Escrito por: Tiago Pereira, da RBA

Em pré-candidatura coletiva, mulheres negras querem ser vozes das periferias de SP

Moradoras de diversas regiões da cidade, Marilândia, Deia e Regina querem romper com a sub-representação das mulheres negras na política

Movimento Negras Vozes

 Marilândia Frazão, Déia Zulu e Regina Conceição querem romper com a sub-representação das mulheres negras na política paulistana. Juntas, elas registraram, na última semana, a pré-candidatura coletiva Movimento Negras Vozes (pelo PT), para a disputa de uma das vagas na Câmara Municipal de São Paulo nas eleições deste ano.

Integrantes do movimento feminista negro, elas vêm de diferentes regiões da cidade, todas distantes dos bairros centrais. E agora se unem para dar continuidade a essa luta, pelas vias da representação política. Em comum também, sendo moradoras da periferia da capital, vivenciam a carência dos serviços públicos em transporte, saúde, saneamento, educação e cidadania, entre outros.

Motivadas

A professora e psicopedagoga Marilândia, que vai encabeçar a chapa, é moradora de Itaquera, zona leste de São Paulo. Ela é especialista em educação étnica racial e história da África.

Déia vive na Brasilândia, na zona norte. Atua na área do direito previdenciário. É também é escritora e defensora dos direitos humanos, da causa LGBTQIA+ e integrante do Bloco Ilu Obá De Min.

Regina, que se formou em Direito pelo Prouni, mora em São Miguel Paulista, também na zona leste. Integrante Confederação dos Negros do Brasil (Conebras), é também atuante nas causas dos direitos LGBTQIA+.

“Somos três mulheres periféricas que conhecemos a população pobre e negra. E conhecemos a cidade”, afirma Marilândia, em entrevista à RBA (assista abaixo) sobre o Negras Vozes. “O parlamento é composto majoritariamente por homens brancos. As nossas vozes não estão lá dentro”, denuncia.

“Aqui temos movimento LGBT, temos mulheres, a negritude e as religiões de matriz africanas. São várias correntes”, anuncia Déia, sobre a candidatura do trio. “A população negra e periférica precisa se sentir representada. Uma pessoa só talvez não tenha tanta voz. Esse é um dos motivos da gente ter se transformado num coletivo”, completa Regina. Por isso tudo, dizem, o objetivo do mandato coletivo será mais que criar apenas uma bancada ou gabinete dentro da Câmara paulistana, mas criar um “movimento“.

Democracia

Para Déia, o desafio do Negras Vozes é falar sobre democracia para as populações desses bairros, que sofrem com a falta diária de direitos básicos. “São pessoas que, às vezes, têm que percorrer quilômetros até chegar num posto de saúde. A escola também fica distante. Na favela, falta um escadão com corrimão. Luz no ponto de ônibus, para garantir a segurança dos usuários”, descreve. “A gente, do Negras Vozes, tem que fazer com que entendam o que é democracia. E democracia é ter direito à saúde, à água, luz na rua. Ter uma condução digna.”

A pandemia, por outro lado, escancarou as desigualdades nessas regiões. Déia lamenta que a Brasilândia dispute, junto com Sapopemba, outro bairro da zona leste, a primeira posição entre os distritos com mais mortes registradas pela covid-19. Pesquisa do Instituto Pólis revelou que a letalidade da doença entre a população negra é ainda maior.

A situação ainda é agravada, segundo ela, devido ao desmonte das políticas públicas implementadas na gestão petista em São Paulo, com Fernando Haddad (2013-2016). É o caso, por exemplo, do transporte coletivo. O Bilhete Único teve redução no número de integrações com a eleição de João Doria, depois sucedido por Bruno Covas, ambos do PSDB. Antes, o usuário poderia pegar mais de uma condução com a mesma tarifa, num intervalo de até três horas. Esse período foi reduzido para duas horas, com apenas duas integrações.

Reação ao conservadorismo

Além da pandemia, outra conjuntura desfavorável é o avanço do conservadorismo nas periferias, afirmam as pré-candidatas. Regina compara que, há cinco ou 10 anos, a pauta dos direitos humanos estavam em alta no país. Hoje, os extremistas pedem a volta do AI-5. A solução, segundo elas, passa pelo trabalho coletivo. “Por isso que a gente tem que se mobilizar coletivamente. Mais do que nunca, temos que reunir forças para combater esse conservadorismo e esse fascismo”, disse a pré-candidata.

Déia destaca ainda que as religiões neopentecostais evangélicas avançaram nos últimos anos, virando, inclusive, uma força política de extrema direita nas periferias. Ela explica que o fenômeno ocorre em função da ausência do Estado. Sem proteção social e nem melhorias no mundo material, ao contrário, as populações pobres foram em busca da sensação de serem protegidas no plano espiritual. Por outro lado, ela aponta contradições no discurso bolsonarista, que penetrou nas regiões periféricas. “O que a gente vê na figura do Bolsonaro é um fascismo populista. Ele está copiando todo o governo do PT, em prol de uma futura reeleição.”

Ela cita o programa Casa Verde e Amarela, versão piorada do Minha Casa Minha Vida, anunciado pelo presidente na semana passada. E também o Renda Brasil, ainda em gestação, que pretende ser o substituto do Bolsa Família, que marcou os governos Lula e Dilma. “A gente não pode, como na eleição de 2018, e na época do golpe (2016), ficar ‘contra as cordas’. Temos que partir para o embate. E fazer o embate é conversar, é estar nos lugares, é se posicionar.

Educação

Para combater a intolerância e o racismo, a chave é a educação, segundo Marilândia. “É a espinha dorsal do desenvolvimento de uma cidade ou de um país.” Ela lembra que os currículos escolares no Brasil ainda são muito “eurocêntricos”. Porém, ressalva que houve avanços nas últimas décadas, com as leis 10.639/03 e 11.645/08, que estabelecem o ensino das histórias e culturas afro-brasileiras e indígenas nas escolas. Além disso, na entrevista ela festeja a recente aprovação do Fundeb permanente pelo Senado, “uma proposta do campo da esquerda”.

Por outro lado, a ativista também destaca que a pandemia revelou a exclusão digital, que praticamente inviabiliza o ensino à distância para crianças e jovens da periferia. “É preciso chamar a atenção do Estado sobre o quanto ele é ausente nessas políticas de inclusão”. Ainda assim, Marilândia afirma que as famílias e os profissionais da educação devem ser ouvidos a respeito de qualquer proposta de retorno das aulas presenciais.

Edição: Fábio M. Michel