Escrito por: Luiz Carvalho

Em audiências na Câmara, domésticas...

Para deputada Benedita da Silva, mudanças na legislação devem envolver discussões amplas para que não virem letra morta

 

Rosane (segunda da esquerda para a direita) alertou que mudanças na legislação devem vir acompanhadas de políticas públicasAvental virou uniforme de luta nessa quarta-feira em Brasília
Nessa quarta-feira (16), um grupo de trabalhadoras domésticas vestiu o avental e foi à luta. Porém, dessa vez, a batalha foi bem longe das casas onde lavam, passam, cozinham e cuidam das crianças.

Cerca de 40 mulheres ocuparam a Câmara dos Deputados para cobrar a igualdade de direitos com os trabalhadores de outros setores. Na pauta, o ponto principal era comprometer os parlamentares com a ratificação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho. Aprovada em junho do ano passado, a medida garante que a maior categoria profissional do país, formada por mais de 7 milhões de empregadas, possa ter os mesmos direitos que as demais, como receber hora extra, adicional noturno e ter folgas semanais.   

Pela manhã, o grupo formado em sua maioria por representantes das CUT, da Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) e da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas) ocupou o plenário 12 da Câmara. Lá, além de distribuir uma carta em que citavam a importância da ratificação da 189 (clique aqui para ler) também participaram de audiência pública da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, que discutiria o Projeto de Lei n° 7279/2012, da deputada Serys Slhessarenko (PT-MT), sobre a definição de diarista.

O PL aponta que diarista é aquela que trabalha até dois dias por semana para a mesma pessoa e recebe o pagamento ao final do dia. A Central, a Contracs e Fenatrad não concordam com essa posição e destacam que se há uma periodicidade semanal, por exemplo, já é trabalho doméstico, com acesso, portanto, aos mesmos direitos que as demais já possuem.

Ao final, a votação foi adiada e ficou acordado que a CUT e as outras centrais presentes – Força Sindical e UGT – elaborarão um documento a ser entregue para a comissão com o objetivo de tentar um acordo entre as lideranças.  

Brasil tem obrigação de ratificar 189 para igualar direitos das trabalhadoras domésticas aos demaisDemocratização da legislação
À tarde, as trabalhadoras compareceram à audiência pública sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 478/2010, que revoga o parágrafo único do artigo 7.º da Constituição para estabelecer igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores.

Ao falar sobre a necessidade de alterar a legislação brasileira, a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, citou a necessidade de considerar o modelo de sociedade em que as regras são definidas. “Vivemos em uma sociedade machista a patriarcal, que considera o trabalho doméstico algo inerente às mulheres e, portanto, pode-se precarizar, pagar pouco. Para mudar isso precisamos olhar para os pilares do mundo em que vivemos, quando 93% das domésticas são mulheres e mais de 60% são negras e jovens, cuja primeira entrada no mercado de trabalho é pelo emprego doméstico, mesmo com uma legislação que garante às crianças o direito ao estudo”, destacou.

Outras frentes de luta – A dirigente apontou ainda que a ratificação da 189 é essencial para avançar na alteração do 7.º para incluir, também nesse item, a previsão de igualdade de direitos. “Programas são iniciativas de governo e governos passam. Agora, se há alteração na Constituição, isso fica”, explicou, destacando também a importância de a PEC prever o direito de organização sindical, ainda não garantido à categoria.

Porém, Rosane afirmou que essa mudança isolada não resolve o problema. Além de o Estado ter de tratar de alternativas para fiscalizar o trabalho decente nas casas, é necessário investir em políticas como restaurantes e lavanderias coletivas e creches públicas de qualidade. “Quando a trabalhadora doméstica vai à casa de outra mulher, não sabe como ficará seu filho. Porque o salário que recebe não tem condição de sustentar uma creche privada e o Estado não garante creche pública de qualidade”, avaliou.

Igualdade assusta – A cutista lembrou ainda a resistência dos parlamentares em votar o PL 6653/2009, da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que versa sobre a igualdade de gênero no trabalho. “A aprovação desse projeto não traria nenhum ônus ao Estado, mas, mesmo assim, está parado na Casa desde 2009 e não conseguimos aprovar par podermos instalar comissões de igualdade no ambiente de trabalho.”

Também presente na audiência, o deputado Marçal Filho (PMDB-MS), autor do PL 130/2011 que pune com multa empresas onde forem constatados salários diferentes para homens e mulheres exercendo a mesma função, ressaltou a dificuldade em vencer o setor patronal no Congresso. “O projeto foi aprovado na Câmara, no Senado e encaminhado para sanção da presidenta Dilma. Mas, por uma pressão da Federação das Indústrias, foi engavetado. E olha que estamos com uma mulher na presidência que tem a maior disposição para fazer isso”, falou.

Ampla discussão para evitar erros
Relatora da PEC 478/2010, a deputada federal Benedita da Silva afirmou que a demora do Brasil em ratificar a 189 se deve ao fato de o país já possuir uma legislação sobre o tema. Mesmo que ainda com desigualdades. “Temos a legislação mais ampla da América Latina na proteção dessas trabalhadoras, não só no parágrafo primeiro do artigo 7º, mas também em leis complementares. Os demais países não tem uma referência sequer e por isso começam a tratar de uma norma que pudesse ressaltar os direitos das domésticas”, analisou.

Para a parlamentar, o debate deve ser amplo para servir de referência aos empregadores e não fazer com que a PEC e a 189 virem “letra morta”. “Estamos trabalhando junto à presidenta Dilma, que quer ratificar. Estamos na fase de negociação, discutindo com o governo, que precisa se colocar em relação a essa comissão. E fazendo audiências, discutindo regionalmente, porque temos que tratar de diversos temas. Como não levar em conta, por exemplo, aspectos raciais e de gênero?”, questionou.

Por fim, Benedita lembrou de sua responsabilidade no trato da proposta, principalmente como ex-trabalhadora doméstica, e citou o orgulho que cada uma ali presente deveria ter ao falar da profissão que exercem. “Eu sou uma excelente profissional na área doméstica e não podemos esquecer que somos excelências de um trabalho honroso.”