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Desemprego e violência levam calamidade ao Nordeste

Crise econômica e corte de investimentos, mais que de benefícios sociais, afetam a região com intensidade redobrada

Publicado: 28 Agosto, 2018 - 15h13

Escrito por: Carlos Drummond, Carta Capital

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Os males da recessão e da austeridade da política econômica do governo federal foram agravados no Nordeste pela intensificação da seca em 2015 e 2016 e a população agora sofre com um desemprego de 17% nas grandes cidades, muito acima da elevada média nacional, em torno de 13%.

A causa principal da crise devastadora do mercado de trabalho, acompanhada de aumento da miséria e explosão de violência inédita, não é, entretanto, o corte de recursos dos programas sociais, conforme apontam explicações mal informadas e com frequência preconceituosas, mas o quase estancamento dos investimentos na expansão da capacidade produtiva e, por consequência, do emprego, que compõe a maior parte do total acumulado de 853,5 bilhões de reais em recursos de política pública destinados aos estados nordestinos entre 2000 e 2015, dos quais 209,2 bilhões, ou 24,5% daquela soma, endereçados aos programas Bolsa Família e Benefícios de Prestação Continuada.

A forte contração de todos os aportes para a região gerou uma situação semelhante à do período da crise da dívida externa nos anos 1980, piorada em muito durante os governos de FHC, marcados por valorização do real, juros elevados, privatizações em massa, baixo crescimento e desmonte da capacidade estatal de atuação no planejamento do desenvolvimento regional. Estas são algumas das conclusões de especialistas em relação ao tema ouvidos por CartaCapital, relatadas a seguir.

Após uma década de redução dos desequilíbrios regionais, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE mostra no primeiro trimestre deste ano, em relação à população ocupada, uma diminuição de 1,7 milhão de pessoas no Nordeste e de 1,4 milhão no restante do Brasil, correspondentes a variações negativas de 7,6% nos estados nordestinos e de 1,6% nas demais unidades da federação.

O desastre ocupacional na região, detalha o economista Felipe Macedo de Holanda, presidente do Instituto de Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, resultou na expulsão do mercado de trabalho de 933 mil empregados com carteira assinada e de 662 mil trabalhadores por conta própria.

No primeiro caso, destacam-se os declínios de 19,8% no contingente de empregados com carteira assinada em Pernambuco, 247 mil pessoas no total, e de 16,7% na Bahia, perfazendo neste caso 306 mil indivíduos. “O esfacelamento dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento no setor de óleo e gás e as agruras enfrentadas pela indústria de transformação explicam muito da destruição de ocupações urbanas, inclusive nos estados de Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte”, dispara Holanda.

Acrescente-se o fato grave de que, do total de 2,09 milhões de extremamente pobres surgidos entre 2015 e 2017 no País, 1,51 milhão, ou 72,3%, estão no Nordeste. São considerados extremamente pobres aqueles que vivem com menos de 5,89 reais por dia, o equivalente a 1,90 dólar à taxa de câmbio média de 2017. Holanda acredita que talvez seja necessário adotar medidas de política keynesiana tradicional, como frentes de trabalho de obras contra a seca, para lidar com o desemprego e a redução das transferências federais.

Alguns sinais indicam o risco de se chegar a esse ponto: “Há colapso das finanças na ampla maioria dos municípios, especialmente no Semiárido e no Maranhão. Prevê-se nova crise hídrica, o que, num contexto de queda abrupta dos gastos federais, elevará na região a mortalidade infantil, a violência e o consumo de crack, em uma escalada que deve atingir também municípios médios e provocar crise no sistema prisional, entre outros sintomas do agravamento da questão social”, acrescenta o economista.

“O desemprego médio no Brasil está hoje em torno de 13%, enquanto nas áreas metropolitanas do Nordeste é de 17% e no interior da região oscila em torno de 14% e 15%”, aponta a economista e consultora Tania Bacelar de Araújo, professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco e ex-diretora da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

O mercado de trabalho nordestino, diz, historicamente é mais difícil do que nas regiões mais dinâmicas do Brasil. “Nós temos 28% da população e 14% da economia nacional. Isso gera uma dificuldade estrutural de encontrar oportunidades de inserção na vida produtiva. É uma marca antiga, que deu uma melhorada, mas não mudou em profundidade. Recife e Salvador sempre lideravam as taxas de desemprego no País e isso continua acontecendo.”

O mercado formal, prossegue, que vinha muito bem durante o ciclo de investimentos que a região viveu nos anos dos governos Lula e Dilma, mostra também uma dificuldade maior que a do Brasil. Parte do boom positivo decorria de investimentos tanto industriais quanto em infraestrutura, a exemplo de aeroportos que se modernizaram, da Transnordestina e da transposição do Rio São Francisco, um conjunto de obras que geraram muitos empregos, principalmente na construção civil.

A crise atingiu com força a construção civil e a região paga um custo humano muito alto, sobretudo no Nordeste Oriental (Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará). No setor de petróleo e gás, há sérios problemas. A refinaria de Pernambuco não foi completada, as duas outras previstas para o Maranhão e o Ceará foram canceladas. A refinaria e as plantas a ela associadas da petroquímica em Suape serão desestatizadas. “Está tudo à venda. Aliás, o Brasil está à venda, infelizmente”, lamenta a economista.

A redução drástica do volume significativo de recursos de políticas públicas destinados ao Nordeste entre 2000 e 2015 é a principal explicação para o desastre econômico e social que se agrava dia após dia. O aporte total acumulado no período foi de 853,5 bilhões de reais, computa Aristides Monteiro Neto, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) especialista em desenvolvimento econômico, economia regional e políticas públicas.

Desse montante apenas 25% são, entretanto, transferências do Programa Bolsa Família e dos Benefícios de Prestação Continuada, estes ligados à previdência rural, às aposentadorias e ao apoio a deficientes. Os dois programas sociais receberam 209,2 bilhões de reais. O principal instrumento de política regional explícita, diz, é o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), gerido pelo Banco do Nordeste (BNB), que totalizou 156 bilhões.

Somando-se 435 bilhões do BNDES, que não é regional mas cumpriu um papel importante, têm-se uma capacidade muito grande de financiamento da atividade produtiva, em geral de empreendimentos privados, embora o banco nacional de desenvolvimento financie também projetos públicos de infraestrutura como a refinaria em Pernambuco, chama atenção Monteiro Neto.

“Isso põe por terra a tese – e nisso eu sempre falo – de que o governo cuidou, no Nordeste e no restante do Brasil, apenas de transferir renda para as pessoas, fez só política social. Ele fez, mas procurou também transformar o parque produtivo. Se conseguiu fazer isso é outra discussão, mas colocou à disposição recursos nesse montante”, sublinha Monteiro Neto. Dados recentes, prossegue o economista, mostram que o investimento público do governo federal acumulado na região totalizou, de 2000 a 2015, 209 bilhões de reais, valor igual ao dos dois programas sociais mais importantes somados.

A ação do governo atual vai na direção oposta à do período de 2000 a 2015 e busca promover, por exemplo, uma “limpeza” no cadastro da política social e cortes tanto no Bolsa Família quanto nos Benefícios de Prestação Continuada, fontes de recursos importantes para o Nordeste. Caíram também os recursos do BNDES e do BNB, menos porque a fonte dos financiamentos diminuiu e mais por causa da queda da demanda por empréstimos. “Há um quadro grave em que os elementos alimentadores da dinâmica regional desfalecem”, analisa Monteiro Neto.

Revelador da aguda regressão social e econômica é o predomínio das cidades do Nordeste entre as 50 mais violentas do mundo, segundo a organização civil mexicana Segurança, Justiça e Paz. Natal (em 4º lugar no mundo, com 102,5 homicídios por 100 mil habitantes), Fortaleza, Vitória da Conquista (BA), Maceió, Aracaju, Feira de Santana, Recife, Salvador, João Pessoa, Campina Grande (PB) e Teresina somam 11 das 17 brasileiras incluídas entre as de maior violência no planeta, de acordo com a pesquisa.

O grupo brasileiro é o mais numeroso na amostra. Outro indicador da gravidade da situação é o aumento da desocupação armada de residências em Fortaleza por grupos criminosos rivais. Segundo a Defensoria Pública do Ceará, desde junho do ano passado 133 famílias informaram terem sido expulsas das suas casas por facções que dominam a periferia de Fortaleza.

Os expulsos são líderes comunitários que atrapalham a tomada de poder local pelos criminosos ou pessoas ligadas a moradores de bairros dominados por facções inimigas e por isso consideradas potenciais informantes, relatam os jornais.