Escrito por: Ednubia Ghisi, Brasil de Fato | Curitiba (PR)

“É tempo de fazer vigília permanente”, diz coordenador do MST sobre despejos no PR

Inspiradas na Vigília Lula Livre, famílias sem terra tornam a resistência “um processo diário e coletivo”

Diangela Menegazzi

Menos de dois meses depois do fim da Vigília Lula Livre, em Curitiba, o Paraná se torna palco de mais uma vigília por justiça. Em Cascavel, às margens da rodovia BR-277, famílias integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciaram uma mobilização diária para denunciar novas ameaças de despejo impostas pelo governo Ratinho Junior (PSD).

Ao todo, 212 famílias enfrentam a angústia do risco de destruição de suas casas, lavouras, igrejas e espaços de convivência construídos ao longo de cerca de 20 anos. As três comunidades ameaçadas são Resistência Camponesa e Dorcelina Folador, ambas criadas em 1999; e a comunidade 1º de agosto, de 2004.

Inspirada na experiência de mobilização permanente pela liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Vigília Resistência Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade começou em pleno período de festas de final de ano, no dia 28 de dezembro, pois a ordem de reintegração de posse havia chegado no dia 15.

Entre os agricultores ameaçados de despejo estão dezenas de participantes da Vigília Lula Livre, que recebia brigadas de integrantes do MST de todo o Paraná a cada 15 dias. Um deles é Adair Gonçalves, primeiro nome da lista de agradecimentos lida por Lula no dia 8 de novembro de 2019, quando foi libertado. Daio, como é conhecido, integra a coordenação estadual do MST e foi uma das referências do movimento na Vigília Lula Livre

Durante os 580 dias da prisão de Lula na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, Daio passou mais tempo em Curitiba do que em casa, no acampamento Resistência Camponesa. “A luta contra a prisão de Lula foi uma decisão política do MST em todo o Brasil e a nossa região, aqui no oeste, estava organizada para ajudar. Assim que recebemos a notícia de que ele estava sendo preso, no dia 7 de abril, viajamos à noite e chegamos no dia 8 para somar na resistência”, relembra, voltando às memórias de abril de 2018.

Assim como foi a vigília de Curitiba, o coordenador do MST explica que a mobilização em Cascavel quer denunciar uma injustiça cometida pelo próprio Estado. “O momento é muito difícil para toda a classe trabalhadora, por isso é tempo de fazer vigília permanente. É a forma de tornar a resistência um processo diário e coletivo, que ajuda a alimentar a nossa esperança”, garante.

Espaço de troca e solidariedade

O principal estímulo para a permanência da Vigília Lula Livre ao longo de 19 meses foi a visita de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo, diariamente. “A gente recebia esse apoio e ficava mais forte, mais confiante. Queremos buscar aqui para a nossa luta essa mesma energia que tinha lá em Curitiba, essa troca constante, para que os visitantes voltem com mais vigor e também deixem a gente com mais esperança”, conta Daio.

Os apoios têm chegado desde o primeiro dia de mobilização no oeste, quando mais de 300 pessoas participaram na abertura da vigília. Todos os dias, se juntam às famílias acampadas agricultores assentados na região e amigos vindos do meio urbano de Cascavel, além de pessoas de outros municípios e estados brasileiros. Lideranças religiosas, políticas e de outros movimentos sociais são presenças frequentes no local.

As manifestações de solidariedade chegam também pela internet. É o caso de personalidades nacionais como Frei Betto e o cantor pernambucano Otto, que enviaram vídeos de apoio às famílias.

Vigília camponesa

Para quem cresceu no campo, a principal dificuldade de passar longos períodos na capital foi estar longe da “rotina típica da roça, do contato com a terra, da conversa com os vizinhos e da comida feita no fogão à lenha”, relembra Adair Gonçalves. Esta pode ser a principal diferença no dia a dia das duas vigílias.

A mobilização em Cascavel é marcada pela participação de pessoas que se conhecem há tempos, são vizinhas, parentes e “compadres” uma das outras. O chimarrão e o tererê (bebidas preparadas com erva-mate) são frequentes entre uma roda de conversa e outra. A cultura camponesa também se expressa no almoço coletivo, preparado em uma cozinha improvisada no próprio local, com ingredientes trazidos das hortas e roças das famílias – a maior parte orgânicos.

Até mesmo o típico churrasco fogo de chão já esteve no cardápio, no dia 1º de janeiro, para comemorar a chegada do ano novo. Neste dia, o som de uma gaita e de um violão se misturaram ao barulho da beira da estrada. Camponeses e visitantes se revezaram na cantoria de clássicos da moda de viola, como a música “Grande Esperança”, composição de Goiá e Francisco Lázaro conhecida de norte a sul do Brasil como hino da reforma agrária. “A classe roceira e a classe operária / Ansiosas esperam a reforma agrária / Sabendo que ela dará solução / Para situação que está precária”, diz um trecho da canção.

A rotina da vida dos trabalhadores do campo foi decisiva para definir o horário da vigília. Por ser uma região de temperaturas quentes durante o verão, as primeiras horas da manhã e o final da tarde são ideais para o trabalho na lavoura, por isso a mobilização diária se concentra entre 10h e 15h, à altura do km 557 da BR-277.

Durante o ano de 2019, o governo de Ratinho Junior executou nove despejos e deixou cerca de 500 famílias camponesas desalojadas. “Fico imaginando como foi o final de ano deles, como foi o Natal. Não queremos isso pra nós. Não quero pra mim, nem para os meus amigos e vizinhos. Se acontecer, vai cada um pra um lado? Vamos continuar juntos?”, questiona Daio.