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Desigualdade racial e violência contra negros são herança do período da escravidão

Dados do IBGE mostram que mais de cem anos após da abolição população negra ainda enfrenta mazelas históricas. Casos como o do negro morto no Carrefour de Porto Alegre mostram desprezo pelas vidas negras no paí

Publicado: 20 Novembro, 2020 - 13h25 | Última modificação: 20 Novembro, 2020 - 14h21

Escrito por: André Accarini

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O enfrentamento às profundas desigualdades raciais e à violência contra os negros, mortos em sua maioria por serem negros, como é o caso de João Alberto Silveira Freitas, assassinado nesta quinta-feira (19), no estacionamento do Carrefour, em Porto Alegre (RS), marcam as principais discussões e lutas dos movimentos negros para a construção de uma sociedade mais justa para todos, humana e solidária, em especial, nas celebrações do Mês da Consciência Negra. 

“Novembro, mês em que se celebra a consciência e valorização negra no país, deve ser de reflexão e de discussões sobre a importância e valorização das vidas negras e da efetivação de políticas públicas num Brasil com a maior população negra das Américas”, afirma Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT. 

“Vidas negras importam e não podemos naturalizar mortes como a que aconteceu ontem em Porto Alegre, que não foi a primeira nem será a última em um país onde o racismo está enraizado nas estruturas do estado”, completa a secretária, ressaltando que entre os agressores de João Alberto estava um policial.  

Dados do Atlas da Violência 2020, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que a violência, em especial a violência policial, é maior contra a população negra.

O estudo mostra que os jovens negros são as principais vítimas de homicídios no país e que as taxas de mortes de negros apresentam crescimento acentuado ao longo dos anos.

Em 2018, 75,7% das vítimas de homicídios eram negras (soma de pretos e pardos), uma taxa de homicídios de 37,8 a cada 100 mil habitantes. Entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa naquele ano foi de 13,9 a cada 100 mil habitantes. 

A desigualdade, portanto, é o problema principal a ser enfrentado no país.

De acordo com a última pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2019, a renda média de trabalhadores brancos foi 73,9% superior à da população preta ou parda em 2018.

Naquele ano, os pretos e pardos representaram 64,2% da população sem emprego no país. Hoje, com o desemprego batendo recordes, são as famílias negras que mais vem sofrendo. 

“Os dados comprovam que a população afro-brasileira continua a enfrentar as mazelas sociais históricas mesmo depois de mais de cem anos da abolição da escravatura e é preciso o reconhecimento dessas contradições, principalmente quando se refere à mulher negra”, diz Carmen Foro. 

Segundo a mesma pesquisa do IBGE, em 2018, a renda média das mulheres pretas ou pardas equivalia a 58,6% a de uma mulher branca. Na comparação com os homens brancos, a disparidade é muito maior: a renda destes foi mais do que o dobro da recebida por elas.

Em suas obras, a professora e antropóloga Lélia Gonzalez, pioneira em analisar desigualdades com base em raça, gênero e classe social, constata que as mulheres negras sofrem tríplice discriminação, ou seja, pela raça, classe e sexo.

 

Luta antirracista

“Temos feito ações de resistência ao longo do tempo como alicerce para promover o fortalecimento do movimento negro e, assim, criar condições de reparação nesse cenário de desigualdades nas relações étnico-raciais”, diz Carmen Foro. 

Ela explica que o empenho é ocupar espaços e ter representatividade no Brasil e garantir o direito da população negra e de antirracistas de terem sua própria narrativa. 

“O povo negro tem direito à sua diversidade, multiplicidade, sua cultura herdada dos ancestrais e a cultura baseada nas experiências atuais”, diz Carmen Foro.

 

Racismo estrutural

O doutor e filósofo do Direito, Sílvio Almeida, em seu livro “O que é racismo estrutural?”, destaca e elucida questões sobre as dificuldades históricas e contemporâneas da população negra frente à discriminação racial presente em todas as estruturas da sociedade.

Ele diz que “o racismo não é um ato ou um conjunto de atos e tampouco se resume a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é, sobretudo, um processo histórico e político em que as condições de subalternidade ou de privilégio de sujeitos racializados é estruturalmente reproduzida”.

 

Negro no poder

Parte fundamental da luta contra o racismo é aumentar a representatividade nos espaços de poder. Carmen lembra que a definição das eleições municipais deste ano, o segundo turno em várias cidades, se aproxima e a escolha de representantes é o caminho para a sociedade conquistar uma “democracia racial verdadeira”. 

“Mais uma vez somos chamados a decidir o futuro que queremos. E um futuro melhor só é possível com uma maior participação de negros e negras na política. Mais de 50% dos brasileiros se declaram negros, mas nem 20% dos cargos políticos são ocupados pela população negra. Precisamos mudar isso”, diz a Secretária-Geral da CUT.

 

As mulheres negras e homens negros seguem na luta por uma nova construção de conscientização e de participação justa no mercado de trabalho, da cultura e na política do país, seguem em luta pela liberdade e direitos humanos que vão além dos festejos da lei Áurea que apenas declarou abolida a escravidão no Brasil
- Carmen Foro

 

Leia mais: Racismo estrutural segrega negros no mercado de trabalho

 

Violência no Carrefour

João Alberto Silveira Freitas, o Beto, homem negro de 40 anos, foi espancado até a morte por dois seguranças de uma loja do Carrefour na zona norte de Porto Alegre na noite desta quinta-feira (19).

O crime brutal foi filmado e as cenas circulam nas redes sociais. Os dois assassinos estão presos. Um deles é policial e foi levado para um presídio militar. O outro, funcionário de uma empresa de segurança contratada pelo Carrefour, foi detido pela Polícia Civil. A investigação trata o crime como homicídio qualificado.

Nas redes sociais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte do homem negro em Porto Alegre

“Amanhecemos transtornados com as cenas brutais de agressão contra João Alberto Freitas, um homem negro, espancado até a morte no Carrefour. O racismo é a origem de todos os abismos desse país. É urgente interrompermos esse ciclo”, disse Lula.

 

 

A ex-presidenta Dilma Rousseff também se manifestou sobre o caso em seu Twitter:

O assassinato do jovem negro João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, é revoltante e mostra a persistência da violência escravocrata no Brasil.

A história de nosso país está manchada por 350 anos de escravidão e mais 170 anos de violência racista, exclusão da cidadania e desigualdade profunda impostas à maioritária população de negras e negros. O Dia da Consciência Negra é, assim, dia de luto e de luta.

Só haverá paz e democracia plena quando o racismo estrutural para enfrentado, punido e destruído e a sociedade aprender que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista e lutar contra todas as formas desta discriminação. # 20DeNovembroDiadeLutoedeLuta #VivaZumbieDandara