Escrito por: Rosely Rocha
Dirigente da CSA e de Relações Internacionais da CUT-Chile em visita ao Brasil falou como foi possível derrotar a extrema direita em seu país e por que é importante para a América Latina a eleição de Lula
Como a esquerda do Chile venceu um candidato de extrema direita nas eleições presidenciais do país, entender a expectativa da população de uma vida melhor com um governo socialista e o interesse dos latinos americanos na volta do ex-presidente Lula à presidência, foram alguns dos temas debatidos na sede da CUT Nacional, entre dirigentes brasileiros e a Secretária de Desenvolvimento Sustentável da CSA e de Relações Internacionais da CUT-Chile, Bárbara Figueroa, durante sua visita, nesta quinta-feira (17).
A dirigente falou sobre os percalços que os partidos de esquerda tiveram de enfrentar contra um candidato claramente de extrema direita, saudosista do regime ditatorial de Augusto Pinochet, que entre outras medidas neoliberais que sufocaram os trabalhadores e trabalhadoras, implantou a reforma da Previdência, levando os aposentados à míngua e à fome com seu sistema de capitalização, que o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, tenta implantar no Brasil.
Bárbara destacou a união de uma frente ampla de esquerda que elegeu o novo presidente do Chile, Gabriel Boric, empossado na última sexta-feira (11) e, que já em sua primeira coletiva oficial na segunda-feira (14) manifestou apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e expressou diferença ideológica com Jair Bolsonaro (PL).
“Temos uma coincidência com Lula da Silva, com Dilma [Rousseff], com o Mas [Movimento ao Socialismo] na Bolívia”, afirmou. “É evidente para todos que somos radicalmente distintos de Bolsonaro, mas isso não significa que devemos cortar relações com o Brasil”, disse na entrevista, segundo a Carta Capital que cobriu a posse de Boric.
Sobre o apoio dos governos de esquerda a Lula, Figueroa lembrou que a experiência do ex-presidente brasileiro, que lutou pela integração da América Latina, em prol da paz e dos trabalhadores do continente, é fundamental num momento em que o mundo vive uma “radicalização” ideológica, entre esquerda e direita.
“Lula é importante pela América Latina pelo conhecimento que tem do mundo, da sua capacidade de conversar, de fazer alianças e acordos que sejam do interesse do Brasil e dos demais países, bem como os dos seus trabalhadores”, disse.
A dirigente da CSA ressaltou ainda a importância das próximas eleições na Colômbia, e como a união dos governos e a interação da América Latina é importante para o fortalecimento da economia do continente, hoje em parte dependente de tratados internacionais que envolvem o comércio global.
Embora Lula seja o favorito nas próximas eleições presidenciais, segundo as últimas pesquisas, Figueroa alertou sobre os percalços da campanha difamatória da extrema direita com fake news (notícias falsas), do apoio de parte da mídia tradicional e do empresariado, como Boric enfrentou no Chile.
“Embora em menor nível do que o Brasil, as fakes news também foram uma ferramenta da extrema direita, que conseguimos combater, utilizando também as redes socias, inclusive, o tik-tok, mas a virada de jogo foi levar aos mais distantes lugarejos a nossa palavra, de como era importante derrotar a extrema direita para que tivéssemos futuro. Na campanha saímos em caravana de ônibus visitando as comunidades e expondo por que a democracia estava em risco e por que era importante a eleição de Boric”, contou Figueroa.
A virada no segundo turno no Chile
Boric, ex-líder estudantil, havia ficado em segundo lugar no primeiro turno, com 25,82% dos votos e o candidato da extrema direita, o advogado José Antônio Kast teve 27,91%. No segundo turno veio a virada, com Boric alcançando 55,9% dos votos, contra 44,1% de Kast. Seu oponente reconheceu a derrota e o parabenizou pela vitória.
A virada no segundo turno ocorreu exatamente pela união das esquerdas e também pela capacidade de levar ao povo chileno, onde o voto não é obrigatório, o quão era importante naquele momento, votar no segundo turno em prol da democracia. Segundo Figueroa, foram os votos de boa parte da população, em sua maioria mulheres, que não votou no primeiro turno, os responsáveis pela virada de Boric.
A atuação dos sindicatos em apoio a Boric também foi de suma importância para que os trabalhadores chilenos se posicionassem em favor de um governo de esquerda.
“Desde a década de 1990, as diversas manifestações de universitários, trabalhadores e outros segmentos da população, eram atendidas em parte e culminou nos atos de rua em 2019 com a revolta da população pelo aumento nos preços das passagens do metrô”, contou Figueroa.
À época, mais de um milhão de pessoas saíram às ruas, em apoio aos protestos. A partir daí, outras reivindicações foram incorporadas, como mudanças estruturais em setores como saúde, educação e previdência social, levando o país a escrever uma nova Constituição.
Em maio do ano passado, os chilenos foram às urnas escolher os 155 parlamentares, responsáveis por redigir a nova Constituição do país. A nova Carta, que ainda está sendo escrita, substituirá a atual, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
O papel dos sindicatos
Outro ponto ressaltado por Barbara Figueroa é que o “inimigo” foi derrotado, mas continua vivo e, por isso é importante entender que a expectativa, o imediatismo de uma vida melhor, tem de ser entendida pelas novas autoridades que precisam agir para que a população entenda que a transformação da sociedade levará mais tempo, num mundo tão radicalizado.
“A expectativa não tem a ver com racionalidade, mas com uma necessidade, uma urgência, até de fundo emocional, que temos de estar atentos. E essa é também uma oportunidade para gerar mudanças no movimento sindical”, ressaltou.
Assim como no Brasil, os trabalhadores do Chile vivem com precarização, sem trabalho decente e com o aumento da pobreza e da desigualdade social, além de novas relações de trabalho como o home office e das plataformas digitais avançando cada vez mais, sem oferecer direitos, mas explorando a mão de obra de quem mais precisa.
“Temos novos desafios no movimento sindical que para atingir esses novos segmentos também tem de mudar, de ir em direção a esses trabalhadores”, afirmou.
Estiveram presentes no encontro os dirigentes da CUT Nacional, Roni Barbosa (Secretário de Comunicação), Juneia Batista (Secretária da Mulher Trabalhadora); Quintino Severo Secretário-Adjunto de Relações Internacionais) e Aparecido Donizeti da Silva (Secretário-Geral Adjunto).