Escrito por: Andre Accarini
Ação de governos extremistas, como de Bolsonaro no Brasil, é fazer população acreditar em um inimigo a ser combatido para implementar políticas de retirada de direitos, dizem sindicalistas do Brasil e Itália
Sindicalistas da CUT e da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) estão reunidos em São Paulo, entre os dias 26 e 27, para debater o futuro do trabalho e construir caminhos de resistência contra os ataques aos direitos da classe trabalhadora nos dois países, que vivem as consequências da ascensão ao poder de líderes de extrema direita, como Jair Bolsonaro (PSL) no Brasil e Sérgio Mattarella, do Partido Democrático, na Itália.
A precarização do trabalho, o desemprego, o aumento da desigualdade social e da concentração de renda e o fato de os trabalhadores terem de se sujeitar a condições extremas para sobreviver são as principais preocupações do movimento sindical internacional.
Segundo o secretário-adjunto de Relações Internacionais, o foco principal do encontro é compartilhar as experiências de luta entre os dois países. “O foco é preparar as bases sindicais para a necessidade de reorganizar a classe trabalhadora em virtude da forma acelerada que a tecnologia, os ataques do governo aos direitos e a crise econômica, que gera desemprego, afeta a classe trabalhadora”.
Para Giacomo Licata, dirigente da CGIL, ao longo dos últimos anos, houve uma tática da direita em vários países do mundo para deixar os trabalhadores desacreditados e sem esperança.
Giacomo explica que, dessa forma, os governos fazem os trabalhadores acreditarem que perderão seus postos de trabalho, que haverá pobreza e criminalidade. “Esses sentimentos contaminam as pessoas que ficam vulneráveis a acreditar em discursos de ódio”, diz.
“São forças que ultrapassam todos os limites ao eleger um inimigo da população [no caso da Itália, imigrantes africanos] e convencê-la de que é necessária uma mudança que tenha característica nacionalista”.
“Esses políticos, com ares de messias, conseguem chegar nas pessoas desiludidas, dizendo ‘vem comigo’, prometendo uma solução para levantar a autoestima e proteger o país”, critica o dirigente.
Segundo ele, outros países também estão na ‘fase de buscar o inimigo comum’, que pode ser o negro, o pobre, o imigrante e outros segmentos mais vulneráveis nas sociedades.
“E a Itália jamais deveria passar por isso, porque vários países, inclusive o Brasil, receberam muitos imigrantes italianos”.
O resultado por trás de toda essa estratégia é implementar políticas neoliberais que retirem direitos dos trabalhadores para fortalecer o capital, em especial o sistema financeiro, além do desmonte do Estado com o processo de privatização de empresas estratégicas.
Meritocracia
No Brasil não foi diferente. A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano Gallego, está realizando uma pesquisa entre seus alunos e conta que, desde o período eleitoral, a onda de notícias falsas, no mesmo molde de se eleger um inimigo comum, provocou uma sensação de insatisfação até mesmo em quem se beneficiou de programas sociais implantados pelos governos democráticos de Lula e Dilma Rousseff.
“Aqui o inimigo eleito foi o PT e o pobre. Infelizmente até mesmo os mais pobres compraram essa ideia. Eles têm no empresário bem-sucedido um exemplo de vitória pessoal. É a referência deles. E acabam acreditando que só conseguiram chegar a algum lugar por seus próprios méritos”, explica.
Ela conta o caso de alunos que ingressaram na universidade por meio de programas de inclusão que protegem os mais pobres, como o FIES ou ProUni, mas votaram em Bolsonaro, que defende uma política pública oposta.
Segundo a professora, a explicação, quase padrão, é de que teriam entrado na faculdade de qualquer maneira, a chamada meritocracia. “Se eu me esforço, eu consigo”, conta a professora sobre as respostas.
Graças a Deus
A pesquisa, segundo a professora Esther, também aponta argumentos ligados à fé e à religião. “Conversei com uma pessoa que conseguiu sua casa pelo Minha Casa, Minha Vida. Para ela, não foi obra do governo Lula. Foi Deus quem deu para ela. E ela diz que teria conseguido de qualquer jeito, porque era para ser dela”.
Ação
Para os sindicalistas italianos, a ação sindical tem de caminhar justamente no oposto do que foi construído pela extrema direita até aqui. Giácomo Licata afirma que o trabalho deve ser feito com orientação e oferecendo esperanças.
“Devemos fazer com que esse sentimento não desapareça e que se fortaleça com a luta por trabalho digno e melhora das condições de vida para as classes mais pobres”, afirma.
Já Esther acrescenta que o trabalho de base deve ser feito não somente pelo movimento sindical, mas pelos movimentos sociais, associações de bairro e outras entidades, no sentido de conscientizar a população sobre o que realmente está em risco com governos de direita.