Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA
Reproduzido em países da África e da América Central, o Programa de Aquisição de Alimentos já vinha sendo sucateado. E agora foi praticamente extinto, substituído por um “cheio de incertezas”
O presidente Jair Bolsonaro tanto investiu contra os pequenos agricultores e a população mais pobre do país que, como se fosse pouco, jogou uma pá de cal sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Na prática, enterrou a política criada em 2003 no âmbito do Fome Zero, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou a comprar quase R$ 1 bilhão em alimentos produzidos sem agrotóxicos em pequenos estabelecimentos, beneficiando de um lado indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores artesanais. E de outro, escolas, asilos e outras instituições que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar.
E criou um programa para chamar de seu, o Alimenta Brasil. Na propaganda governamental, a iniciativa tem como finalidade ampliar o acesso à alimentação e incentivar a produção de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, povos indígenas e demais populações tradicionais.
E que por meio da dispensa de licitação, o poder público compra os alimentos produzidos por esses agricultores e destina a famílias em situação de insegurança alimentar, rede socioassistencial, escolas públicas, unidades de saúde, unidades de às unidades de internação socioeducativas e prisionais, entre outras. Ou seja, tudo o que o PAA fazia com excelência a ponto de o programa ter se tornado referência internacional e ser implementado em países da África e da América Central.
“Esse novo programa não se justifica, é uma jogada política. Enterrar um programa exitoso, de 18 anos, reconhecido pelo FAO, para colocar outro no lugar, ainda cheio de incertezas”, diz à RBA o agrônomo Sílvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de 2003 a 2011.
Segundo nota técnica da qual ele é coautor, lançada recentemente pela Fian Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadadas –, a MP está em meio à incertezas e incoerências, como afirmar que o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) será a instância de controle social. No entanto, o Consea foi extinto pelo próprio governo Bolsonaro em 2019, logo em seu início. O financiamento do programa é outra preocupação, segundo ele, já que o recursos deverão ser compostos de emendas parlamentares, o que abre caminho para “politicagens”.
O Alimenta Brasil, segundo Porto, nasceu da desconstrução do PAA, que foi sendo desconstruído. De modo geral, a política teve orçamento crescente entre
2003 e 2012, bem como aumento na execução nesse período. E passou por redução de verbas entre 2013 e 2016, mesmo assim conseguindo mantendo bons volumes orçamentários, segundo a nota técnica da Fian Brasil.
A partir de 2016, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, entrou em fase de redução drástica de orçamento. Com a chegada de Bolsonaro ao poder, os recursos entraram em queda livre, chegando, em 2021, a uma previsão de cerca de R$ 100 milhões, 10% do que chegou a ser aplicado no programa em 2012.
“Além do orçamento diminuto destinado ao PAA em 2021,o governo federal não tomou nenhuma iniciativa para assegurar sua execução, preferindo apostar na edição do Alimenta Brasil”, aponta a nota técnica.