Em debate, Bolsonaro mente e ofende. Lula defende legado e evita ‘promessa fácil'
Em debate eleitoral na TV, no domingo (28), Ciro, volta a acusar Lula e bate boca com Bolsonaro, assim como Tebet. Soraya defende imposto único
Publicado: 29 Agosto, 2022 - 08h22 | Última modificação: 29 Agosto, 2022 - 11h49
Escrito por: Tiago Pereira e Clara Assunção, da RBA
Em cerca de duas horas e meia, o primeiro encontro entre candidatos à Presidência da República das eleições 2022 , serviu novamente para o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, mentir sobre a Petrobras e sobre “conquistas” de seu governo e atacar jornalistas e adversário, como forma de superar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no confronto para melhorar sua posição para a disputa de outubro. Ao fim do programa os candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet saíram com avaliações positivas, enquanto que Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Ávila (Novo) ocuparam papeis secundários na defesa intransigente de medidas liberais. O debate foi promovido por UOL, Band, Folha e TV Cultura.
A primeira pergunta foi da apresentadora Adriana Araújo, que quis saber dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) sobre propostas para lidar com o retrocesso na educação causado pela pandemia. Lula criticou a falta de dados pelo Ministério da Educação que indiquem a situação do retrocesso educacional nesse período. Também ressaltou que os alunos mais pobres foram os mais afetados, pois não contaram com políticas públicas que garantissem acesso aos recursos de educação a distância.
Como ação para iniciar a reconstrução da educação pública do país, Lula respondeu que vai reunir governadores e prefeitos das capitais para buscar um pacto por “uma verdadeira guerra” contra o atraso educacional decorrente da pandemia. “Quintupliquei o orçamento em educação. Lamentavelmente, a educação foi abandonada nesse país”, encerrou criticando Bolsonaro pelos sucessivos cortes de recursos e desmonte de políticas públicas do setor.
Ciro Gomes apresentou números do seu estado, o Ceará, e disse que pretende reformar o modelo de financiamento da educação pública como principal ação para reduzir o déficit educacional do país. Por sua vez, Simone abriu atacando a sanha golpista de Bolsonaro – “presidente que não respeita a Constituição”, para dizer que o atual governo levou o Brasil a um cenário generalizado e retrocessos.
Ainda na primeira parte do primeiro bloco, questionada sobre política econômica, Soraya anunciou a proposta de criar o Imposto Único Federal como grande diferencial de seu programa de governo. Antecipou que a cobrança única substituiria “11 impostos federais por uma taxação única” e que detalharia a proposta durante o debate.
De um pra outro
Na segunda parte do primeiro bloco, já com o confronto direto entre os candidatos, Bolsonaro foi o primeiro a perguntar, escolhendo Lula para responder. Citando números já desmentidos e novamente sem citar fontes. o atual presidente soltou que os governos do PT teriam deixado “R$ 900 bilhões em dívidas na Petrobras E questionou se Lula pretendia voltar para fazer “a mesma coisa”.
Lula rebateu: “As pessoas precisam saber que inverdades não valem a pena, na televisão. Citar números que são mentirosos, também não compensa. É importante a gente citar o seguinte: não teve nenhum presidente que fez mais investigação para apurar a corrupção do que nós fizemos”, disse o candidato da coligação Brasil da Esperança. Em seguida, listou uma série de esforços realizados durante o seu governo, como a aprovação de leis de combate à corrupção e o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, controle, investigação etc.
Reagindo a nova acusação de corrupção de Bolsonaro, Lula replicou que “o presidente deveria estar informado que foi exatamente no nosso governo que a Petrobras ganhou o tamanho que ganhou”. Na sequência, listou êxitos do seu governo, destacando a inclusão social e a geração de empregos. Destacou a redução dos índices de desmatamento, a criação do Fundo Amazônia, o respeito mundial pelo país, e que a economia nacional crescia a 7,5% em 2010, entre outros.
“Esse país, que teve 20 milhões de carteiras profissionais assinadas, é o país que o atual presidente está destruindo. Porque ele adora, com bravatas, falar números que não existe. E acha que o povo que está assistindo a gente acredita no que ele fala. O país que eu deixei é um país que o povo tem saudade. É o país do emprego, em que o povo tinha o direito de viver dignamente, de cabeça erguida.”
Sem clima
Em sua vez, Lula perguntou a Felipe D’ávila sobre a questão climática. De acordo com o ex-presidente, “ou os governantes tomam noção que é preciso cuidar dos seus países, para que assim cuidem do planeta, ou a gente vai destruir a Terra”. Afirmou que o governo Bolsonaro não tem “nenhum cuidado” com a questão ambiental, incentivando desmatamento e queimadas.
O candidato do Novo respondeu que a retomada do crescimento econômico depende de uma política ambiental que faça do Brasil a primeira nação “carbono zero” entre as grandes potências.
Lula ressaltou que “nenhum empresário sério que conhece o mercado mundial vai fazer queimada ou destruir os biomas brasileiros”. Mas voltou a frisar que o governo Bolsonaro “incentiva” tais práticas. “Tivemos um ministro que dizia ‘deixa a boiada passar’”.
Além disso, Lula lembrou que, durante o seu governo, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 80% o desmatamento, e em 36,9% a emissão de gases-estufa. “O Brasil passou a ser referência no mundo inteiro. Hoje as pessoas têm o Brasil como um país que não leva a sério a questão ambiental, e ninguém respeita as decisões do Brasil”, ressaltou o petista. D’ávila concordou com as críticas: “É verdade”.
Segundo bloco
No segundo bloco, em que jornalistas do consórcio dirigiram perguntas aos candidatos, o jornalista Rodolfo Schneider (Band) perguntou a Bolsonaro sobre auxílio emergencial, um dos temas mais comentados pelos internautas que acompanharam o debate. Frisou que o Auxílio Brasil de R$ 600 reais vale apenas até o final do ano, já que no Orçamento do ano que vêm o valor do benefício volta para R$ 400 reais, apesar das promessas de Bolsonaro de manter o valor anterior. “De onde sairá esse dinheiro?”, quis saber o entrevistador. Pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no Congresso, o benefício social termina no final de dezembro
O candidato à reeleição afirmou, genericamente, que vai manter o valor e o programa se eleito. Sem qualquer plano, Bolsonaro disse que conseguirá recursos “não roubando, não botando a mão no bolso do povo”. Sobre o Orçamento, resumiu que tem “contato com lideranças na Câmara. Após as eleições podemos fazer algo mais concreto, mais detalhados para buscar recurso e pagar R$ 600, não podemos ser inconsequentes”.
Lula comentou a resposta de Bolsonaro lembrando que o auxílio de R$ 600 não está na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023 que o atual governo mandou ao Congresso Nacional. “Significa que existe uma mentira no ar”.
O ex-presidente lembrou que é preciso combinar programas de transferência de renda com políticas de crescimento e geração de empregos, o que o atual governo não faz, segundo ele. “O candidato (Bolsonaro) adora citar números absurdos, que nem ele acredita. Só quer voto.”
Bolsonaro grosseiro
O momento mais tenso do debate veio logo na sequência, quando a jornalista Vera Magalhães (TV Cultura) perguntou a Ciro Gomes, com comentário de Bolsoanro, sobre a campanha de desinformação contra a vacina, promovida pelo atual presidente. Bolsonaro não comentou, mas preferiu dizer que Vera “é uma vergonha ao jornalismo brasileiro”. O mandatário seguiu com tom grosseiro, afirmando que “a senhora é uma vergonha. Não estou atacando mulher não, não vem com vitimismo”, sem qualquer menção à defesa das vacinas.
Lula e Ciro, Ciro e Lula
A jornalista Patrícia Campos Melo foi a escolhida para questionar Lula sobre a “união da esquerda”, masque ele e Ciro vivem em clima de “hostilidade”. A colunista da Folha perguntou como o petista pretende atrair o apoio de Ciro num eventual segundo turno.
Lula começou comentando o tema das vacinas, abordado anteriormente no debate. Lembrou que durante o seu governo, vacinou 83 milhões de pessoas durante a pandemia de H1N1, entre o fim de 2009 e início de 2010. “Então, se as pessoas não são vacinadas, é irresponsabilidade de quem comanda”, criticando o atual governo.
Sobre Ciro, o ex-presidente afirmou que tem “um profundo respeito” pelo candidato do PDT, além de ser grato pela sua participação como ministro da Integração Nacional, entre 2003 e 2006. “Mas o Ciro, nesse instante, resolveu não estar conosco e sair com uma candidatura própria. Mas disse que espera, ainda, caso vença as eleições, atrair o PDT para o governo.
“Tem três pessoas no Brasil a quem eu trato com deferência”, disse Lula. Citou então o ex-governador de São Paulo Mário Covas, o ex-governador do Paraná Roberto Requião, e o próprio Ciro. “De vez em quando, eles até podem falar mal de mim, porque eu não levo em conta, porque eu sei que eles têm o coração mais mole do que a língua. São muito mais compreensivos com os problemas sociais”. E provocou o pedetista. “Espero que o Ciro, nessas eleições, não vá para Paris”, e sinalizou que pretende convidar o pedetista a conversar para construir uma “aliança política futura”.
“Não vá pra Paris”
Ciro respondeu dizendo que Lula é “um encantador de serpentes”, “vai na emoção das pessoas”, sinalizando que voltaria a atacar o ex-presidente. E atribuiu às contradições “econômica e moral” de Lula e do PT o surgimento de Bolsonaro na política. “Eu não acho que Bolsonaro desceu de marte. Ele foi (fruto de) um protesto absolutamente reconhecido contra a devastadora crise econômica que o Lula e o PT produziram, e que ele (Lula) apaga”. Por fim, voltou a acusar o petista. “Se deixou corromper”, atacou Ciro.
“Mesmo assim, Ciro, nós ainda vamos conversar”, disse Lula. Afirmou que o pedetista ainda vai lhe pedir desculpas, “porque você sabe que está dizendo inverdades a meu respeito”. E rebateu o pedetista por supostamente ter “criado” Bolsonaro. “Queria dizer que eu não fui para Paris. Eu não sai no Brasil para não votar no Haddad. Com o microfone fechado, Ciro afirmou: “Você estava preso”. “Preso para não ganhar as eleições”, rebateu Lula. E lembrou o concorrente que foi absolvido em todos os 26 processos que enfrentou. “Fui absolvido na ONU, na primeira e na segunda instância, e duas vezes na Suprema Corte”.
E retomou suas principais propostas. “Vamos trabalhar para voltar a governar esse país para fazer a economia crescer, para investir na educação. As pessoas esquecem que quem criou o piso escolar (Piso Nacional dos Professores) fui eu”. Relembrou que “espalhou universidades pelo país” e chamou o Prouni de “a maior revolução” já realizada no país. “Milhões de meninos negros e negras, que estudavam em escola pública, tiveram a oportunidade de, pela primeira vez fazer uma universidade, o que era privilégio de rico”.
“A empregada viu”
Nas perguntas de candidatos a candidatos, Soraya perguntou a Lula sobre inflação e desemprego. Disse que a cobrança excessiva de impostos agrava esses problemas. Afirmou que Lula volta “sem propostas”. Após lembrar à candidata que, quando tomou posse, em 2003, o Brasil estava “quebrado”, listou que seu governo reduziu a dívida pública e a inflação, que foi para dentro da meta – de 4,5%. Também gerou 22 milhões de empregos e deixou uma grande reserva internacional. E disse que volta com o “único compromisso” de fazer mais do que fez.
“Quero voltar para ver se esse país volte a gerar emprego, volte a aumentar salário, para que o salário mínimo volte a aumentar. Para ver se a gente consegue fazer uma reforma tributária”. Lembrou que mandou duas propostas de reforma tributária ao Congresso, mas não passaram. Ainda assim, disse que é possível “consertar” o Brasil. Voltou a destacar que, quando deixou a presidência, em 2010, o país crescia a 7,5% ao ano, com ampliação ainda maior do comercio varejista. E ressaltou que os trabalhadores mais pobres tiveram 80% de aumento salarial durante o seu governo. “Foi o mais importante governo de inclusão social da história desse país”.
Soraya atacou o PT, que teria uma equipe de economistas “mofados” e falou novamente sobre o “imposto único federal”. Lula rebateu, alegando que o imposto único é uma proposta apresentada há mais de 30 anos, e jamais foi levada a sério.
Sobre o país que Soraya disse que não viu, Lula afirmou: “O seu motorista viu. O seu jardineiro viu. A sua empregada doméstica viu”. “Pode perguntar para a sua empregada, que ela viu que esse país melhorou, que ela podia tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia. Ela viu que o filho dela poderia entrar numa universidade”. Disse que os pobres “efetivamente cresceram” durante o seu governo, e “conquistaram cidadania”. E frisou: “O pobre desse país vai voltar a ser respeitado”, com direitos trabalhistas garantidos, segundo ele.
Ao final da sua resposta, também se indignou com a informalidade que atinge os trabalhadores de aplicativo. “É preciso que a gente legalize a vida desse cidadão. É fazer com que ele tenha direitos quando a sua moto quebra, quando o seu carro quebra. É isso que nós vamos fazer, porque é o que sabemos fazer. E é isso que fizemos a vida inteira”. E concluiu: “Nada de escravidão no século 21. É preciso voltar ao tempo da liberdade, que eu aprendi desde o movimento sindical”.
Luta das mulheres
Retomando as perguntas feitas por jornalistas, Ana Stela de Souza Pinto, da Folha de S. Paulo, destacou que, desde a redemocratização, houve proporcionalmente uma mulher para cada 15 ministros homens. E perguntou a Lula e Simone se poderiam se comprometer a preencher com mulheres pelo menos metade das vagas dos seus ministérios, em caso de vitória dos candidatos.
Lula disse que pode até ter maioria de mulheres, mas preferiu não se comprometer “numericamente”. “É plenamente possível fazer isso, mas não vou assumir um compromisso, porque, se não for possível, passarei por mentiroso”. Simone criticou Lula, e voltou a prometer um ministério paritário.
Finalmente
Lula iniciou suas considerações finais se solidarizando com Simone Tebet e a jornalista Vera Magalhães, agredidas por Bolsonaro. Depois enalteceu seu candidato a vice, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. “Fui procurar um companheiro com a experiência de 16 anos de governo em São Paulo para me ajudar a governar esse país”.
Disse que sabe o que fez e o que vai fazer, e que por isso não entra no “campo da promessa fácil”. Também elogiou a sua sucessora, a ex-presidenta Dilma, pelo “padrão Finlândia” de desemprego – de apenas 4,5% em 2014. Atribuiu ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e ao senador Aécio Neves o início das ações que levaram ao golpe do impeachment contra Dilma, que resultou no “desastre” do governo Temer. “Derrubar uma mulher por causa de uma pedalada, e não derrubam o cara da motociata”. Disse que tinha ido preparado para citar as obras públicas que realizou, mas, preferiu “não humilhar o atual governante”.
Fantasmas
Nas considerações finais, Bolsonaro falou em “Deus, pátria, família e liberdade”, concentrando, até o final dos dois minutos permitidos, ataques a Lula. “Desculpem os demais candidatos, mas está polarizada as eleições”.
Diferente de sua participação no Jornal Nacional, o mandatário conseguiu incluir Argentina, Colômbia, Chile, Nicaragua e Venezuela no mesmo pacote, apesar das situações distintas vividas por cada país, chamou Lula de“ex-presidiário” e afirmou que aqueles países estariam “perdidos”.
“Quando ele é questionado sobre isso, ele diz que não devemos meter o nariz em outros países. O que vai acontecer com nosso Brasil se esse ex-presidiário voltar à cena do crime (…)? É a união de tudo que não presta no Brasil. Nós não merecemos isso para a nossa pátria”.
Reportagem de Tiago Pereira e Clara Assunção