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‘É difícil sair para trabalhar, não ver resultados e ser maltratado’, diz entregador

Nesta quarta-feira (1º) trabalhadores que fazem entregas de moto e de bicicleta fazem ato em que cobram melhores condições de trabalho

Publicado: 01 Julho, 2020 - 12h12 | Última modificação: 01 Julho, 2020 - 12h34

Escrito por: Lucas Veloso - Agência Mural de Jornalismo

Roberto Parizotti
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Logo que fez 18 anos, Michel da Silva, morador de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, fez o cadastro para atuar como entregador no IFood, um dos principais aplicativos de entrega do país. 

Nos seis meses que atua como entregador, a rotina não foi fácil. “O baguio é louco, mano”, resume. Apesar de fazer entregas diárias de comida, nem sempre consegue se alimentar. “Não tem hora para almoçar, talvez tomar um café, porque acordo cedo para sair. Quando consigo almoçar, não tem um lugar específico para almoçar”, acrescenta.

Para driblar as dificuldades, a saída é sentar na calçada, parar no meio da rua ou em alguma praça para almoçar. No relato de Michel, outras necessidades básicas são negligenciadas, como a falta de banheiros para atender a demanda. “A gente não consegue usar banheiro, você prende bastante coisa”. 

As condições apontadas por Michel fazem parte das reclamações de entregadores ouvidos pela Agência Mural. A diminuição na renda por conta da pandemia do novo coronavírus é um dos pontos citados por profissionais cadastrados em aplicativos como Rappi, iFood, UberEats, Loggi e James.

Nesta quarta-feira (1º), milhares de entregadores em São Paulo e em outras capitais, como Rio de Janeiro e São Luís, no Maranhão, irão aderir ao movimento.

ESSENCIAL

Um decreto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) considerou os serviços de entrega como atividades essenciais.

Adriano Almeida, 35, viu nos aplicativos de entrega uma oportunidade. Morador do Capão Redondo, zona sul da capital, trabalha de moto há dois anos. Diariamente sai de casa, por volta das 8h, rumo ao centro da cidade, onde fica durante o dia e retorna depois das 22h. 

Com contas a pagar e sem emprego fixo, diz que faz cerca de 15 entregas por dia. Os valores mensais dão conta das dívidas, mas reclama dos baixos ganhos e da ausência da plataforma para ajudar os entregadores. “A gente ganha muito pouco por entrega. Tem coisa que vou levar e não consigo pagar nem a gasolina”.

Com a pandemia, o número de entregadores de aplicativos da capital paulista e da Grande São Paulo cresceu ao menos 20%, de acordo com o SindiMotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo). Os dados da entidade apontam para cerca de 280 mil profissionais com motos ou bicicletas.

Pesquisadores da Remir Trabalho (Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista) ouviram 252 trabalhadores do setor em 26 cidades por meio de um questionário online, de 13 a 20 de abril. 

Entre os entrevistados 60,3% apontaram uma diminuição na remuneração, em comparação aos dias antes da pandemia. Outros 27,6% disseram que os ganhos se mantiveram e 10,3% afirmaram que estão com mais renda durante a quarentena.

Além disso, o trabalho se tornou mais perigoso, tendo em vista a exposição ao vírus em tempos em que é necessário o distanciamento social.

ENTREGADORES ‘NUVEM’ E ‘OL’

Nos aplicativos, há algumas diferenças entre os entregadores que impactam na rotina e nos rendimentos. No caso do iFood, por exemplo, o ‘entregador nuvem’ é o mais comum, pois é aquele com horário de trabalho flexível, sem supervisor ou chefe. 

Já quem atua com entregas no esquema OL (Operador Logístico) possui horário de trabalho definido, com uma folga semanal. Além disso, está subordinado a uma empresa terceirizada e a um líder. A aprovação depende do estabelecimento em que irá atuar.

Além disso, entrar nesse ramo exige um investimento do próprio entregador. O iFood, um dos mais famosos aplicativos do setor, cita os itens necessários para quem for se cadastrar.

Possuir um celular com android e pacote de dados, um veículo para entregas (moto ou bicicleta), além de uma caixa térmica ou baú e equipamentos obrigatórios de segurança no trânsito, como capacete e jaqueta com faixas refletivas, são alguns requisitos.

PERFIL DOS ENTREGADORES

Allan de Almeida Lima, 24, de Guarulhos, na Grande São Paulo, faz entregas desde dezembro do ano passado. Ex-motorista de uma empresa de logística, acreditou que como entregador a vida financeira iria melhorar, mas após seis meses cadastrado em três plataformas afirma que ficou decepcionado com a realidade. “Entrei achando que ia fazer meus horários e que conseguiria grana trabalhando oito horas, mas é relativo”. 

Allan diz que os rendimentos não ultrapassam R$ 1.000 por mês. Para compensar, faz outros trabalhos informais, como encanador e ajudante de pedreiro para aumentar a renda. “É difícil sair para trabalhar, não ver resultados e ser mal tratado em algumas casas”, resume. 

Uma pesquisa da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), após uma amostra realizada em seis regiões de São Paulo, apontou o perfil social dos entregadores. Segundo o levantamento, os entregadores moram nas periferias, são homens jovens [50% até 22 anos], negros (71%), com ensino médio completo (53%) e estavam desempregados (59%). 

Com a atual situação, esses profissionais trabalham sete dias da semana (57%). Em média, a jornada diária é de 9,24 horas, para fazer nove entregas, com uma remuneração mensal de R$ 936. Diariamente, eles cumprem uma pedalada que supera os 60 km, sendo 40 km para prestar o serviço e 20 km no trajeto de casa para a região central. 

Entre as reclamações, a falta de segurança no trânsito (44%), ausência de infraestrutura viária (34%) e a falta de segurança contra roubo (20%), ocupam as primeiras posições. Também há reclamação de bloqueio indevido do cadastro.  

Esse tipo de reclamação é rotina no dia a dia dos entregadores. Durante cinco dias, a Agência Mural acompanhou um grupo de entregadores no aplicativo de mensagens Whatsapp.

Entre pedidos de ajuda com o aplicativo e recomendações de espaços para arrumar bicicletas e motos com promoções, a falta de entrega faz parte da maioria das mensagens. “Cara, hoje tá osso iFood em, tô no shopping Mooca, desde meio dia, fiz uma corrida só”, dizia um post.

A incerteza sobre a renda do dia também costuma ser um problema. “Cheguei 6h30 na Vila Madalena, era 10h e só tinha feito duas entregas”, lamentou outro entregador. “Desisti e vim embora. Queimar gasosa a toa, tô fora”.

“Esse trabalho nosso não é muito valorizado. É taxa pequena, você pode ser assaltado, atropelado, pode morrer aí na rua e eles não se responsabilizam por nada, eles não vêm com nada, não te dá vínculo de ajuda, se você sofrer um acidente, a única coisa que eles fazem é mandar para você “umas melhoras” e acabou. Você tem que arcar com tudo, com custo de hospital, com custo de tudo, então, são coisas que deveriam mudar no IFood. Agora, vou me jogar nas pistas e 10h da noite, nóis para, se Deus abençoar, com aquela quantia que a gente tem na mente”
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Procurados, os aplicativos Rappi, UberEats, Loggi e James não responderam sobre a paralisação e as condições de trabalho.

O iFood afirma em nota que “os ganhos médios mensais do grupo que têm a atividade de entregas como fonte principal de renda aumentaram 70% em maio quando comparados a fevereiro”. Segundo a empresa, o valor médio por hora é de R$ 21,80 e que o valor médio pago por rota é de R$ 8,46.

Sobre o bloqueio de entregadores, a empresa diz que nos casos de necessidade de desativação das contas dos entregadores, o profissional recebe uma mensagem via aplicativo e é direcionado para um chat específico para entender o motivo e pedir análise do caso. Se um erro for comprovado, a conta é reativada.

A empresa diz que tomou medidas de enfrentamento à Covid-19 como auxílio financeiro para quem apresentar sintomas e que fazem parte dos grupos de risco, além da distribuição de EPIs (equipamento de proteção individual).