Escrito por: CUT-RS
Ex-presidenta falou na mesa de abertura do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD), no início da noite desta quarta-feira (27)
“A mudança efetiva virá da força dos movimentos organizados do Brasil. Organizar é ser capaz de ter uma estratégia para alterar o que se quer. As pessoas devem se organizar para fortalecer sua participação no cenário político do país. Caso contrário, os presidentes comprometidos com o povo vão continuar caindo”.
Esse chamamento para a luta foi feito pela ex-presidenta Dilma Rousseff, na mesa de abertura do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD), realizada no início da noite desta quarta-feira (27), no auditório Dante Barone, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Com o tema “Vítimas do Sistema de Justiça”, o evento foi marcado, ainda, pela presença da advogada indígena Fernanda Kaingang, da advogada e mãe de Marielle Franco, Marinete Silva, de Ana Paula Oliveira, do coletivo Mães de Manguinhos, do Rio de Janeiro, e do jornalista Luiz Nassif.
A mediação foi feita pela integrante da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Comitê Facilitador do FSMJD, Tânia Oliveira.
Vítima de golpe parlamentar
Vítima de um golpe parlamentar que a retirou da presidência em 2016, mesmo sem haver base jurídica, Dilma foi inocentada das chamadas pedaladas fiscais usadas como justificativa para derrubá-la. A ex-presidenta destacou que é preciso ter muito cuidado para não fazer a justiça atrasados.
“Nós fizemos a justiça em relação à ditadura de 64, atrasados. Nós perdemos o tempo histórico. Quando nós fomos fazer durante o meu governo, foi aprovado a Comissão da Verdade, que é uma pálida retomada do direito à verdade histórica que o país tem”, destacou.
Para Dilma, “o direito à verdade não pode ser só conhecer, tem que fazer a justiça de transição e nós não fizemos e hoje pagamos o preço por não ter feito. Porque quando Bolsonaro faz o elogio à ditadura, ele flerta com a intervenção e, ao flertar, ele não tem o obstáculo colocado pelo povo que tem consciência histórica a respeito dos fatos que ocorreram. Por isso eu digo que a justiça que tarda, falha”, explicou.
Analisando o cenário político brasileiro, Dilma lembrou que a chegada de Lula à presidência da República permitiu barrar o avanço do neoliberalismo. Foram implantadas políticas sociais, houve a descoberta do pré-sal e o fortalecimento da Petrobrás. “Quando chegamos nesse ponto, nós tínhamos ganhado quatro eleições presidenciais e, usando o receituário neoliberal, que diz que quando houver uma crise, agarre-a para fazer aquilo que não consegue fazer sem crise, deram um golpe de estado porque perceberam que não conseguiriam por via democrática”, detalhou.
Ainda sobre a conjuntura atual, a ex-presidenta apontou que a partir do golpe houve uma onda conservadora neoliberal e neofascista e acharam que Bolsonaro seria contido, “que tinha o chip da moderação, mas ele não tem, o fascismo não tem”.
Para ela, depende da luta do povo evitar a continuidade de Bolsonaro no poder. “Com o processo eleitoral de 2022 está aberta uma alternativa no campo popular, que é o presidente Lula. Precisa de cada um de nós, da organização e participação de todas as pessoas. Não há condição de nós termos um processo de transformação desse país, que tem um orçamento secreto controlado pelo Centrão, é ingovernável. Precisamos interromper a emenda do teto de gastos. Porque, se não interromper o teto de gastos, eu quero ver como nós fazemos política social, como recuperaras universidades, como retomar as obras de infraestrutura”, questionou.
Por fim, Dilma falou sobre o caráter estrutural da desigualdade que condena o Brasil a sempre estar aquém do seu potencial. “O caráter social da desigualdade que divide riqueza e pobreza é mesclado com a questão racial, com a questão de ser negro e pobre. A escravidão é responsável pelo neofascismo brasileiro, pela violência, pelo ódio, pelas formas sociais de controle, assassinatos e mortes. E isso nós temos que encarar: a questão nacional do Brasil está ligada à escravidão e ao colonialismo”, definiu.
Vítimas da violência do Estado
Mãe de Johnatha de Oliveira Lima, jovem assassinado por um policial militar, Ana Paula Oliveira se emocionou e emocionou a todos com a sua trajetória. "Minha luta é uma luta pela vida. A partir do assassinato do meu filho, formei, ao lado de outras mães, o movimento 'Mães de Manguinhos'. A luta de mulheres pretas, pobres, moradoras de favela, que tiveram seus filhos assassinados pelo Estado”, contou.
A ativista reivindicou a necessidade de transformação do sistema de justiça. O policial que assassinou seu filho segue solto com a certeza da impunidade. Além disso, em Jacarezinho, “onde vários jovens foram executados, mais uma vez esse sistema de justiça perverso mostra sua cara: 15 dos 28 casos foram arquivados”, denunciou.
"Uma parlamentar – exercendo seu trabalho – foi morta no centro do Rio de Janeiro. O que foi cometido foi uma violência do Estado e precisamos de uma resposta. Há quatro anos levanto todo dia e pergunto o porquê disso tudo", lamentou Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada em 14 de março de 2018.
A advogada lembrou que Marielle era do enfrentamento e sua morte não significou seu silenciamento, mas mostra como a justiça não funciona para pessoas como a ex-parlamentar, uma mulher negra e periférica. “Vou lutar com tudo que puder para levar sua memória e saber quem são os mandantes”, enfatizou.
Em uma fala bastante potente, a advogada indígena Fernanda Kaingang disparou que a diversidade tem sido deixada para trás, no sistema de justiça e fora dele. “Negros, pobres, LGBTs são os excluídos da terra”, pontuou. Ela destacou a série de conflitos que ocorrem nos territórios indígenas causados por remoções e arrendamentos que têm levado à morte dos povos originários.
Sobre o recente Acampamento Terra Livre, que levou 8 mil indígenas a Brasília, Fernanda disse que contra todo o ruralismo os indígenas foram dizer que não aceitam um governo genocida. “Não aceitamos que as nossas culturas sejam desconsideradas e que não respeitem as nossas línguas", reforçou.
O jornalista Luís Nassif, que é perseguido judicialmente por fazer críticas ao judiciário na imprensa, retomou a questão fundamental para um outro mundo possível. “Daqui em diante, é o aprofundamento da democracia, que significa a participação social em todas as políticas públicas”, frisou o editor do Jornal GGN.
Fóruns sociais terminam sábado
O Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) acontece junto com o Fórum Social das Resistências (FSR), desde terça-feira (26), em Porto alegre. Os dois eventos contam com atividades presenciais e híbridas.
Mais de 100 debates vão ocorrer até sábado (30), quando será promovida a plenária de encerramento que organizará um documento a ser encaminhado para o Fórum Social Mundial, que será realizado na Cidade do México entre os dias 1º e 6 de maio.
O FSMJD tem atividades focadas na transformação do sistema de justiça e na defesa da democracia, reunindo membros do judiciário com movimentos sociais para repensar as estruturas que perpetuam as desigualdades.
Já o FSR traz movimentos sociais e organizações que para debater saídas para as crises que se abatem sobre o mundo e o Brasil, que penalizam a população mais pobre e vulnerabilizada e o meio ambiente.
No domingo, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, a CUT-RS e centrais sindicais realizam o ato unificado e cultural de 1º de Maio, junto ao Espelho d'Água, no Parque da Redenção, para celebrar as lutas da classe trabalhadora.