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Em conversa franca, Mano Brown faz conexão entre Lula e a juventude

Interlocutor de segmentos jovens da população, rapper tratou em entrevista de temas importantes que aproximam o petista da nova geração

Publicado: 09 Setembro, 2021 - 09h40

Escrito por: Felipe Mascari | RBA

Jef Delgado/Divulgação
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A franca conversa entre o rapper Mano Brown e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no podcast “Mano a Mano” desta quinta-feira (9), é uma reconexão entre a juventude ‘rebelde’ com a política brasileira. Com um “convicto” Lula e um “sincero” Brown, o papo expôs erros e acertos das gestões petistas e, principalmente, apontou novas possibilidades de futuro para o Brasil.

Mano Brown, que apresenta o programa, iniciou classificando o dia como “mais do que especial” e apresentou o ex-presidente como o “nosso Lula da massa”. Na conversa que flutuou entre passado e presente, o integrante do Racionais lembrou que, aos 14 anos, já tinha empatia com o PT, mesmo sem noção política. Diante da pobreza que vivia, Brown afirma que já enxergava o partido como uma possibilidade de mudança.

Apesar de reafirmar e demonstrar sua simpatia com o partido e com Lula, o rapper levantou temas como a “branquitude” da esquerda, apontou falhas das gestões com a periferia e, obviamente, relembrou do marcante discurso crítico ao PT, em 2018, durante o ato pró-candidatura de Fernando Haddad.

Interlocutor de um segmento da população, Mano Brown colocou o dedo na ferida não apenas como uma maneira de trazer a resolução sobre alguns assuntos importantes, mas principalmente criar uma intermediação entre Lula e a nova geração. Em poucos minutos de conversa, ele disse que é possível notar a convicção nas fala do ex-presidente e acrescentou sobre a necessidade de reapresentar o petista para os jovens que cresceram neste século.

“Minha geração vê você como o candidato que perdeu três eleições, enquanto a nova geração te vê como a situação, o presidente. Você fez quase um milagre no Brasil, mas os jovens não te conhecem ainda”, afirmou Mano Brown. “Ou me conhecem pelas últimas mentiras contadas”, respondeu Lula.

A rebeldia como construção

O começo do programa tratou do passado. Membro de um grupo consagrado na música nacional, Brown perguntou o que motivou Lula a criar seu grupo também histórico: o PT. O líder político lembrou que, ao se deparar com um Congresso Nacional sem representantes da classe trabalhadora, fez sua mobilização política. O petista afirma que a juventude rebelde, que o rapper representa, é capaz de promover as mudanças que desejam na sociedade, sem negar a política.

“Eu sei o que é uma juventude rebelde, porque vi a fome de perto enquanto era jovem. Então, eu falo para o seu público jovem que, quando acharem que Lula não presta, ninguém mais presta, seja a solução do próprio problema. Preste você, seja você o cara o bom, pois foi essa a descoberta que fiz em 1978″, disse o ex-presidente.

Em seguida, o apresentador pede para que o petista explique para o jovem, numa linguagem simples, a política e a diferença entre esquerda e direita. “A esquerda é um agrupamento político preocupado com a causa social e assistência aos oprimidos, enquanto a direita é um segmento conservador que defende interesse dos ricos. A esquerda tem compromisso social e a direita, com o conservadorismo”, respondeu o entrevistado.

Brown, então, faz uma provocação e diz que a direita atual se coloca ao lado dos valores religiosos, da família, e defende que as pessoas trabalhem para manter o Estado. Como consequência, segundo ele, as pessoas associam a esquerda como contrária a esses temas.

Lula explicou que a direita não quer um Estado forte, mas que sirva aos interesses do capital. Para ele, a única pauta que uma convergência entre os dois espectros políticos é a defesa da democracia. “Eles não querem as estatais, por exemplo. Hoje, eles discordam do Bolsonaro, mas não são contra o Paulo Guedes. Tudo que Guedes pensa é para destruir o país, vendendo tudo que é público, sem buscar construir uma sociedade justa. Então, é uma mentira que a direita quer um Estado forte”.

‘Lula, você tá pobre?’

Para alcançar essa reconexão, Mano Brown e Lula apresentaram uma conversa transparente sobre todos os assuntos. Em um deles, debateram o patrimônio do ex-presidente. O rapper lembrou que, durante anos, a riqueza foi associada ao petista e seus familiares, incluindo uma empresa de alimentos e um carro de ouro.

“Você foi presidente durante oito anos, então associam você e seu filho à riqueza. Você tá pobre?”, questionou Brown. Como resposta, Lula foi sincero e disse que, durante seus oito anos de governo, nunca teve aumento salarial. Depois de deixar a Presidência da República, começou a fazer palestras no exterior e, hoje, vive de um salário do PT.

Logo em seguida, o cantor perguntou qual o patrimônio do ex-presidente. “Meu patrimônio vem das palestras, que está retido. Tenho dois apartamentos de 70 metros quadrados, em São Bernardo, além do que eu moro de 190 metros quadrados, que comprei em 1998”, detalhou o ex-presidente. “Quanto vale esse apartamento que você mora?”, rebateu Brown. “Deve valer no máximo R$ 1 milhão”, respondeu Lula.

O entrevistado afirmou que nunca foi materialista e nem buscou deixar nada para os meus filhos. “A Marisa era contra isso”, diz Lula, que é interrompido por Mano Brown ao relembrar de uma história sobre luto. “Quando minha mãe morreu, a primeira pessoa que me ligou foi você. Fui fumar um cigarro para assimilar o golpe, e você me ligou. Isso nunca vou esquecer”, agradeceu o rapper.

Esquerda brasileira

Durante o podcast, Mano Brown e Lula também conversaram sobre religião, a ascensão do conservadorismo cristão nas periferias e a inversão dos valores da bíblia, representada pelo presidente Jair Bolsonaro. “Não acredito que o Deus de Bolsonaro seja o mesmo que o meu, que simboliza o amor e a fraternidade”, afirmou o ex-presidente. O rapper acrescentou que o tema decide eleições, como foi em 2018. “A religião que ele (Bolsonaro) prega, não é a mesma de Jesus, fazendo arma com a mão dentro da igreja. Quando foi que Jesus pregou armar a população ou matar 30 mil pessoas?”, questionou.

Assim como em suas letras, o integrante do Racionais conduziu o papo para temas mais incisivos. Brown citou uma foto da cúpula do PT com uma maioria branca e disse que críticos usam isso como o motivo da perda de representatividade do partido. “A esquerda é branca?”, perguntou.

O ex-presidente reconheceu que o embranquecimento da política é um problema histórico. “Você só colhe o que planta e a política sempre foi uma coisa branca, assim como as profissões mais rentáveis. A direção do PT tinha uma maioria branca, mas agora há uma evolução e, hoje, é o único partido com setoriais para negro, mulheres, LGBTs. Nossa ideia não é criar uma cota, mas dar igualdade de condições nas participações políticas”, explicou.

Para o rapper, apesar do discurso da esquerda tratar da igualdade, as pessoas enxergam a falta de firmeza de aplicar o tema na prática. “Eu tenho uma visão própria que a população negra busca manter suas tradições, sua família e propriedade. Coisas que foram negadas ao povo negro. Quando a esquerda branca ignora isso, o povo negro é atraído pela direta, porque isso está naquele discurso que falamos”, dissertou Brown.

O discurso de Brown em 2018

Em 2018, repercutiu o discurso incisivo do rapper Mano Brown durante o comício do então candidato Fernando Haddad. Naquele dia, o cantor disse que a eleição já estava decidida e criticou o PT por “não conseguir falar a língua do povo”.

Na conversa, o integrante do Racionais explicou o episódio. Ele lembra que Haddad estava subindo nas pesquisas de segundo turno e, apesar do segundo lugar, o ato “parecia uma festa”. “Quando cheguei lá, percebi que tínhamos perdido a eleição. Olhei para a plateia e não vi o povo que colocou o Lula no governo: a massa negra. Vi uma militância fiel, mas não os meus. Aquilo me revoltou, pois vi que tínhamos falhado ali. Eu tava com clima de velório, porque sabia que a derrota era fatal para a favela. Depois que desci, os negros que estavam trabalhando agradeceram. Aquilo me deu um nó na cabeça”, afirmou.

Lula, então, mostrou que levou a transcrição do discurso de Brown naquele dia. Na avaliação dele, com o crescimento do partido, houve uma mudança na relação entre o PT e a massa. “Eu acho ótimo quando as pessoas são verdadeiras e dão um choque de realidade. O teu discurso em 2018 é a verdade nua e crua. O PT se esqueceu do seu discurso originário, que buscava dar voz ao povo oprimido. Eu não vim de cima para falar com os de baixo. Eu vim de baixo e isso sempre fez o partido ser diferente.”

Antes de encerrar a conversa, os dois trocaram elogios. “Brown, você representa muito para uma parcela do povo brasileiro. Continue falando suas verdades. Assim como você, eu nunca menti para o trabalhador, sempre falei a verdade, mesmo doendo.”

Já Mano Brown lembrou que, apesar de apoiar os governos petistas, se orgulha do movimento Hip-Hop nunca ter se beneficiado diretamente. “O nosso movimento se doou para o PT incondicionalmente e não tivemos nada em troca, até porquê sempre fui contra qualquer benefício. A gente apoiou, e ainda apoia, o Lula, mas nunca foi por benefício algum. Para o hip-hop, não teve nada em troca, mas para o povo teve. E é para isso que o hip-hop existe”, finalizou.

O podcast “Mano a Mano” vai ao ar toda quinta-feira. Ao todo, são 16 episódios trazendo personalidades do esporte à política, da música à religião. O programa estreou no último dia 26 e já contou com a participação da rapper Karol Conká e do médico Drauzio Varella. O Pastor Henrique Vieira, o técnico Vanderlei Luxemburgo e o deputado Fernando Holiday são outros nomes já confirmados.