Documentos desmentem Bolsonaro: 51 imóveis foram pagos com dinheiro vivo
Jornalistas do UOL encontram escrituras que comprovam que a família Bolsonaro usou R$ 25,6 milhões em dinheiro vivo para quitar de forma total ou parcial a compra de 51 imóveis nos últimos 30 anos
Publicado: 09 Setembro, 2022 - 11h24 | Última modificação: 09 Setembro, 2022 - 15h40
Escrito por: Redação CUT | Editado por: Marize Muniz
Para se defender da denúncia de possível lavagem de dinheiro na compra de imoveis, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, disse uma entrevista à Jovem Pan, na terça-feira (6), que sua família não utilizou dinheiro em espécie em transações imobiliárias que somam R$ 25,6 milhões nos últimos 30 anos.
Segundo o presidente, os jornalistas do UOL que denunciaram o escândalo envolvendo sua família, tentaram confundir os leitores usando o termo "moeda corrente nacional" como se isso fosse sinônimo de "dinheiro vivo". “Em qualquer escritura está escrito moeda corrente", disse ele. Nas redes sociais, a tese bolsonarista espalhada por apoiadores era de que o termo "moeda corrente" significava que o imóvel teria sido pago com o Real (e não em dólar, por exemplo).
O filho zero um presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que comprou uma mansão de quase R$ 6 milhões próxima ao Lago Paranoá, em Brasília, foi um dos que publicaram postagens meio que dando uma aula para os reporteres sobre o significado de moeda corrente, termo que seria o usado nas escrituras.
Colégio Notarial do Brasil:“moeda corrente, portanto, não é necessariamente dinheiro em espécie (…) as escrituras dos imóveis negociados por familiares de Bolsonaro não são suficientes para sustentar que essas compras se deram com dinheiro vivo.”https://t.co/jIIBzC2XuT
— Flavio Bolsonaro #B22 (@FlavioBolsonaro) September 6, 2022
Para comprovar a denúncia, os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL, foram atrás das evidências de pagamento em dinheiro vivo e encontraram documentos que comprovam que o clã Bolsonaro usou dinheiro vivo para quitar 51 das 107 transações imobiliárias realizadas no período. Os dados estão acompanhados de documentos oficiais. A reportagem também entrevistou parte dos vendedores e consultou os próprios cartórios de notas.
Segundo a reportagem, "17 compras são citadas em investigações do MP (Ministério Público) do Rio, a partir de dados de quebra de sigilo, sobre o esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e Flávio Bolsonaro. Flávio chegou a ser denunciado por um desvio de R$ 6,1 milhões, mas os dados financeiros foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e a investigação está sendo refeita pelo MP."
“No Rio, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça estadual determina desde 1999 que na lavratura de atos notariais conste a "declaração de que foi pago em dinheiro ou em cheque, no todo ou em parte, discriminando, neste caso, valor, número e banco contra o qual foi sacado", diz um outro trecho da reportagem.
"Outros 24 imóveis estão em São Paulo, estado em que cartórios devem declarar em escrituras formas de pagamento, "se em dinheiro ou cheque (...) ou mediante outra forma estipulada pelas partes", de acordo com o provimento 58/1989 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. No Rio, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça estadual determina desde 1999 que na lavratura de atos notariais conste a "declaração de que foi pago em dinheiro ou em cheque, no todo ou em parte, discriminando, neste caso, valor, número e banco contra o qual foi sacado", segue a reportagem.
"Algumas das escrituras consultadas pelo UOL trazem expressões ainda mais precisas sobre o uso de dinheiro vivo, como moeda "contada e achada certa" ou "em espécie". A reportagem também se baseia em entrevistas com parte dos vendedores e consultas aos próprios cartórios de notas", diz o UOL.
Há quatro anos, Bolsonaro disse que pagamento em dinheiro vivo podia estar ligado a roubo. Ou seja, a pessoa estaria lavando o dinheiro roubado, o que é um crime. Agora, não vê problema nenhum em comprar mais de 50 imóveis e pagar com dinheiro.
Quem rastreia lavagem de dinheiro
Os bancos devem informar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) todas as operações de depósito ou aporte em espécie ou saque em espécie de valor igual ou superior a R$ 50 mil.
Também são obrigados a informar o Coaf sobre movimentações financeiras as corretoras de valores, cooperativas financeiras, joalherias, marchands, seguradoras, prestadores de serviço de assessoria e consultoria, loterias, atletas, artistas, entre outros. E, desde 2020, os cartórios se tornaram fonte de informações do órgão por força do Provimento 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que entrou em vigor em fevereiro de 2020.
Desde então, o volume de comunicações de operações suspeitas explodiu.
- Em 2018, o Coaf recebeu 428 mil comunicações de operações suspeitas.
- Em 2019, foram 346 mil.
- Em 2020, com a vigência da regra do CNJ que incluiu os cartórios, o número de notificações saltou para 1,4 milhão.
- Em 2021, chegou a 2,3 milhões. Do total do ano passado, 1,6 milhão são comunicações feitas pelos cartórios.
Segundo o Conjur, os cartórios brasileiros são responsáveis por quase 70% das comunicações de operações suspeitas feitas ao Coaf. Nos últimos dois anos, tabeliães, notários e registradores de todo o país enviaram ao órgão de inteligência financeira mais de 2,5 milhões de registros que, na visão dos cartorários, poderiam indicar atividade ilícita — mais especificamente, lavagem de dinheiro ou financiamento do crime organizado.
Flávio Bolsonaro é suspeito de lavagem de dinheiro
O Ministério Público do Rio de Janeiro garante que ocorreeu de forma ilícita a captação de recursos de ex-assessores pelo senador Flávio Bolsonaro no esquema da "rachadinha". Promotores afirmam que o filho do presidente recolheu esse dinheiro e praticou lavagem por meio da compra de dois imóveis em Copacabana.
Flávio foi denunciado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas o caso foi arquivado porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as principais provas do caso. O MP-RJ afirma que pretende reabrir a investigação.
Dados da investigação, contudo, mostraram que Bolsonaro teve, quando deputado federal, transações e práticas semelhantes às que levantaram suspeita contra o seu filho mais velho.
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