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Em seminário sobre Haiti, entidades cobram saída das tropas

Para o diretor-executivo da CUT, o Brasil só aceitou por decisão da ONU

Publicado: 25 Maio, 2015 - 10h54 | Última modificação: 26 Maio, 2015 - 12h28

Escrito por: Walber Pinto

Leonardo Severo
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O diretor-executivo da CUT, Julio Turra, fala no seminário nacional sobre o Haiti

A decisão do governo brasileiro em manter as tropas no Haiti até 2016 foi duramente criticada por representantes de várias entidades que participaram do Seminário Nacional sobre o Haiti na última sexta-feira (22).  O evento contou com a presença do diretor-executivo da CUT, Julio Turra, Miguel Borba, professor da PUC e historiador, Barbara Corrales, do coletivo Defender o Haiti, Rosilene Wansetto, do coletivo Jubileu Sul, ativistas do Complexo do Alemão e Maré e imigrantes haitianos.

Segundo Julio Turra, o governo não está a fim de tomar essa medida como fez a Argentina e Equador, mas porque as Organização das Nações Unidas (ONU) pediu. “É uma decisão da ONU, não é uma decisão soberana do governo brasileiro. É inaceitável”, criticou.

De acordo com Rosilene Wansetto, do coletivo Jubileu Sul, a não retirada das tropas não é por acaso. “É significativo essa decisão, 2016 é ano de eleição. Como fica depois a situação econômica, política e social dos haitianos? Qual a responsabilidade do governo brasileiro?”

A Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) foi criada há 11 anos por determinação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), logo após o golpe do então presidente democraticamente eleito Bertrand Aristide, que foi forçado pelos militares estadunidense a deixar o país. Foi o segundo golpe de Estado sofrido pelo Haiti desde a redemocratização que se iniciou em 1990, após duas décadas de ditadura.

Desde a chegada das tropas, já foram relatadas inúmeras violações de direitos humanos como, abusos sexuais, introdução do vírus da cólera no país, repressão à liberdade de expressão e direito à greve trabalhista. Entretanto, essas denúncias são ignoradas pela ONU, que segue sem assumir a responsabilidade.

Julio afirmou ainda que os trabalhadores haitianos não têm descanso semanal remunerado, férias e nenhum direito trabalhista garantindo. “Se o trabalhador haitiano quiser reclamar na justiça os seus direitos, é ele quem tem que pagar o processo”.

A primeira nação negra independente do mundo e, também, inspiradora do processo de libertação da América, o Haiti sofre ainda com a pobreza extrema. Cerca de 80% da população de 9,9 milhões de habitantes estão abaixo da linha da pobreza. O terremoto que atingiu o país em 2010 causou grandes danos, deixando entre 150 a 200 mil mortos.

O historiador Miguel Borba, integrante da Rede Jubileu Sul recordou que o país foi invadido pelo EUA pela primeira vez em 1915 com a desculpa de que os alemães queriam instalar um regime no Haiti. “As tropas ficam lá até em 1933. Não por que o presidente Roosevelt era ‘bonzinho’, mas porque o governo americano não tinha mais dinheiro”.

Imigração e sensacionalismo

Nos últimos dias, a veiculação de fotos desrespeitosas e matérias publicadas pela grande imprensa sobre a imigração dos haitianos causaram indignação. O jornal Folha de S. Paulo, no dia 21 de maio, trouxe na sua foto de capa um haitiano recém-chegado em São Paulo tomando banho num mictório de um banheiro da Missão Paz. Em nota, a entidade repudiou a reportagem. “O objetivo da mídia às vezes é pressionar o Estado para tomar uma atitude, e não constranger aqueles que mais precisam de assistência”.

Para Barbara, essa imigração é um efeito colateral da não retirada das tropas brasileiras. “Eles estão vindo pra cá porque as tropas estão lá há onze anos. Deixam vidas, famílias, filhos, mães e esposas. O governo brasileiro não tem cumprido seu papel de legalização e aula de português aos haitianos”.

Smith Dort, 29 anos, é um dos milhares de haitianos que chegaram ao Brasil pelo Acre. Apesar de muitas dificuldades que enfrentou, resolveu ficar em Manaus. Trabalhou numa churrascaria como cozinheiro e logo depois foi promovido para garçom. Hoje é formado em sociologia e ajuda uma associação de crianças carentes no Haiti.

“Para mim, o Brasil é um país para todos. Um povo que tem o coração grande e hospitaleiro. Trabalhava e ganhava muito pouco, mesmo assim consegui me manter, ajudar minha família”, diz Smith, primeiro haitiano a se formar numa universidade particular de Manaus.

O Haiti também é aqui

Há semelhanças entre as práticas estabelecidas pela Minustah no Haiti e na ocupação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas cariocas. Os próprios comandantes das UPPs admitiram algumas vezes que a “experiência” adquirida pelas Forças Armadas brasileiras no Haiti foi fundamental para a ocupação militar nas comunidades do Rio de Janeiro.

A moradora do complexo do Alemão, Renata Trajano, ressalta que não existe diferença entre a UPP e a tropa no Haiti, o tratamento é o mesmo. “Chegam com pé na porta, tanques, soldados, helicópteros, eles matam mesmo. A prova disso foram as mortes truculentas do Caio, Dalva, Eduardo, Elizabethe, João, Vanessa...”, comenta.

Na semana passada, mais um jovem foi morto no Morro da Maré e várias casas foram invadidas. Dircela Silva, que mora na comunidade, conta que está há uma semana fora de casa com medo de represália. Ela participou das manifestações contra a UPP na Maré. “Quase 30 jovens foram assassinados desde a entrada das tropas, sabemos que esse número não é real. Temos muitas pessoas presas e jovens mortos, principalmente jovens negros”, denuncia.