Escrito por: Hylda Cavalcanti, da RBA
Para ex-presidente da ANA, privatização ampliará conflitos no setor elétrico. “Nenhum país abre mão de seu setor hidrelétrico sem ficar com percentual suficiente para coordenar todo o setor”, alertou
O principal recado passado ontem (24) para os deputados durante audiência pública na Câmara que discutiu a proposta de privatização da Eletrobras partiu do ex-presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo. Especialista reconhecido no setor, ele afirmou que a privatização não apenas vai impactar na energia entregue à população como na Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e na Eletrobras em si. Dizendo estar fazendo uma avaliação fora do ponto de vista político, Guillo sugeriu a captação de um pouco de investimento para o setor elétrico para ser usado nas bacias brasileiras, em vez da opção pela privatização.
Sobre a medida adotada no governo Dilma Rousseff de rebaixar as tarifas (lembrado por integrantes da base aliada), ele elogiou a iniciativa, embora tenha reconhecido que naquele momento o melhor deveria ter sido, em vez da diminuição do valor, aplicar os recursos que foram retirados das contas dos consumidores num fundo para a ampliação do sistema elétrico.
"A medida não foi perfeita, mas teve sua eficácia. O grande problema é que pouco depois começou a crise do setor elétrico e, no ano seguinte, as tarifas subiram bastante", explicou.
Vivente Guillo destacou também sua posição de que "a água do Brasil não pode ser privatizada por determinação constitucional, mas a gestão de energia pode". "Asseguro aqui, como gestor de recursos hídricos, que não é que a gestão da energia não seja possível, mas temos exemplos de que, com a privatização, os conflitos vão aumentar e a nossa capacidade de resolução desses conflitos no setor elétrico ficarão ainda mais difíceis", acentuou.
De acordo com o técnico "uma bacia hidrográfica que esteja há dois anos no setor privado vai aumentar os conflitos já existentes com as comunidades e o próprio governo". "Nenhum país abre mão, na sua parte hidrelétrica, de ter ao menos uma base para coordenar todo o setor. Perdermos isso vai prejudicar toda a sociedade brasileira", alertou.
Segundo ele, se a gestão destas empresas que participarão da licitação para adquirir a Eletrobras resolver aumentar as tarifas, o valor da Eletrobras vai chegar muito fácil à casa dos R$ 100 bilhões em termos patrimoniais, "mas quem vai pagar por isso será o valor a ser cobrado pelas tarifas, ou seja, os brasileiros".
"Quem estará disposto a colocar dinheiro no aumento de capital da Eletrobras?", questionou, ao ressaltar que certamente fundos de gestão vão procurar fazer tal investimento. "Só que o que está em discussão no momento é o interesse da sociedade brasileira. E nós já vivemos, na privatização de outros setores do país, a questão da confusão e contradição existente entre valor patrimonial e interesses da nossa sociedade", frisou.
O ex-presidente da ANA ainda concluiu sua fala defendendo que qualquer país no mundo, sem precisar de rentabilidade de qualquer banco, tomaria a decisão de manter uma empresa estratégica como a Eletrobras para, a partir dela, regular o mercado de eletricidade de transmissão do país.
A reunião foi iniciada sem a presença do presidente da comissão especial que aprecia o projeto de Lei sobre o tema (PL 9463/18), deputado Hugo Motta (PRB-PB) – que não pôde comparecer – e sem o relator, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que chegou atrasado. Diante das várias reuniões nas outras comissões técnicas, os parlamentares ficaram se revezando quanto ao quórum da comissão, saindo e voltando para os seus lugares o quanto antes.
Também foi discutido com o superintendente de Planejamento da Expansão e Meio Ambiente da Chesf, Murilo Sérgio Lucena Pinto, os impactos ambientais a serem observados com a privatização.
Lucena Pinto acolheu depoimentos como o de Vicente Guillo, de que é importante que a proposta em discussão estabeleça, como condicionante para a privatização da Eletrobras, aportes de recursos para a revitalização do rio São Francisco. Isto, em iniciativas que englobem áreas degradadas, preservação de nascentes, controle de processos erosivos, conservação de água e de solo e educação ambiental, entre diversas outras ações.
Mas ele concordou que os investimentos na faixa socioambiental do rio têm sido de R$ 20 milhões por ano, o que é pouco. "De fato isso é um problema porque quando foram feitas as tarifas de energia, os custos ambientais não foram considerados", disse. De acordo com o superintendente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está discutindo uma forma de melhoria na receita para que os custos ambientais passem a ser feitos dentro de uma avaliação prévia.
Participaram, ainda, da audiência, o presidente do conselho da Fundação Renova, Wilson Nélio Brumer e o diretor-executivo da Secretaria de Meio Ambiente de Sergipe, Ailton Francisco da Rocha.
A reunião foi marcada por vários questionamentos, críticas e embates por parte de deputados que são contrários à aprovação do projeto, como Henrique Fontana (PT-RS) e Arlindo Chinaglia (PT-RJ), cujas declarações foram de encontro às dos deputados Darcísio Perondi (MDB-RS) e Alelulia.
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) chegou a dizer, antes do início dos trabalhos, ao presidente da Fundação Renova, Wilson Brumer, que "não vão fazer com a privatização da Eletrobrás o que fizeram com a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). Brumer comandou a companhia até sua compra pela chinesa State Grid. "A Eletrobras não terá condições de competir com suas concorrentes e acabará sendo comprada por elas", criticou o deputado, ao demonstrar preocupação com a proposta.
Também Glauber Braga (Psol-RJ) afirmou que os parlamentares não podem aceitar "que uma empresa que possui R$ 172 bilhões em ativos e na qual se investiu cerca de R$ 400 bilhões ao longo dos anosseja agora privatizada".
"O governo quer tirar a capacidade do Brasil de acompanhar algo que é de fundamental importância para o povo brasileiro, que é o direito de ter energia barata", acrescentou o deputado, reiterando declarações feitas na última semana.
O deputado Danilo Cabral (PSB-PE) argumentou que, "para quem produz, a indústria, o custo da energia representa 40% do insumo, mas para o cidadão o custo é bem mais alto". Cabral destacou que o Congresso precisa "questionar e cobrar quanto custa, de fato, a Eletrobras, porque o valor almejado da suposta privatização, de R$ 12 bilhões, é uma conta que ninguém vê".
O parlamentar externou preocupação com a Chesf. "Quem comprar a Chesf vai controlar o rio, sua vazão, a irrigação, tudo. Vamos entregar a chave da caixa d’água para o setor privado. O que vai orientar a gestão da Chesf não vai ser mais o interesse público", reclamou.
Recentemente, o relator do PL, José Carlos Aleluia, confirmou que adiou a apresentação do seu relatório para a primeira quinzena de maio. No início dos trabalhos da comissão, Aleluia trabalhava com um plano que previa tramitação célere e votação integral da proposta até o final de abril.
Diante da resistência dos vários parlamentares contrários à proposta, incluindo integrantes da base de sustentação do governo, ele viu que não seria possível atingir esse prazo. Numa espécie de recuo, o relator afirmou que vai ouvir mais a oposição para discutir o projeto de forma mais detalhada.
A próxima reunião da comissão será realizada nesta quarta-feira (25). A pauta será a discussão da manutenção do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) com a privatização e como ficarão as atividades de pesquisa e desenvolvimento no setor elétrico brasileiro.
Foram convidados para a audiência o diretor-geral do Cepel, Marcio Szechtman; o pesquisador do Centro e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Agamenon Rodrigues Oliveira; o representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários Íkaro Chaves Barreto de Sousa; e o representante do Instituto de Referência em Educação, Pesquisa e Inovação Senai/Cimatec, Miguel Andrade Filho.