Escrito por: Caroline Oliveira - Brasil de Fato
Diferente do agronegócio, paradigma agroecológico produz alimentos em consonância com a sociobiodiversidade
O Dia do Cerrado é celebrado neste 11 de setembro, mas pouco há para comemorar. O bioma, conhecido como “berço das águas” no Brasil, é um dos mais atingidos pelo desmatamento, devido à expansão da pecuária e das monoculturas de soja e milho, duas das principais commodities de exportação da economia brasileira.
O resultado desse processo, que conta com incentivos à pecuária desde o período da ditadura militar, é que o cerrado mudou como nenhum outro bioma: foi cortado pela metade. Mais recentemente, esse padrão de incentivos "ao boi" é sustentado pelo Plano de Desenvolvimento Agrícola (PDA), mais conhecido como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
O mais honesto com a realidade é comemorar os trabalhos agroecológicos, que servem como ferramenta para a defesa e restauração do cerrado. Segundo Mayk Arruda, assessor da Central do Cerrado, a Agroecologia segue a mão contrária ao agronegócio ao afirmar um modo de “coexistir com toda a biodiversidade”.
Isso significa uma interação entre ser humano e ambiente pelas vias sustentáveis de produção, além do respeito aos saberes tradicionais camponês, indígena e quilombola, por exemplo. Assim, a Agroecologia não é somente um conceito, mas uma filosofia de vida”.
“A conservação da nossa sociobiodiversidade é resultado de uso respeitoso e consciente de algo que não pense meramente no ganho econômico. É claro que a gente luta pela melhoria de qualidade de vida das famílias, no contexto de ter acesso a bens de consumo, mas a conservação dessa natureza não é a finalidade, é resultado da prática e do modo de vida dessas comunidades tradicionais”, afirma Arruda.
A Agroecologia não é capaz somente de conservar o cerrado, mas também de restaurá-lo. É possível restaurar as paisagens, os cursos da água e a interação entre fauna e flora. Mas falta uma consolidação de políticas agroecológicas no Brasil, possibilitando créditos, regularização fundiária e outros tipos de incentivos nessa perspectiva. Para Arruda, no entanto, este é um cenário longínquo. O agronegócio no Brasil “se tornou pauta e se fez pauta. Existe um sistema econômico de base governamental que sustenta com erário público o agronegócio, que não funciona sem os subsídios, sem as sua subvenções”, afirma o representante da Central do Cerrado.
No final de 2018, o ex-presidente Michel Temer soltou um decreto que possibilitou a extinção gradual de descontos na conta de luz de produtores rurais, o que custa R$ 3,4 bilhões por ano. Por outro lado, para as iniciativas que preservam o cerrado, poucas medidas são tomadas. Arruda explica que em determinados estados do Brasil, animais bovinos são vendidos sob uma taxa de 3% de ICMS, enquanto uma quebradeira de coco babaçu vende seu produto pagando 18%.
Em outros termos, o agronegócio não só recebe facilidades para se concretizar em solo brasileiro, mas como é uma estratégia de governo para que o País continue, cada vez mais, a ser um exportador de commodities. Assim, o governo não só deixa de lado, mas trata como “insignificante” todo trabalho agroecológico, na opinião de Arruda.
“Quando a gente vê o ministro do meio ambiente tomando alguns posicionamentos, falando questões como vieram a público a gente entende que a pauta prioritária não é de forma alguma a conservação, muito menos a sustentabilidade das pessoas que vivem das florestas, do cerrado, da caatinga, dos pampas”, afirma Arruda. Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente afirmou que o governo deve “passar a boiada” em uma referência às políticas de incentivo ao agronegócio sobre os biomas brasileiros.
“A gente é contra esse modo de produção, porque não só destrói o meio ambiente em si, mas destrói as pessoas, as oportunidades futuras, as milhares de coisas são perdidas anualmente em termos de diversidade, patrimônios genéticos da nossa biodiversidade”, conclui Arruda.
Práticas agroecológicas
Entre o cerrado e a amazônia, a região do Bico do Papagaio, do extremo norte do Tocantins, abriga uma quantidade generosa de quebradeiras de cocos babaçu. Uma delas é Maria Ednalva Ribeiro da Silva, de 56 anos, integrante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Do alimento, cerca de 500 mulheres da região produzem azeite, leite, farinha, carvão e até mesmo sabão.
Infelizmente, todo esse trabalho está constantemente ameaçado pela expansão do agronegócio. Silva afirma que sente o impacto das grandes queimadas na região promovidas por fazendeiros e luta diariamente pela conservação da floresta. “Às vezes um pequeno agricultor bota fogo em uma roça, mas ele faz o manejo, queima de tardezinha pra não ter estrago nenhum, enquanto os grandes agricultores, que nós chamamos de fazendeiros, tocam fogo qualquer hora, não estão preocupados com a preservação”, explica a quebradeira de coco.
Diferentemente, dentro de suas terras, os pequenos produtores, como Silva, deixam áreas reservadas para preservação da fauna e flora locais.
“A gente trabalha muito nessa questão da preservação do meio ambiente, sobre a questão da agricultura familiar, tentando a diversidade, preservar o meio ambiente como um todo, não tocar fogo em tudo, fazer um manejo nas pequenas roças, preservar o cerrado que ainda existe”, afirma Silva.
No Assentamento Dom Fernando Gomes dos Santos, localizado no município de Itaberaí, região noroeste de Goiás, o trabalho de preservação do meio ambiente também é levado à risca. No local, cerca de 60 famílias produzem e consomem em equilíbrio com os limites do território. Simone Nunes da Silva Rodrigues, de 48 anos, presidenta do Grupo de Mulheres do Assentamento Dom Fernando, é apicultora e avicultora, produzindo mel e aves, respectivamente. Ela explica que, no assentamento, a produção se dá com menos veneno possível, utilizando produtos naturais em contraposição ao uso em larga escala de agrotóxicos pelo agronegócio.
Esses são apenas dois exemplos de como é possível produzir alimentos de qualidade sem destruir a natureza. Como afirmou Mayk Arruda, “a agroecologia não é somente um conceito, mas uma filosofia de vida”.