Moradores exigem prioridade nas obras da ponte do Guaíba
Desalojados denunciam o descaso em audiência pública com Paim
Publicado: 22 Julho, 2016 - 10h00 | Última modificação: 22 Julho, 2016 - 17h41
Escrito por: CUT-RS
Em pleno recesso parlamentar, o deputado estadual Adão Villaverde (PT) foi o anfitrião da Assembleia Legislativa do RS que conduziu a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), sobre o reassentamento de cerca de 5 mil pessoas que serão desalojadas pelas obras da segunda ponte do Guaíba, em Porto Alegre.
O encontro, que lotou o plenarinho do parlamento gaúcho, buscou uma solução para moradores das ilhas e dos bairros Farrapos e Humaitá, na zona norte da cidade, que devem ser alojados em novas áreas de habitação. “A ponte é importante para o Estado, mas a situação dos moradores é prioridade absoluta”, definiu Paim. “Inclusive é preciso considerar a questão dos empregos vinculados à localização, como a reciclagem que tem galpões nas regiões”.
Conforme Villaverde, como não é possível dissociar a obra de engenharia da questão social dos moradores, é preciso desbloquear a paralisação no processo de reassentamento, já que o governo interino anunciou a liberação de R$ 100 milhões para o empreendimento e a retomada das obras em agosto.
Moradores querem agilidade e transparência
Os moradores querem que a situação seja resolvida antes da obra chegar na área terrestre. “Se isto não acontecer não vamos deixar pregarem uma só estaca na terra”, advertiu Liane Souza Farias, moradora das ilhas.
Ela denunciou o descaso com a população das áreas envolvidas. “Trouxeram gente de fora para tocar a obra, os haitianos são tratados como escravos com péssimas condições de trabalho”, denunciou. Liane disse também que a comunidade está cansada de ir em inúmeras reuniões com órgãos públicos e nada ser resolvido. “Ficam empurrando um para o outro”.
O líder comunitário Querildo Edson de Oliveira, da Vila Tio Zeca, acentuou que ninguém sairá das casas sem uma solução para todos. “Sabemos que a obra é importante para todo o Mercosul, mas falaram que quando começassem a construção, já estaríamos nas nossas casas. E até agora nada.”
A moradora da ilha Beatriz Gonçalves Pereira, a Bia, disse que não aceitarão mudanças do governo golpista em relação aos acordos celebrados com a presidenta Dilma Rousseff. “Ninguém mais enrola o povo com promessas vazias”, reiterou.
Prioridade para reassentamento das famílias
Já a promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MP-RS, Ana Maria Moreira Marchesan, abordou a questão ambiental, destacado que a área em questão é de proteção ambiental. “O meio ambiente sempre aparece como entrave para o desenvolvimento econômico. Por isso, a nossa atuação hoje se faz necessária, já que não pensam na questão ambiental antes.”
Ana Maria acredita que o dano causado nas famílias que convivem com a incerteza é irreparável. “Há ingerência política nos planos de manejo, fora os inúmeros prazos que a justiça já concedeu para finalizar esses planos e, enquanto isso, essas famílias estão no limbo, sem qualquer informação sobre o que vai acontecer com as suas próprias vidas.”
Os representantes da Defensoria Pública da União, Patrícia Bettin Chaves e Geórgio Carneiro, da Rosa enfatizaram que a prioridade é com as famílias. “Já visitamos os locais, estamos em processo de colher as informações, conversar com a comunidade e identificar as preocupações”, contou Patrícia.
Geórgio afirmou que é fundamental que as famílias sejam priorizadas por todas as dificuldades que uma obra deste porte acarreta. “Gostaríamos que este recurso de R$ 100 milhões fosse destinado para as moradias”, defendeu. Para ele, também é importante a maneira como esse processo será feito. “Queremos que seja concedido direito de escolha para os moradores.”
Diretor adjunto do DEMHAB, Marcos Rafael Gomes Botelho declarou que num processo como este “só há avanços quando ouvimos e construímos com as pessoas”, mas não trouxe nenhuma proposta da Prefeitura para agilizar o reassentamento.
O procurador do DNIT, Alcemar Cardoso da Rosa, minimizou a situação, classificando como “mais uma obra do DNIT”. Ele relatou casos que julgou mais complicado, como a duplicação da BR 101, onde havia uma área de 100 quilômetros para desapropriações e passando por sete cidades. “E hoje a 101 está aí”, exemplificou.
Segundo o procurador, os moradores ainda não foram procurados porque ainda não chegou a hora. “Vocês podem ficar tranquilos, que não haverá construção nas ilhas sem a contrapartida”, garantiu.
O engenheiro do DNIT, Diego Souto, por sua vez, afirmou que as áreas para onde as famílias irão já estão definidas e o Departamento “está tomando todas as medidas necessárias.”
O representante do CREA, Miguel Vieira, explicou que o Conselho atua na fiscalização e criticou os entraves ambientais para regulamentar as áreas.
Ausência de Lasier, da Ana Amélia e do representante de Sartori
O presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, lamentou a ausência dos outros dois senadores gaúchos e do governo do Estado em uma audiência oficial do Senado da República. “Sartori fugiu e se entocou”, criticou estendendo a contrariedade à Prefeitura, que não explicou claramente o que lhe compete.
Claudir também criticou a falta de detalhamento do DNIT sobre a destinação da verba de R$ 100 milhões. “Serão usados somente para fazer concreto ou para as pessoas que vivem e trabalham nas ilhas?”, interrogou.
“Estamos aqui e acompanhamos este tema porque há inúmeros trabalhadores que vivem na região e que necessitam de moradia digna”, salientou o dirigente da CUT-RS, enfatizando que “obra boa é a que deixa todo mundo feliz.”
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção de Estradas, Izabelino Garcia dos Santos, disse que, apesar dos discursos, “o que parece é que a única preocupação é construir a ponte”. Ele reclamou que quando o Sindicato vai até o local das obras é recepcionado pela Brigada Militar. “Onde há trabalhadores e gente pobre, tem polícia”, denunciou.
Izabelino falou também das condições precárias que os trabalhadores estão enfrentando. “Recebem salários baixos e ficam alojados em peças de 3×4 metros até com 18 pessoas, fora a comida, servem um pedaço de carne com menos de 100 gramas”. O dirigente sindical foi enfático. “Queremos a obra, sabemos de sua importância, mas, antes de tudo, queremos dignidade para os trabalhadores e para os moradores”, disse.
Termo de compromisso
No final, Paim leu o que chamou de “termo de compromisso” com sete propostas de encaminhamento colhidas no debate:
- avaliar o ingresso de ação popular;
- criar o Plano Diretor das Ilhas;
- destinar maior parte dos recursos de R$ 100 milhões principalmente para realocação e construção de moradias para as famílias afetadas;
- garantir 50% dos empregos nas obras da construção da ponte para aproveitamento da mão de obra dos moradores;
- assegurar o recadastramento com a participação das lideranças e associações de moradores;
- obras não terão continuidade nem um milímetro nas terras onde estão as famílias, enquanto não for resolvida a questão da moradia;
- agendar a continuidade do debate em uma comissão constituída por moradores, CUT-RS, Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção, DNIT, Demhab, Construtora Queiroz Galvão, Senado, Assembleia Legislativo, governo do Estado, Prefeitura, Crea-RS, Ministério Público e Defensoria Pública da União.
O ex- deputado e ex-prefeito da capital Raul Pont também acompanhou o debate.