“É tempo de lutar, não de buscar culpados", diz Mujica
Em visita ao Brasil, ex-presidente do Uruguai fala sobre cenário político
Publicado: 27 Abril, 2016 - 18h47 | Última modificação: 28 Abril, 2016 - 11h40
Escrito por: CUT-SP - Vanessa Ramos
Em tempos de crise política, o ex-presidente do Uruguai José ‘Pepe’ Mujica, hoje senador em seu país, concedeu entrevista exclusiva a veículos alternativos nesta quarta-feira (27), em encontro organizado pela CUT, Fundação Perseu Abramo e Confederação Sindical das Américas (CSA).
O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, no centro da capital paulista, sediou a atividade. Ao ser questionado sobre o golpe arquitetado por setores da direita no Brasil, ele não quis falar sobre o que faria se estivesse no lugar da presidenta da República, Dilma Rousseff, mas aproveitou a ocasião para sugerir caminhos aos movimentos sociais.
“Nunca triunfamos totalmente e não há um prêmio no final de cada vida, seja individual ou coletivo. Mas temos que ter uma unidade estratégica já que existe um acúmulo de contradições, que é um processo natural da sociedade. E é preciso viver com causa, sentimento e compromisso”, disse.
Citou que além do Brasil, países como a Venezuela e a Argentina enfrentam a ofensiva do conservadorismo, mas, reforçou, que “é tempo de lutar, não de buscar culpados”.
Consciência política
Ao falar sobre o crescimento econômico que alguns países latino-americanos tiveram, a exemplo do Brasil, Mujica também destacou que o aumento do poder aquisitivo não significa necessariamente o aumento da consciência política.
Para ele, a politização da sociedade é o primeiro passo. “A riqueza mais importante é o conhecimento”, afirmou. Ele alertou também para o fato de que a classe média ascendeu, mas “não se dá conta que emergiu pela política, não por obra do espírito santo”, ironizou.
Pepe lembrou que a corrupção, motivo criado pela direita brasileira para derrubar Dilma, mesmo sem ter provas, “é um problema da sociedade brasileira e não do PT. A corrupção é tão velha quanto o Brasil”, pontuou.
Mujica, ainda, mandou um recado aos partidos políticos de esquerda, sugerindo que atuem de forma horizontal. “Devem aprofundar a democracia e tomar decisões que todos os companheiros entendam de fato”, provocou.
Direitos e mídia
Quando um país está em crise, disse o ex-presidente do Uruguai, os setores mais ricos querem imediatamente cortar gastos sociais e diminuir salários. “A briga se dá por ter de repartir. Essas são as ameaças”, afirmou, ao se referir à classe trabalhadora e à sociedade de modo geral.
E aproveitou a ocasião entre comunicadores para criticar a postura dos veículos da grande mídia. “As empresas de comunicação são empresas e os seus clientes não são de esquerda. Não existe neutralidade e o olhar se dá através de uma realidade vista por olhos ideológicos”, pontuou.
Também comentou sobre a Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual do Uruguai, que estabelece limites aos grandes meios de comunicação do país. Apesar de ter sido aprovada em sua gestão como presidente, ela ainda sofre pressão de setores conservadores. “A Justiça nada mais é do que uma construção histórica de uma determinada sociedade”.
Aborto e maconha
Como de praxe, Mujica falou sobre as políticas públicas conquistadas no Uruguai, como a legalização da maconha e do aborto. “Ninguém é a favor do aborto, mas o aborto continua existindo. E a legalização significa atender esta questão que atinge principalmente as mais pobres”, explicou.
Sobre a legalização da maconha, Mujica relatou que muitos foram os anos de perseguição, repressão e prisão no país e que a medida tomada pelo governo é, na verdade, um combate ao mercado das drogas. “Vamos deixar o narcotráfico sem mercado. Não somos a favor de nenhum vício, mas se mantermos escondido, não sabemos quem são os viciados e a ajuda que podemos dar. É um problema de saúde pública”, concluiu.