Empoderamento feminino é pilar essencial para a defesa da democracia
Saiba por que a luta pelo fim da violência contra a mulher é sinônimo de luta pela democracia. Igualdade de gênero também é essencial para uma sociedade plenamente democrática
Publicado: 28 Março, 2025 - 13h29 | Última modificação: 28 Março, 2025 - 20h11
Escrito por: André Accarini

Não há democracia plena sem igualdade de gênero. Entre os pontos principais que deixam clara a desigualdade está, ainda, o alto índice de violências cometidas contra as mulheres - violências físicas, sexuais, econômicas e psicológicas que fazem com que as mulheres ainda estejam em situação de vulnerabilidade na sociedade.
E não é só no Brasil. Em 2024, o Programa das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento (PNUD), publicou um estudo intitulado Índice de Normas Sociais de Gênero, que revela que “90% da população tem pelo menos um preconceito fundamental contra as mulheres, que vai desde a crença de que os homens são melhores líderes empresariais e têm mais direito a um emprego do que as mulheres até a convicção de que não há problema em um homem bater em sua parceira”.
No Brasil, a violência contra a mulher cresceu nos últimos anos, fato está diretamente ligado às constantes ameaças à democracia no país, que crescerem exponencialmente a partir dos primeiros anos da década de 2010. Foi nessa era que o consciente coletivo foi invadido por ideais autoritários promovidos pela extrema direita, entre eles, a naturalização do machismo, da misoginia, da desigualdade de gênero e, como mostrou o PNUD, o sentimento de que, novamente, não há problema em um homem bater em sua parceira.
É importante registrar, com números, que o aumento da violência contra a mulher se tornou uma amarga realidade para as brasileiras. O último de Jair Bolsonaro na Presidência do país, 2022, foi um período em que, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2022 – elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve o maior aumento de todos os indicadores de violência contra mulheres no Brasil da história.
Os feminicídios aumentaram 6,1%. Foram 1.437 mortes. Sete a cada 10 mulheres foram assassinadas dentro de suas casas e, em 53,6% dos casos, o assassino foi o parceiro íntimo.
Ao todo, em 2022, foram mais de 245 mil agressões por violência doméstica, mais de 613 mil ameaças e cerca de 900 mil chamadas ao 190. Quase 75 mil pessoas foram vítimas de estupro em 2022, um aumento de 8,2% em relação a 2021. Em 68,3% dos registros, o crime ocorreu dentro da residência da vítima. As vítimas de violação foram, em quase 90% dos casos, mulheres, mais da metade delas (56,8%), mulheres negras.
E por que o aumento?
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, com a ascensão da extrema direita ao poder via golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, tomada do poder por Michel Temer e a eleição de Jair Bolsonaro, criou-se, no país, o ambiente para que a violência contra a mulher fosse, de certa forma, naturalizada.
“Temos de analisar, a começar, pelo golpe contra Dilma, que por si só já representou uma violência contra não apenas uma mulher, mas contra todas as mulheres do país. Dilma, democraticamente eleita, foi achincalhada, humilhada, trataram aquela mulher sem respeito algum fazendo com que todas nós ficássemos vulneráveis ou pelo menos, nos tornássemos alvo desse machismo e das violências que nos ameaçam cotidianamente. Com eles no poder e todo o discurso de ódio que conhecemos, homens se sentiram legitimados a praticar violência contra as mulheres”, diz Amanda.
Dilma foi tirada da presidência, entre outras injustiças, por misoginia. Foi pelo fato de ser uma mulher à frente da presidência do país
Na mesma linha, o Anuário aponta como motivo do crescimento da violência contra a mulher, o “cenário de crescimento dos crimes de ódio da ascensão de movimentos ultraconservadores na política brasileira, que elegeram o debate sobre igualdade de gênero como inimigo número um”.
‘Se o presidente pode, nós podemos...’
Amanda ilustra com a frase acima o ‘empoderamento’, da extrema direita durante todos esses anos. “Se o presidente da República pode ser machista, nós podemos também. É assim que eles pensam e agem. Tomaram Bolsonaro e todos os líderes extremistas como exemplo para justificar o que queria fazer em casa e na sociedade”, afirma a dirigente.
De certa forma, ela diz, é perfeitamente compreensível que se compare esse período, de 2017 a 2022, com os anos de chumbo no Brasil.
“A ditadura no Brasil, nosso período mais vergonhoso da história, praticou violências inconcebíveis contra seus opositores. E fez com que parte da sociedade acreditasse que tais condutas eram necessárias para ‘manter a ordem’. Os governos antidemocráticos que tivemos, em certa medida, fizeram o mesmo com as mulheres, com a população negra, com a população LGBTQIA+ e todos os segmentos minorizados da sociedade, cortando direitos, investimentos, ao mesmo tempo em que, trabalhavam nas redes sociais e nos redutos extremistas a ideia de que essas populações tinham privilégios ou direitos demais”, diz Amanda.
Quando um governo retira direitos ou acaba com investimentos que beneficiam segmentos vulneráveis, ele ataca diretamente a democracia do país. Democracia se faz com cidadãos tendo acesso a políticas públicas essenciais. As mulheres são mais da metade da população brasileira, portanto, as que mais dependem dessas políticas. Atacar direitos das mulheres é colocar a democracia em cheque
Não há democracia sem a plena participação das mulheres
O papel da mulher na luta pela manutenção da democracia no país teve vários episódios importantes nos últimos tempos. A começar pela mobilização denominada #EleNão, em 2018, que não impediu a eleição de Jair Bolsonaro, mas ajudou a manter a resistência feminina e feminista contra o ex-presidente.
Mas, mesmo antes, o movimento sindical já se mobilizava contra os ataques à democracia e lutava contra a possível eleição de Bolsonaro. Naquele ano foi organizada a “Jornada de Luta das Mulheres em Defesa da Democracia e dos Direitos”, cujo ato de lançamento, ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2028, no ABC Paulista, com CUT e diversos movimentos de mulheres, feministas e populares.
Foram realizados atos também nos principais estados e cidades com o intuito de mobilizar a sociedade e dialogar com as mulheres e a população em geral sobre retrocesso dos direitos sociais e trabalhistas que impactaram principalmente as mulheres como as reformas Trabalhista e da Previdência, o avanço do conservadorismo, o desmonte das políticas públicas e o aumento da violência contra as mulheres.
Fato também histórico é que o presidente Lula, em 2022, foi eleito, majoritariamente, pelo voto feminino. Pesquisam mostraram que 58% dos votos ao presidente foram de mulheres.
Já em 2023, com a volta de um governo progressista, com o presidente Lula, as mulheres voltaram a ter em seu horizonte um futuro que caminhe para que se coloque, definitivamente, em prática os direitos históricos, a igualdade de gênero no âmbito do trabalho e da sociedade e que elas estejam em maior presença nos espaços públicos de poder.
O Ministério da Mulheres passou a ter atuação maior na elaboração de políticas públicas e investimentos em temas que beneficiam as mulheres. Em 2023, segundo ano de gestão, por exemplo, foi consolidada a construção de ferramentas com foco nas mulheres, que são as principais responsáveis pelos lares brasileiros, além de garantir ações que promovam a mobilidade econômica e financeira delas.
Ao portal do Partido dos Trabalhadores, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que o governo do presidente Lula tem enfrentado problemas estruturais da sociedade, como fome e pobreza, com um olhar prioritário para as mulheres, que são a maioria da população e sempre as mais impactadas pelas desigualdades, em especial as mulheres negras.
Mundo do trabalho
No campo do trabalho, um dos pilares da democracia é a luta pela igualdade salarial e de oportunidades e pela implementação da Política Nacional de Cuidados. Amanda Corcino lembra que a participação e a inserção da mulher no mercado de trabalho formal, com direitos é essencial para promoção da igualdade de gênero.
“A gente tem que destacar e valorizar o papel da mulher no desenvolvimento econômico e social do país e na construção d uma sociedade mais justa. Por isso, lutamos que a legislação garanta esses pontos. Mas, paralelamente, nós, movimento sindical, também atuamos nas negociações coletivas, para que sejam incluídas cláusulas que garantam esses direitos”, pontua a dirigente.