Escrito por: Andre Accarini

Documentário denuncia crime ambiental da Braskem em Maceió

Filme que será lançado nesta quinta (5) retrata o drama de famílias desamparadas após tragédia, em 2018. Atividade de extração da Braskem tornou instável o solo de bairros, com risco de desabamentos de imóveis

Divulgação

Edição: Marize Muniz

O drama de milhares de alagoanos que perderam suas casas e seus comércios está registrado em um documentário intitulado “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió”, dirigido pelo argentino Carlos Pronzato. O filme que será lançado nesta quinta-feira (5), na capital alagoana, denuncia tanto o descaso do poder público em relação às vítimas como a resistência da empresa em assumir a responsabilidade pela tragédia.

 

Ainda hoje, milhares desses moradores não conseguiram se reestabelecer. São mais de 57 mil. O local, que abrange cinco bairros (Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol e Mutange), de acordo com os relatos, se tornou uma ‘cidade fantasma’ e está desparecendo, “o solo está afundando”, conta o cineasta. Em entrevista ao G1, Pronzato diz ainda que os moradores perderam sua história por causa da negligência de uma empresa “que tinha tudo para prever a tragédia”.

O filme mostra mais uma das catástrofes provocadas por empresas que, em nome do lucro, negligenciam questões ambientais e colocam em risco a vida humana, além de deixar claro a impunidade que acompanha estes casos. As tragédias provocadas pela Samarco e pela Vale em Brumadinho e Mariana, ambas em Minas Gerais, são outros exemplos emblemáticos dessa conduta, lembra o secretário de Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio.

O desastre causado pela Braskem em Maceió é resultado de um modelo de desenvolvimento que prioriza o lucro em lugar da vida das pessoas e do meio ambiente- Daniel Gaio


O secretário explica que ao longo dos anos, a exploração de minérios pelas empresas não seguiu padrões de proteção ambiental, o que ocasionou tragédias como a de Alagoas e que impactam milhares de pessoas. No caso da Braskem, a empresa atuava na extração de sal-gema no subsolo desses bairros.

“Um outro gargalo, que assim como em Maceió, na tragédia provocada pela Braskem, como nos crimes da Samarco e da Vale em Minas Gerais, é que mesmo depois dos desastres a população impactada não está sendo devidamente indenizada, seja pela demora da Justiça ou porque os valores não correspondem ao que deveriam receber", diz o dirigente, que completa: Enquanto isso, grandes empresas continuam lucrando”.

Além disso há perdas e danos ao meio ambiente, na maioria das vezes, incalculáveis e irreparáveis. Para Daniel, este cenário vem sendo cada vez mais agravado pelo desmonte da legislação ambiental promovido desde o golpe de 2016 que destituiu a presidenta Dilma Rousseff e intensificado pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL).

A tragédia da Braskem

Era fevereiro de 2018 quando moradores do bairro Pinheiro, em Maceió (AL), foram surpreendidos por um forte tremor de terra. Dias depois, vieram rachaduras e afundamentos de solo nas ruas e casas do bairro atingindo três quarteirões.

Assustadas com a situação e sem saber o que, de fato, ocorria, centenas de famílias tiveram de abandonar seus imóveis que corriam risco de desabamento. Ao todo, só no bairro, 2.480 moradias foram afetadas. Um ano depois, o mesmo problema afetou os bairros vizinhos e, mais uma vez, desabrigou várias famílias.

A própria defesa civil então orientou os moradores a sair de casa, afirmando que voltariam após o período de chuvas que viria, mas não aconteceu. Meses depois foram informados que os danos estruturais ao solo eram irreparáveis, portanto, o bairro foi considerado inabitável.

Marcio Ferreira/Agência Alagoas

Órgãos de controle ambiental como o Serviço Geológico do Brasil (CRPM), concluíram que as atividades de extração de sal-gema pela transnacional Braskem foram as responsáveis pela tragédia. 

O laudo final mostrou que a extração do mineral - um tipo de sódio utilizado na fabricação de soda cáustica - realizada em uma região de falhas ecológicas provocou, ao longo dos anos, instabilidade no solo.

A exploração se deu com abertura de minas no subsolo - perfurações com centenas de metros. Com o tempo, as paredes das “cavernas” começaram a ceder e desmoronar. De acordo com o CRPM, o solo está afundando cerca de 27 centímetros por ano.

O difícil recomeço do zero

A sede do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (SINTEAL), um prédio tombado como patrimônio histórico da cidade, também foi afetada e teve de ser desocupada por causa do risco de desabamento. Anexo ao prédio, o sindicato havia construído um auditório com capacidade para 2.500 pessoas. "Tudo isso foi perdido", conta a presidenta do sindicato, Consuelo Correia, que também é uma das personagens ouvidas no documentário. 

"Mais do que o dano físico, fica a perda de um pedaço importante da nossa história de lutas. Nossa memória ficou para trás", diz a dirigente. 

Ela diz ainda que essa é uma realidade para milhares de pessoas que junto com seus patrimônios, também perderam suas memórias e o convívio social. Muitos perderam seus comércios na região e todos se sentem desamparados por causa da falta de apoio tanto da empresa quanto dos órgãos públicos. O que resta é enfrentar a dificuldade de tentar recomeçar devastadas a por essa tragédia, considerada o maior crime ambiental urbano da história do país. 

"Jamais poderiam ter concedido a licença para a Braskem operar dentro da cidade", afirma Consuelo.

Atos e protestos cobrando soluções têm sido constantes tanto na sede da empresa quanto em frente ao Ministério Público Federal. 

Indenizações

A Braskem iniciou um programa de indenizações em 2019 que previa o pagamento de R$ 81,5 mil aos proprietários dos imóveis. Segundo a presidenta do Sinetal, o valor não é suficiente para reparar os danos dos moradores. A empresa ainda declarou que aqueles que sentissem prejudicados deveriam entrar na Justiça para reclamar seus direitos.

"A gente sabe que por mais recursos que eles tenham para garantir diginidade às vítimas, nunca pagam o que é justo para reparar a história que foi apagada de suas vidas. É muito dolorido para todos nós", diz Consuelo Correia.

Em entrevista aos Jornalistas Livres, o cineasta Pronzato, diz que “a empresa só assumiu a responsabilidade por causa da força da lei, mas que se fosse por eles, até hoje estariam fugindo da questão”.

Dois anos e meio depois da tragédia, o número de imóveis desocupados, incluindo os três bairros afetados, passou de oito mil, de acordo com a Defesa Civil de Maceió que elaborou um mapa de ‘setorização de danos e de linhas de ações prioritárias’ para o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da Braskem.

 

Defesa Civil de MaceióRegião de Maceió afetada pelo crime ambiental da Braskem

 

O documentário

O longa-metragem de 80 minutos foi realizado de forma independente, com apoio de movimentos sociais e de sindicatos de Maceió como, por exemplo, o Sindicato dos Servidores Públicos Federais da Educação Básica e Profissional no Estado de Alagoas (Sintietfal). Pesquisadores alagoanos também auxiliaram na empreitada audiovisual.

Carlos Pronzato, diretor do documentário, já realizou outros importantes registros em filme – temas como o Apagão do Amapá e a Tragédia de Brumadinho.

Nas redes sociais, o filme estreia nesta quinta-feira (5) às 20h, no YouTube.

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A exibição em locais públicos, que já ocorreu em outras cidades como São Paulo, será feita em Maceió na Igreja batista do Pinheiro (Rua Miguel Palmeira, 1300) em duas sessões – às 18h e às 20h.