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CUT debate economia solidária como referência para outro modelo econômico

Seminário da CUT apresenta experiências de união de forças de trabalhadores em empreendimentos solidários como caminho para sobreviver à crise econômica e ao desemprego

Publicado: 21 Agosto, 2019 - 15h29 | Última modificação: 23 Agosto, 2019 - 12h55

Escrito por: Andre Accarini

Roberto Parizotti
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Em tempos de desemprego e recessão, a economia solidária se mostra como caminho para geração de trabalho e renda, e de alternativas de desenvolvimento. Economia solidária é toda iniciativa que une pessoas em torno de um projeto, cada uma contribuindo com suas capacidades e habilidades, seja produção ou  administração. Mas é também uma alternativa ao sistema capitalista que explora economicamente a mão de obra. 

Com o objetivo de fazer uma análise da conjuntura atual do país para traçar estratégias de organização tanto de entidades da economia solidária como de trabalhadores, a CUT, por meio da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), convidou diversas entidades como cooperativas, associações e outros grupos de trabalhadores para participar do Seminário Nacional Sindicalismo, Cooperativismo, Associativismo e Economia Solidária.

Os temas abordados englobam as transformações no mundo do trabalho, a concentração de renda e a relação da economia solidária com o movimento sindical.

Um dos principais desafios é lidar com as novas formas de trabalho, como os informais ou por conta própria, ambulantes que produzem o que vendem e até mesmo os trabalhadores que dependem de plataformas digitais como o Uber.

Ari Aloraldo do Nascimento, Secretário de Organização da CUT e coordenador da ADS, explica que esses trabalhadores têm demandas, e não têm ainda a exata consciência da necessidade de organização, por isso precisam de amparo.

Ari Aloraldo do Nascimento

 

E, segundo ele, é papel do movimento sindical, antes de propor a organização, conhecer as demandas de cada um. Ele exemplifica com os ambulantes, que têm como pauta principal a relação com o poder público. “Eles vão para as ruas todos os dias, mas na iminência de perderem tudo se o ‘rapa’ passar”. 

Outro caso, o dos trabalhadores de entregas por aplicativos (tais como Uber, Rappi e outros) são exemplos de trabalhadores “que carregam caixas pesadas nas costas, em uma bicicleta ou motocicleta, por muitos quilômetros durante o dia, e precisam entender que mesmo sendo ‘donos do próprio tempo’, têm de se proteger de alguma maneira para não serem explorados pelo poder econômico”. 

“Unir forças e unir trabalhadores é o conceito de economia solidária. Isso fortalece a organização do trabalho”, afirma Ari Aloraldo.

 

Empreendimentos e caminhos

Para além da organização dos trabalhadores, o objetivo do seminário, ainda segundo Ari, é aproximar as associações e cooperativas para que juntas possam ‘se conhecer’.

“Temos várias entidades nesse evento e muitas delas não conheciam as outras. Elas têm na CUT uma referência e esse distanciamento impede oportunidades. Por que não consumimos nossos próprios produtos?, questiona o dirigente, que responde: “É por que não nos conhecemos”.

Nessa linha de pensamento, o economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Ladislau Dowbor, deu como exemplo cidades em outros países, como na Europa e até mesmo nos Estados Unidos, em que as economias locais adotaram o conceito de economia solidária, e passaram a ser organizar regionalmente.

“As pessoas descobriram que, cidade por cidade, dá para organizar de maneira inteligente os sistemas sociais, os sistemas de saúde, e existem até consórcios intermunicipais para isso. Sistemas econômicos, inclusive”, explica o professor.

“É a economia de proximidade e o papel dos sindicatos deve ser formular caminhos para expandir a organização do potencial subutilizado de cada região”, complementa Ladislau Dowbor.

O professor e economista chegou a elaborar um documento, depois de várias pesquisas feitas no Brasil e no exterior, sobre o tema. O guia Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local contém 89 propostas práticas para o desenvolvimento de economias locais, em linguagem didática para ajudar comunidades a se fortalecerem.

 

Fausto Augusto Jr e Ladislau Dowbor

 

Modelo de gestão

Para o técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Fausto Augusto Júnior, quaisquer estratégias para fortalecer os sistemas de economia solidária devem passar pela reformulação do modelo de gestão.

Para ele, é importante que a administração desses empreendimentos tenha como princípio mais importante a solidariedade. No primeiro dia de debates no seminário ele citou exemplos de empresas, nos anos 1990, que quebraram e foram assumidas pelos trabalhadores – as chamadas empresas recuperadas.

Fausto conta que as cooperativas passaram a administrar, mas a lógica capitalista anterior perdurou. “No fim havia a distribuição de lucros, mas a organização de produção não se renovou”, ele diz.

O entrave, segundo ele, se deu pela forma de atender às necessidades até pessoais dos trabalhadores, o que acontece não somente no caso de empresas recuperadas, mas em outras formas de associações.

“É preciso entender que os trabalhadores têm suas dificuldades, necessidades, horários, e capacidades e é preciso levar em consideração esses fatores para poder gerir o negócio, com o princípio da solidariedade do cooperativismo”.

Para auxiliar no modelo de gestão, tanto o técnico do Dieese como o professor Ladislau Dowbor apontaram a tecnologia como aliada. Segundo eles, é preciso, antes de mais nada, difundir o conhecimento, também de forma solidária.

“Quando você passa uma ideia adiante, você continua com essa ideia e isso é um conceito solidário”, afirma Dowbor.

O professor explica é necessário reforçar a “economia do conhecimento” para que as transformações em curso no mundo do trabalho – em todos os setores – possam ser enfrentadas.

Para ele, o conhecimento aliado à organização possibilita também uma melhor forma de gestão dos empreendimentos de economia solidária, evitando atravessadores que possam praticar uma exploração econômica prejudicial ao negócio, exemplo, aumentar preços na ponta final – a venda do produto.

 

Modelos solidários

 As entidades que participaram do seminário atuam em diversos ramos. Desde a produção e comercialização de alimentos e vestuário, passando por logísticas e transportes a até mesmo cooperativas de crédito.

O coordenador da ADS, Ari Aloraldo, cita um outro exemplo de como é possível criar oportunidades por meio da economia solidária. “No sul do país, temos no meio rural o sistema Cresol, uma cooperativa que empresa dinheiro com juros menores aos agricultores familiares, apoia a produção, além de ter outros ‘produtos’ como seguros”, conta o dirigente.

Essa experiência, ele diz, está servindo de referência para a categoria bancária de São Paulo, que já planeja lançar um cartão para os trabalhadores, independente das bandeiras tradicionais.

O seminário prossegue até está quinta-feira, quando serão elaboradas estratégias a serem seguidas para o fortalecimento da economia solidária e a organização desses trabalhadores.