É mais barato tratar do que atacar causa da doença
No segundo dia da 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, especialistas apontam porque Brasil ainda enxuga gelo na área de doenças trabalhistas
Publicado: 17 Dezembro, 2014 - 01h05 | Última modificação: 17 Dezembro, 2014 - 01h19
Escrito por: Luiz Carvalho, de Brasília
Para o professor Pignati (em pé), a preocupação com o agronegócio deve vir acompanhada com avaliação sobre impactos da monocultura aos trabalhadores e comunidadesEm mesa coordenada por Junéia (ao centro), Armando Negri destacou que seguridade social ainda não é vista pelo viés da inclusão cidadã (Fotos: Luiz Carvalho)
O segundo dia da 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em Brasília, foi de debates e trabalhos em grupo sobre 24 temas que tratavam desde as mortes no ambiente de trabalho até os impactos causados pela precarização das condições trabalhistas.
Em ao menos dois desses grupos, especialistas defenderam que o Brasil ainda mantém um modelo de compensação do dano causado ao invés de atacar o foco da doença. Essencialmente, por questões econômicas, conforme explicou o representante do Fórum Mundial da Saúde (FSMS), Armando de Negri, em uma das mesas de discussão.
“É muito mais barato manter o trabalhador na britadeira do que pensar em novas tecnologias, até porque o custeio do tratamento do dano causado será dividido com toda a sociedade”, apontou, lembrando ainda da enorme tolerância do país aos trabalhadores expostos ao agrotóxico.
Seguridade social para distribuir renda
Negri participou do debate coordenado pela secretária de Saúde da CUT, Juneia Batista, que tratou da proteção social e dos desafios da seguridade e da reabilitação.
Para ele, a sociedade brasileira não tem a compressão da seguridade social como direito humano e aspecto fundamental da cidadania. Entenda-se por seguridade o amplo expoectro que engloba políticas de combate à miséria e de inclusão social, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.
“Numa sociedade como a nossa, que tem origem discriminatória, escravocrata e violentamente reativa a qualquer projeto socializante, temos 75% de brasileiros que utilizam exclusivamente um sistema universal de saúde, mas mantemos um subsistema onde está a oligarquia operária e o funcionalismo público quase total: o seguro privado.Com isso, a proteção social amparada pelo texto constitucional, quando não está vinculada ao trabalho, incorpora a ideia hegemônica do pobre como vagabundo, inclusive por parte dos beneficiados”, disse.
Para ele, se não houver uma ideia clara de que a seguridade social é uma construção coletiva com aspiração solidária, não teremos novos critérios para discutir política econômica, reforma política, na democratização dos meios de comunicação e reformulação da política tributária que financia a seguridade. Conforme lembrou Negri, a tributação brasileira baseada essencialmente no consumo gera desigualdades, porque cidadãos com rendas diferente pagam a mesma quantia por um mesmo produto.
“Por mais que o sistema econômico permita distribuir a riqueza pela apropriação do produzido por meio do salário, num país tão desigual como o nosso, o compromisso obrigatório de redistribuição de renda é da seguridade social. Fala-se em desoneração, mas Estado que não arrecada não consegue fazer políticas públicas. Por isso é um erro comparar Brasil a países com sistema de seguridade inferior. Porque aqueles que tem seguridade forte, tem também tributação semelhante”, ressaltou.
Muito dessa mudança depende da retomada da educação política que, na avaliação do coordenador do FSMS, foi abandonada pelos movimentos sindical e sociais. “Não vamos nos enganar, o Estado e sociedade são conservadores e vão defender seus privilégios e por isso teremos pela frente anos de conflito político e ideológico.”
Longo processo de degradação
Ao tratar do retorno ao trabalho, a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mônica de Lima, apontou que os obstáculos para a vítima de doença e acidente ocupacional não estão exclusivamente na Previdência.
“Mais de 70% das pessoas em reabilitação no Brasil não consegue voltar em menos de 240 dias e isso incapacita permanentemente para o mercado, porque ela permanece por muito tempo fora. Nosso sistema cria a síndrome da incapacidade prolongada e temos que lidar com isso de uma forma técnica, inteligente e com integralidade de atenção que decidimos para esse sistema e não conseguimos operar”, pontuou.
Mônica lembrou que a demora não se resume ao tratamento, mas também à dificuldade em chegar à Previdência, depois em comprovar a dor ou as sequelas de um ambiente de trabalho degradante.
Esse cenário, ressalta, provoca a demora em procurar ajuda no sistema de saúde para uma incapacidade de trabalho que é construída durante ano e transforma um problema social em um drama individual. No centro desse cenário estão os peritos médicos, muito criticados pelos trabalhadores.
“No mundo inteiro vivemos um momento de restrição de benefícios, seja no acesso a eles, seja por meio de medidas como aumento do tempo para a aposentadoria. O médico perito, por sua vez, é treinado e ideologicamente convencido a negar o benefício para ‘salvar’ a Previdência.
E treinado para dizer que doença é questão física, deve ser medida e faz com que o trabalhador passe a vida tentando provar dor. Quando isso não ocorre, ouve que é psicológica e o que é psicológico é problema individual”, relatou.
Outro modelo de desenvolvimento
Como Mônica e Negri, o professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Pignati, em discussão obre o desenvolvimento econômico e seus reflexos na saúde do trabalhador, afirmou que as normas de saúde do trabalhador e da trabalhadora devem estar voltada à visão de saúde coletiva e não de medicina.
“O que vemos é o Estado atender o sequelado sem discutir o modo de produção.
Isso não é vigilância da saúde é vigilância da doença. Não é para discutir epidemiologia. Se continuarmos discutindo a saúde somente dentro do próprio segmento, vamos continuar com o mesmo status que temos agora”, criticou.
Para tratar do modelo de produção, ele focou o agronegócio, que representa um terço do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, recebe cada vez mais créditos em comparação à agricultura familiar e à agroecologia, mas investe na monocultura, especialmente da soja e da cana, inclusive na beira de córregos, e traz como resultado a escassez de água, como ocorre em São Paulo.
Pignati lembrou que no Mato Grosso há 3 milhões de habitantes e 30 milhões de cabeça de gado. Como consequência, afirmou, a preocupação com a vigilância da vacinação do boi e da qualidade da soja e do algodão é superior à vacinação infantil e à fiscalização das condições de trabalho de carvoeiros, ressaltou.
“O desenvolvimento sustentável envolve desenvolvimento econômico, social, equidade social proteção ambiental, democracia e governança participativa. Para isso, precisamos de um desenvolvimento que observe e intervenha nas relações de produção, social, técnica operacional, de saúde e meio ambiente”, disse.
A 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora segue até esta quinta-feira (18), quando apresentará o texto final do encontro.