Escrito por: Érica Aragão
De braços cruzados há mais de uma semana, trabalhadores dos Correios lutam pela preservação do emprego e direitos. Já a empresa, por falta de acordo, ajuíza pedido de Dissídio no Tribunal Superior do Trabalho
Enquanto os trabalhadores e as trabalhadoras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) se organizavam para ampliar a mobilização em defesa dos direitos, emprego e saúde durante a greve da categoria que já dura mais de uma semana, na manhã desta terça-feira (25), foram surpreendidos com a decisão da empresa em ajuizar um Dissídio Coletivo de Greve, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), com a intermediação do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Uma primeira audiência de conciliação já está marcada para esta quarta-feira (26) a partir das 14 horas. A empresa está colocando em xeque a legalidade da greve. Já o MPT alegou insegurança jurídica, provocada pela decisão do Superior Tribunal Federal (STF), que de forma definitiva suspendeu o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) dos trabalhadores inicialmente previsto para durar até 2021, que havia sido arbitrado pelo TST.
“Mesmo depois da derrota no STF, a categoria aprovou, em assembleia nos 26 estados e do DF, a ampliação da mobilização e decidimos que vamos fazer atos de rua e pedir apoio nos protestos por nossos direitos para dialogar com a sociedade e explicar nossa luta”, afirmou a secretária da Mulher da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect) e diretora da CUT Nacional, Amanda Gomes Corsino.
Ainda segundo a dirigente, foi durante uma reunião com as Centrais Sindicais que a categoria soube do dissídio que a empresa, em nome do presidente General Floriano Peixoto, ajuizou.
“Mesmo assim, pedimos para que os dirigentes nos ajudem na mobilização nos estados e na ampliação do diálogo com parlamentares, líderes dos partidos e também com os presidentes da Câmara e do Senado para abrir um canal de negociação com a empresa, que encerrou prematuramente o diálogo conosco”, contou Amanda.
Atos e mobilizações
Os trabalhadores e as trabalhadoras dos Correios em Brasília estão se organizando para fazer uma mobilização solidária para a próxima sexta-feira (28), com doação de sangue da própria categoria. Em seguida, farão uma carreata e passeatas.
Em São Paulo, também vai ter ato da categoria. Os trabalhadores sairão em passeata a partir das 10 horas, de frente ao estádio do Pacaembu em direção à Avenida Paulista.
A categoria em outros estados está se organizando e decidindo como vai ampliar a mobilização da greve, que é por tempo indeterminado.
“Está tudo mantido até agora, estamos preparados para enfrentar organizados a luta. Lógico que tudo pode ser alterado com o desenrolar desta audiência de conciliação, mas a gente só vai suspender a greve se conseguimos manter todos nossos direitos garantidos e estabelecer alguma clausula que trate de saúde em relação a pandemia da Covid 19”, ressaltou Amanda.
Sem aumento real e sem direitos
A categoria não está exigindo aumento real e nada que já não exista como direito conquistado, explicam Amanda e um trabalhador, que não quis ser identificado com medo de represálias.
Segundo o carteiro, os trabalhadores e trabalhadoras dos Correios não recebem aumento real desde a época do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), mas como forma de recompensa foram dados benefícios, bônus e direitos. O trabalhador conta ainda que são esses benefícios que sustentam os rendimentos da categoria, que o contrário do que a empresa fala, são pequenos e não suficientes para sobreviver.
“A gente nem está insistindo no reajuste salarial, a gente só quer manter o que a gente conquistou com muita luta. Tirar direitos dos governantes, como auxílio moradia e paletó ninguém, quer né? Neste governo, que só olha o lado do patrão, o preço da crise cai nas nossas costas. Sem estes direitos, vai ter trabalhador dos Correios com 30 anos de casa ganhando menos que R$ 2.000,00. E onde fica toda nossa luta que tivemos nas últimas décadas?” questiona o trabalhador de São Paulo.
A farsa dos salários altos
A direção da ECT divulgou contracheque manipulado com dados que não representam o real ganho dos funcionários dos Correios, alerta a Fentect em nota no seu site. Segundo a empresa, os trabalhadores não ganham mais de R$ 4.000,00 reais. “É uma mentira’, diz Amanda.
Ela mesmo, que é carteira há 23 anos tem salário bruto de R$ 2.500,00, isso porque recebe o auxílio creche por conta da sua filha de dois anos. O que a empresa não fala, segundo ela, é sobre os descontos. Amanda paga o plano de saúde para sua família no valor de R$ 670,00, o que leva seu salário a ficar menor que R$ 1.900,00.
O trabalhador também ressaltou que a empresa tem contratado terceirizados no lugar dos que adoecem e agora também para cumprir função dos profissionais que aderiram a greve.
Privatização e mentiras do Correios
Segundo a Amanda Corsino, a empresa vem se negando a negociar com os sindicatos da categoria desde julho, quando os trabalhadores mostraram disposição de luta contra qualquer retira de diretos.
O carteiro que não quis se identificar disse que o Correios age de má fé. Na manhã desta terça, a empresa divulgou o jornal “Primeira Hora” dizendo que as entidades sindicais que não estão negociando e que por isso entrou com o Dissídio de Greve.
O que a direção dos Correios esconde, segundo ele, é que querem mesmo é privatizar a empresa e acabar com os empregos.
“O general, Bolsonaro e Guedes querem acabar com os empregos e vender o nosso patrimônio a preço de bananas. A nossa luta também é contra a privatização, porque entendemos que a empresa é estratégica par ao país e garante milhares de empregos”, afirmou.
Covid-19 na categoria
Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, os trabalhadores têm lutado para garantir proteção, mas a empresa vem negligenciando este direito, que é mais uma demanda dos grevistas.
Como o trabalho é considerado essencial, a categoria tem arriscado sua vida porque os Correios não tem medidas eficazes de combate à doença. Quase 100 profissionais da empresa já perderam suas vidas e centenas foram contaminados. Segundo os próprios trabalhadores, não tem protocolos, uso de máscara e nem álcool gel para boa parte deles.
“Eu fui o primeiro carteiro a pegar a Covid-19 e vi muitos colegas morrerem e adoecerem durante o trabalho, porque estão na linha de frente e somos essenciais. Mas não há respeito nenhum por parte do governo de Jair Bolsonaro [ex-PSL] e, enquanto arriscamos nossas vidas para entregar as cartas e encomendas do povo, eles [Bolsonaro e Floriano Peixoto] querem tirar nossos direitos”, afirma outro trabalhador dos Correios que não quis ser identificado.
Segundo ele, muitos trabalhadores estão comprando Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) do próprio bolso e várias sedes da empresa estão sendo fechadas pelo volume de contaminação, mas a empresa e nem a imprensa estão divulgando.