É preciso cobrar o Estado para garantir melhorias e o acesso de todos à educação
Nesta terça (15) é comemorado o Dia do Professor, mas a categoria não vê motivos para festas. Ao contrário, o Estado brasileiro pouco tem feito para criar condições para um melhor aprendizado
Publicado: 14 Outubro, 2024 - 10h00
Escrito por: Rosely Rocha
Esta terça-feira, 15 de outubro, é o Dia do Professor, mas a categoria não tem muitos motivos para comemorar. Ao contrário, o pacote de maldades que vem sendo perpetrado pelos governos tem levado muitos professores ao adoecimento, ao stress diante da falta de perspectivas para a carreira. Por outro lado, os estudantes sofrem com falta de material, salas de aulas inadequadas e sem que haja incentivos para eles estarem presentes.
Além do aspecto financeiro e do não reconhecimento, são vários outros que têm tirado do magistério pessoas que mesmo tendo cursado pedagogia preferem procurar outras carreiras. A terceirização, a falta de concursos públicos e as cobranças estão cada vez mais sucateando a educação pública no Brasil.
Para contar como está a situação dos educadores e dos alunos, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação (CNTE), Heleno Araújo fez um panorama do que vem acontecendo, sobretudo com a falta de empenho dos governos em melhorar a educação no país.
Qual o papel do Estado na educação da sua população?
O Estado tem um papel fundamental para garantir o direito de acesso, permanência e conclusão dos estudos de todas as pessoas. Para isso é preciso ter escolas em quantidade que garantam esse acesso, uma escola equipada, preparada, em condições de estimular os estudantes a permanecer nos seus estudos e ter um quadro completo, funcional que garanta a qualidade da conclusão desses estudos.
E como é possível alcançar essas metas?
É preciso mais concursos públicos e que haja uma política continuada e adequada para esse profissional com salário decente, com carreira, condições adequadas de trabalho e dentro de um processo de gestão democrática onde a participação popular tem uma influência muito forte nos rumos da escola.
Tivemos quatro anos de desgoverno e desmonte das políticas públicas de educação, mudou algo do ano passado para cá?
O quadro nacional ainda é negativo para que todo brasileiro tenha direito à educação. E quando eu me refiro ao Estado brasileiro estou falando dos entes municipal, estadual, distrital e federal, a União. Não é uma realidade só do governo federal, mas de todas as esferas públicas que não garantem creche e escolas a todas as famílias e a todas as pessoas que precisam e demandam.
Quantos jovens e crianças que poderiam estar estudando estão fora da escola?
São 1 milhão de crianças e jovens de quatro a 17 anos que estão fora da escola, sem acesso. São 68 milhões de brasileiros e brasileiras com 18 anos ou mais que não conseguiram concluir a educação básica. É preciso retornar a escola e concluir a educação básica. Então, você teria um universo para aumentar as matrículas na educação superior principalmente a pública que tem um baixo atendimento.
Como está o acesso as universidades públicas?
Os planos de educação apontaram que em 10 anos esse acesso deveria sair de patamar de 21% para 40% de matrículas na educação superior nas universidades públicas e isso nos últimos 10 anos não aconteceu, ficou estagnado. Esse cenário negativo ainda soma, com infelizmente, 11 milhões de brasileiros e brasileiras analfabetos, que não sabem nem ler, nem escrever e isso é um papel dos municípios, o de garantir essa alfabetização que precisa dar conta disso, por isso quando eu falo que o Estado brasileiro nega o direito é porque o cenário é complicado.
Como ficam os professores e os profissionais de educação nesse cenário?
Eles também são afetados negativamente. Mesmo tendo a lei do piso do magistério existem 40% dos municípios que não pagam, têm estados que não pagam e ainda têm ausências de leis como a lei do Sistema Nacional de Educação que até hoje não foi aprovada. A regulamentação para melhor financiar a educação pública até hoje não foi regulamentado, a própria lei específica de ação democrática em cada município, em cada estado até hoje também não existe. Então, essas ausências como também ausência da lei de políticas e de carreiras, diretrizes nacionais de carreira também não existem, mas deveriam existir. Toda essa ausência causa também um cenário ainda sem garantir o acesso, a permanência, a conclusão dos estudos e a valorização dos profissionais da educação.
Qual o déficit de professores na educação brasileira?
Hoje temos 2,2 milhões de professores e professoras, infelizmente, mais da metade em contratos temporários, não foram concursados. Isso é um crime que os governos cometem porque a Constituição Federal diz que a área de escola pública tem que ser exclusivamente através de concurso público. Esse grupo de professores atende hoje na educação básica 47 milhões de estudantes e como nós temos 80 milhões de pessoas sem acesso à alfabetização, à educação básica e sem concluir os seus estudos, então, para chegar a atender o universo do direito à educação, que são 120 milhões de pessoas seria preciso 6, 5 milhões de professores.
Como atrair um maior contingente de profissionais para a educação?
Temos uma carreira com baixos salários, que está sendo desrespeitada dentro da sala de aula. Você tem um processo de violências muito grandes de estudantes contra professores e também contra os funcionários da educação. Então, o ambiente não estimula a juventude a procurar licenciatura, a procurar ser professor. E os que procuram, os que tem licenciatura quando conclui vai usar esse título de nível superior para trabalhar em outra área que não seja a escola. Por isso, de fato, essa falta de estímulo profissional está ligada ao salário, às condições adequadas de trabalho, carreira, respeito a esse profissional. Tudo isso tira os jovens da perspectiva de querer ser professor e professora em nosso país.
Além dos baixos salários há outros empecilhos para um melhor desempenho na carreira?
Um terço dos 2,2 milhões de professores são acometidos por doenças profissionais devido ao ambiente inadequado para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem. Temos salas de aulas com um calor insuportável, sem limpeza, ventilação, salas apertadas e há ainda salas em que o professor não tem a cadeira para sentar, ele em pé. Quero dizer, a professora que é maioria, ela fica em pé o tempo todo.
As pesquisas mostram que a categoria é acometida por várias doenças profissionais que terminam por afastar esse profissional do local de trabalho. E o maior número de doenças que afastam principalmente professores e professoras do local de trabalho têm a ver com as doenças mentais. Que está relacionado também com a pressão que nós estamos sofrendo fortemente pela terceirização e as avaliações externas que chegam até a escola. Então, nós fomos pressionados pela prova do SAEB [Sistema de Avaliação da Educação Básica], pelo resultado do IDEB [ Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], pelo resultado do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Toda essa pressão sobre o profissional termina também o adoecendo.
Como a CNTE vê a questão da militarização e privatização das escolas?
Nós nos colocamos contrários nos processos de privatização e mercantilização da educação pública. Quando você entrega a gestão de uma escola pública a militares aposentados é importante que a população entenda que está tirando o dinheiro da educação e está indo colocar no Ministério da Defesa ou nas secretarias vinculadas à segurança dos estados. A maior parte da verba vai para pagar salários a militares já aposentados, que já recebem do Estado a sua aposentadoria para fazer a gestão de escola num regime que não há fase legal e um regime que coloca os nossos estudantes com regras militares, que esses estudantes não escolheram fazer
Como funcionam as escolas militares?
Na verdade, as escolas militares não existem. O que estão fazendo é colocar militares aposentados no lugar de professores, sem pedagogia alguma e essas crianças não sairão militares dessas escolas. É apenas um regime militar que impõe aos estudantes uma forma de se comportar, de cuidar do mundo de uma forma que não respeita a democracia, que não respeita o cidadão. A forma militar não traz respeito ao cidadão, ela é muito pesada, muito criminosa na forma de fazer a formação dessas pessoas. É um abuso que essas escolas sejam transformadas em escolas militarizadas.
O que a CNTE pensa sobre a educação domiciliar?
Existe até um projeto que foi aprovado na Câmara, mas está estacionado no Senado, mas a gente defende que o aluno tem que ir pra escola porque fazer a família pagar o professor para ir de casa em casa, para cuidar dos seus filhos, é uma forma de privatizar a educação pública em nosso país.
E por que a privatização é prejudicial?
A privatização já está ocorrendo em localidades como o Paraná em que o governador quer entregar a escola pública à iniciativa privada, ganhando muito dinheiro público para fazer a gestão. Tudo isso são formas que penalizam e prejudicam a escola pública em nosso país. Consequentemente prejudica outros profissionais da educação e isso recai sobre os nossos estudantes que não têm um bom desempenho por conta mercantilização da escola pública. Esse é um projeto da elite do dinheiro, projeto de quem quer continuar mandando no país sem ouvir a sua maioria, é isso passa por descaracterizar escola pública. É por isso que hoje nós temos 54% de contratos temporários de professores e professoras e mais da metade sem concurso público. É por isso que o serviço de alimentação escolar, limpeza da escola, segurança, o porteiro da escola, a merendeira, o administrativo, professores, direção da escola são terceirizados sem concurso público, nem tem valorização com salário decente, com carreira.
E quais as consequências da privatização para os estudantes?
Tudo está sendo entregue ao setor privado como forma de descaracterizar a atuação da escola pública e essas consequências são graves quando você olha os resultados. Só metade das crianças até o terceiro ano do ensino fundamental é alfabetizada. E quando você olha os municípios, nós temos mais de 50 denominações diferentes para aqueles que atuam na creche e na pré-escola. Os municípios contratam
Porque governos neoliberais econômicos insistem na privatização do ensino público?
É aquela regra de que não tem emprego pra todo mundo, não tem espaço pra todo mundo. Nós ouvimos, no governo passado, na época de Jair Bolsonaro, os ministros da Educação e o da Economia dizerem que a universidade pública não tem espaço pra todo mundo. Ela tem espaço para poucos. Então, essa elite do dinheiro em nosso país, conservadora, que concentra renda, terras e os meios de comunicação, diz que não dá para todos viverem com dignidade. Então, vamos cuidar só de alguns, que vai ser o empregado qualificado, o empregado que vai gerar dinheiro pro patrão. O restante vamos deixar na escola pública pra pobre, né, pra que seja aquele servicial dessa minoria, que é essa elite do dinheiro.
Somos uma sociedade que concentra renda, que é altamente desigual. O Brasil é um dos países com maiores índices em desigualdade social. Então é uma perseguição enorme dessa elite contra a população brasileira para manterem o status quo.
É possível reverter essa situação atual da educação pública no Brasil?
Todos os países que tem um alto índice de desenvolvimento fez um alto investimento em educação. Garantiu a sua formação técnica ou profissional de nível superior. Então, é importante que o Brasil também compreenda isso. O presidente Lula fala isso todo tempo, mas não depende só dele porque as leis são definidas pelo Congresso Nacional e, por isso, é importante que as pessoas saibam votar em deputados, vereadores e prefeitos que de fato tenham uma gestão ou uma atuação pensando na qualidade de vida de todo o povo e não apenas de uma parte menor. Por isso, a pressão popular, cobrando, exigindo que os direitos sejam garantidos é necessária para a gente fortalecer cada vez mais a educação em cada município do nosso país.