Escrito por: André Accarini e Luiz Carvalho
Em entrevista ao Portal, presidente nacional da CUT aponta que movimentos sociais irão às ruas defender avanços que elegeram presidenta
Há 12 anos é assim: o final de cada eleição que definiu a vitória de governos democráticos e populares foram só o começo de novas batalhas.
Sob o argumento da governabilidade, no dia seguinte os setores mais conservadores aproveitam para tentar impor uma agenda negativa com pontos opostos àqueles que foram defendidos durante a campanha eleitoral, aponta o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas.
Em entrevista, ele destaca que avanços no campo democrático, como a democratização dos meios de comunicação e a reforma política por meio de um plebiscito que dê voz ao povo, dependerá da capacidade de mobilização dos movimentos sociais.
Para ele, a mesma garra que o movimento sindical mostrou para eleger Dilma, deve ser usada para cobrar a implantação da pauta trabalhista, em especial, a redução da jornada sem a redução de salário, e um novo papel para o Ministério do Trabalho.
Portal da CUT – Qual a leitura que você faz do resultado das eleições e de como o eleitor escolheu a presidenta Dilma?
Vagner Freitas – Do ponto de vista da discussão sobre as propostas políticas, foi uma campanha muito pobre. Estavam colocados dois projetos absolutamente diferentes, mas que ficaram escondidos por conta de uma campanha de troca de acusações, muitas das vezes de caráter pessoal, e marcada pelo desespero do candidato Aécio Neves e daqueles que o representam. Ao perceberem que o Brasil, em 12 anos, teve um processo de crescimento fundamental aos mais pobres e aos trabalhadores, em contraposição ao que ocorreu no restante do mundo, não só negaram esse desenvolvimento descentralizado, além das regiões Norte e Sul, como transformaram esse avanço em preconceito. Tivemos governos nos últimos 12 anos que olharam para todos os brasileiros e não apenas para alguns, para todas as regiões, e não apenas para algumas. E como ficou claro que a campanha Aécio não conseguiria fazer contraposição política ao combate à desigualdade, à inclusão social, a um Brasil mais justo, partiu para o preconceito, questionou o investimento no Nordeste e disse que não há em São Paulo e Minas Gerais, o que não é verdade. Ficou muito ruim essa leitura e a tentativa de dividir o Brasil.
Diante desse cenário de embates políticos em baixo nível, qual a saída para ampliar a qualidade da discussão?
Vagner Freitas – Temos um sistema político ultrapassado e atrasado e devemos fazer uma reforma política, porque enquanto não fizermos isso, teremos um Congresso Nacional como temos hoje, conservador e escolhido por empresários e ruralistas que têm recursos financeiros para bancar seus candidatos. A crítica que deve ser feita é essa, a necessidade de acabar com o financiamento privado de campanha, que valorize os partidos e as posições políticas e não a opinião individual do candidato para que tenhamos condições de ter todos representados no Congresso. A eleição foi dura, disputada, agora o que o Brasil precisa é de um projeto nacional de desenvolvimento, de um governo que governe para todos os brasileiros. Não é possível se fazer terceiro turno da eleição e não ter condição de construir uma governabilidade que seja boa para o povo brasileiro, com a proposta colocada neste segundo governo que foi eleita, a proposta da transformação. A presidenta se elegeu com o slogan de mais transformação, continuar fazendo o que deu certo e corrigir o que não deu. Aqueles que perderam a eleição tentam impor uma agenda conservadora à Presidência. A Dilma disse antes e durante o processo eleitoral que o Brasil precisa ter uma reforma política feita pelo povo brasileiro por meio de um plebiscito e é isso que devemos cobrar e disputar nas ruas. A CUT é uma das construtoras do plebiscito, campanha pela qual coletamos quase oito milhões de votos e vamos fazer essa discussão democrática na sociedade para que entenda sua representatividade no parlamento. Mais da metade (51%) dos 513 deputados na Câmara será de ruralistas na próxima gestão. O Brasil é isso? Menos de 8% dos congressistas são mulheres, maioria na sociedade. Vamos concordar que não haja representação de negros, indígenas e jovens? Esse Congresso não nos representa e isso só aconteceu porque temos um sistema político que permite a eleição somente para quem tem dinheiro.
Você já vê sinais disso após as eleições?
Vagner Freitas – Sim, já observamos isso em atos sórdidos como a derrubada do decreto da presidenta Dilma que criou a Política Nacional de Participação Social. Como podemos construir uma democracia efetiva quando o Congresso arvora para ele mesmo ser tutor e representante da vontade do povo sem que ele possa participar em nenhum aspecto? O decreto que a presidenta fez para a participação popular em conselhos que, em geral, não são deliberativas, mas que dão condição para que o Executivo tome decisões depois de ouvir membros da sociedade civil organizada, é progressista. O que se faz num governo democrático e popular é ouvir e, da forma como os setores conservadores falam, parece que a presidenta Dilma só ouve movimento social. O governo ouve toda a sociedade, inclusive empresários, conservadores, que participam em igualdade e, às vezes, em maioria dos conselhos que já existem. A candidata vence as eleições e o primeiro ato do Congresso é um ato reacionário e conservador. Antes do Senado tomar sua decisão, vamos pressionar com um ato público para que saibam que vamos denunciar essa atrocidade feita pela Câmara e que não queremos ver também no Senado. Precisamos continuar debatendo nossas diferenças, mas devemos respeitar a vontade popular. Não cabem no Brasil discussões de impeachment, de não aceitar o resultado do pleito, que foi muito contaminado por uma parcela grande da mídia que atua como partido político. Não é possível e aceitável para a democracia que uma revista como a Veja forje informações e minta. A Veja e qualquer outro meio de informação têm direito de ter em seu editorial uma posição política a favor de qualquer candidatura, mas não pode inventar um fato que poderia ter transformado a eleição e influenciado a vontade do eleitor. Da mesma forma, vimos a construção de pesquisas sem base científica e a manipulação de dados para colocar o candidato Aécio a 10 pontos de vantagem durante o processo eleitoral. Felizmente, hoje há redes sociais para questionar esses fatos, mas foi construída a indução do voto do eleitor, que precisa ser combatida para termos um pleito em que as propostas e caminhos para o país, bem diferentes na visão de Dilma e Aécio, estejam claros para o eleitor construir sua opinião.
Qual o papel que a luta pela democratização dos meios de comunicação vai ocupar na agenda da CUT?
Vagner Freitas – Eu vejo a regulamentação dos meios de comunicação num patamar tão importante quanto a reforma política para que o Brasil tenha direito à informação e ao debate democrático. Não estamos falando de censura, sou parte de um projeto político que lutou contra a ditadura, pelas liberdades. Mas é construída apenas uma opinião por um grupo de mídia, o mesmo que domina TV, rádio, jornal e internet e constrói o senso comum calcado na opinião do dono desses meios que vai repetindo a informação em todos os veículos do mesmo grupo para confundir a população. A regulação que eu falo é para que os dois lados da notícia sejam ouvidos, que construa mecanismos contra calunia, impeça que a mentira seja transformada em verdade sem direito de oposição ou defesa. Como presidente da maior central sindical do país, eu não tenho direito à liberdade de expressão. Fizemos atos grandiosos na construção da pauta da classe trabalhadora em Brasília, São Paulo, com até 100 mil pessoas, marchando ou concentrados em atos públicos, e nunca foi notícia.
Você disse que os movimentos sociais não terão outra alternativa a não ser se unirem diante do Congresso conservador que foi eleito. Você acredita em uma atuação comum da esquerda em defesa de pautas progressistas?
Vagner Freitas – Não tenho dúvida, os movimentos sociais foram importantíssimos na vitória da presidenta Dilma e serão importantíssimos para cobrar da Dilma que faça um mandato progressista e de esquerda que se comprometeu a fazer e que no discurso de vitória disse saber para quem governo e que tem lado. Esse lado é dos trabalhadores, mas tem que ter ações práticas para não ficar apenas no discurso e a organização dos movimentos que vamos aprofundar precisa colocar a agenda progressista na rua. O que iremos fazer para inverter isso é cobrar a reforma política, a democratização da comunicação, a pauta trabalhista por mais direitos, mais salários, mais condições de trabalho, mais distribuição de renda, menos impostos para trabalhadores e mais para os mais ricos e os donos de fortunas. Queremos avançar mais do que nos quatro primeiros anos de Dilma e, contra um Congresso altamente conservador, precisamos der conselhos de participação democrática e reforma política com plebiscito para discutir os avanços com o povo. E vamos cobrar. A mesma dedicação que os sindicalistas tiveram para eleger, vamos ter para fazer cobrança.
Nem todas as centrais apoiaram a Dilma. Como espera que elas se posicionem?
Vagner Freitas – A eleição acabou. Independente de quem vencesse, teríamos a obrigação de cobrar a pauta da classe trabalhadora e acho importante fazer isso com unidade do movimento sindical para que tenhamos mais capacidade de conquistar. Uma central sindical não é um partido político, tivemos um posicionamento, semelhante à maioria das centrais, mas agora voltamos a fazer um processo de construção das pautas e atos em conjunto. Não temos terceiro turno, temos que andar e olhar para frente.
Da pauta da classe trabalhadora, o que será prioridade?
Vagner Freitas – A redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Criamos uma quantidade bastante grande de empregos, mas temos que criar muito mais. Temos que discutir uma forma de substituir o fim do fator previdenciário para não penalizar mais quem começou a trabalhar mais cedo. Precisamos construir mecanismos de negociação dos governos com servidores públicos, já que o gestor não é obrigado a negociar com o funcionalismo. Na maioria das vezes temos 30 dias de greve só para abrir processo de negociação e isso não tem cabimento. Se é verdade que queremos educação e saúde pública e de qualidade, não há como acontecer sem o servidor público valorizado, respeitado, com uma carreira colocada e discutida democraticamente com os sindicatos. Quando você começa a desvalorizar a categoria, a partir de uma concepção de Estado mínimo, na verdade, você traça uma estratégia de sucatear para privatizar, porque é muito lucrativo um negócio na área de saúde, educação. Hoje você lucra mais gerenciando plano de saúde do que fazendo uma fábrica de manufaturas. Somos a favor do concurso público, defendemos a qualificação de trabalhadores para termos serviços de qualidade. Outra preocupação é com a altíssima rotatividade, voltada apenas para diminuir o custo com a mão de obra e precisamos ratificar a convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) contra a demissão imotivada. Tanto quanto o processo de terceirização, contra o qual estamos em luta no Congresso depois de derrubar o Projeto de Lei 4330, que poderia demitir todos os trabalhadores e contratar uma empresa de intermediação da mão-de-obra pagando menos e se eximindo de suas responsabilidades trabalhistas.
Você prevê mudanças no Ministério do Trabalho?
Vagner Freitas – Quando foi criado, o ministério tinha ações na área de política econômica, por exemplo, e hoje não tem mais. Temos que ter um Ministério do Trabalho forte, com políticas amplas voltadas ao trabalhador. Mais do que o ministro, a CUT exige discutir o papel da pasta, o que fará. Hoje tem função muito pequena em relação ao que deveria fazer.