teriam de trabalhar para terem direito à aposentadoria, como é o caso de quem falta apenas dois anos para ter direito ao benefício.
“Os parlamentares querem uma regra mais favorável para a aposentadoria deles para fugirem da obrigação dos 65 anos”, conta Queiroz.
Pressão popular é a saída para impedir reforma
Para o ex-ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, o lobby dos parlamentares para fugirem da reforma é uma vergonha, é tirar um “sarro” da cara do trabalhador.
“A regra tem de ser igual para todos. Receber quase o teto do INSS com quatro anos de mandato é um absurdo”, critica Gabas.
Para ele, só uma pressão popular impedirá a aprovação dessa reforma nefasta da Previdência.
“Temos de fazer pressão em cima do relator. Ir até a casa dele, nos seus redutos, nos aeroportos. A sociedade organizada tem de mobilizar”, diz o ex-ministro.
Reforma só prejudica trabalhador
A PEC de Bolsonaro endurece as regras de aposentadoria, especialmente para os contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que trata dos benefícios dos trabalhadores da iniciativa privada. Pela proposta, Bolsonaro aumenta de 15 para 20 anos ao tempo mínimo de contribuição, acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição, institui a obrigatoriedade da idade mínima de 65 anos (homens) e 60 (mulheres) e muda o cálculo do valor do benefício.
Hoje, o valor do benefício é de 85% das suas melhores contribuições. Se a PEC for aprovada, o cálculo será com base em todas as contribuições, o que vai reduzir o valor do benefício recebido pelos aposentados.
É esse remédio amargo que nenhum parlamentar quer tomar, apesar do discurso de que a reforma é boa para o país.