Escrito por: Andre Accarini

Empresas programam volta ao trabalho presencial. Confira seus direitos

Advogado especialista em Direito do Trabalho explica o que é dever e o que é direito dos trabalhadores quando uma empresa exige a volta ao trabalho presencial durante a pandemia

Fernando Frazão/Agência Brasil

A reabertura gradual da economia em estados e municípios, mesmo com os números de contaminações e mortes por Covid-19 ainda altos, preocupa trabalhadores e trabalhadoras que se veem obrigados pelas empresas a voltar ao trabalho presencial. Eles temem o risco de contrair a doença e até transmitir o novo coronavírus para familiares que fazem parte dos grupos de risco, idosos e pessoas com comorbidades, que estão em isolamento social.

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De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios que levanta informações sobre a pandemia (Pnad Covid-19), divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 8,4 milhões trabalhadores ainda estavam em teletrabalho em julho deste ano. Em maio eram 8,7 milhões.

Com o ritmo de volta à rotina normal aumentando, ainda que a empresa ofereça todos os equipamentos e meios de proteção dentro das suas dependências, como fornecer álcool em gel, máscaras e reorganizar ambientes para que seja cumprido o distanciamento social, há outros riscos de contágio como o deslocamento de casa para o trabalho por meio de transporte público,  elevadores cheios, restaurantes nem sempre vazios ou cozinhas nas firmas pequenas para que todos levem marmitas.

Um dos maiores medos dos trabalhadores é contrair o vírus no transporte público. Pesquisa realizada pela Agência Senado revelou que 89% dos entrevistados avaliam que há muito risco de contrair o vírus nos ônibus. E o medo não é em vão. Estudo da Rede de Pesquisa Solidária, da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que as mudanças operacionais adotadas no transporte público durante a pandemia, como redução de frotas e horários acabaram aumentando as lotações desses meios de transporte (ônibus, metrôs e trens).

Os autores do estudo dizem que “além de não reduzirem as taxas de lotação observadas nos anos anteriores, no sentido de diminuir a exposição e contaminação nos trajetos, [as mudanças] geraram muitas vezes condições ainda piores do que antes da pandemia”.

Diante desse cenário, a grande dúvida que resta ao trabalhador é o que fazer: negar ou ter de se submeter às regras da empresa?

 

Confira seus direitos

O advogado Fernando José Hirsch, mestre em Direito do Trabalho e sócio da LBS Advogados, explica que a modalidade do trabalho em casa, prevista no artigo 75 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê que a realização de teletrabalho deve ser pactuada entre as partes (empregado e empregador).

“Não pode ser compulsória. Em decorrência da pandemia as empresas devem priorizar o teletrabalho para os trabalhadores em grupo de risco, mas infelizmente a legislação não veda o retorno ao trabalho de quem tem filhos pequenos e de quem mora ou convive com pessoas de grupos de risco”, diz o advogado.

Ele ainda diz que o empregado fica à mercê do “bom senso e da sensibilidade social do empregador, que muitas vezes não existe”.

Nestes casos, diz Fernando Hirsche, se o empregado, inclusive em grupo de risco, se recusar ao retorno de atividade presencial corre o perigo de ser demitido. Porém, o advogado acredita que não deve ser aplicada a justa causa, “já que a vida é o bem mais precioso”, ele completa.

Ele ressalta que se o trabalhador, que não é de grupos de risco, recorrer à justiça para tentar garantir algum direito de permanecer em teletrabalho, provavelmente não terá sentença favorável.

Por outro lado, o trabalhador deve ficar atento às regras estabelecidas para o trabalho em casa, que praticamente são as mesmas do trabalho presencial, em questões de jornada e disponibilidade.

Fernando Hirsche explica se os trabalhadores têm de cumprir horários, as empresas, por sua vez, não podem exigir mais do que o habitual. “O trabalhador precisa ter a divisão de tempo entre horário de trabalho e horário de almoço, por exemplo, da mesma forma como é no trabalho presencial”.

Mas, ainda de acordo com o advogado, na prática existem excessos. “Alguns empresários têm a impressão de que o funcionário, por estar em casa, está à disposição 24 horas por dia. Portanto, ele deve guardar mensagens, comunicados, e-mails que mostrem o trabalho fora de horário para que, se no futuro quiser discutir judicialmente, possa ter provas”, alerta Fernando Hirsche.

 

A lei

O secretário de Relações do Trabalho da CUT, Ari Aloraldo do Nascimento, afirma que a lei que regulamenta o teletrabalho é “frágil e a pandemia acabou por mostrar muitas situações diferentes, que a legislação não prevê como lidar”.

Ele afirma que “é necessária uma regulamentação para que os trabalhadores não fiquem reféns das vontades dos patrões, tanto no sentido de manter o teletrabalho para preservar, em casos como a pandemia, a saúde e a vida dos trabalhadores, como no que diz respeito a fornecer recursos para as atividades profissionais em casa”, afirma o dirigente.

O teletrabalho, ele diz, não é uma situação profissional cômoda para o funcionário pelo fato de ele estar utilizando sua estrutura doméstica para trabalhar. “Muitas vezes o trabalhador está na sua sala, no seu quarto, fora de um ambiente adequado e ergonômico para trabalhar. Ele está dentro de sua intimidade e acaba expondo seu ambiente familiar”, diz Ari.

Para o dirigente, a legislação precisa regulamentar, inclusive, o uso de equipamentos, já que a casa do trabalhador se torna uma extensão da empresa. “O que mais acontece é trabalhadores usando seus próprios equipamentos, como computadores, mesas de escritório, cadeiras, e arcando com os custos de internet, energia elétrica e outras despesas”.

Ele cita casos de empresas que ameaçam cortar benefícios dos trabalhadores como ticket alimentação e refeição. “O que eles não entendem é que o trabalhador ainda usufrui desses benefícios. Mesmo estando em casa, ele continua se alimentando, então não tem cabimento cortar”, diz Ari.

Como outro exemplo, ele fala sobre o setor bancário. “Bancos fecharam agências em função da pandemia porque perceberam que não era necessária a estrutura física, já que grande parte dos trabalhadores do setor [cerca de 300 mil em todo o Brasil] passou a trabalhar em casa. Com isso, deixaram de ter vários gastos com as estruturas e quem passou a arcar com essas despesas foi o próprio trabalhador”, explica o dirigente.

Por isso, ele completa, a necessidade de uma regulamentação da lei para que os trabalhadores sejam protegidos e tenham direitos garantidos.

 

Ação sindical

Assim como a pandemia do novo coronavírus provou a necessidade do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o dirigente da CUT afirma que a nova realidade das relações de trabalho mostra que a atuação dos sindicatos na proteção aos direitos dos trabalhadores é fundamental.

“Em alguns setores, houve a atuação dos sindicatos para mediar acordos em relação ao período. Um dos exemplos de categoria onde houve grande diálogo foi a bancária. Desde o início, o Comando Nacional dos Bancários reivindicou ações dos bancos. E conseguiu, ainda que os bancos queiram, agora, fazer os trabalhadores voltarem ao trabalho presencial”, conta Ari, que também é bancário.

Por isso, ele diz, é papel dos sindicatos pressionar e negociar acordos que incluam cláusulas como as que se referem aos direitos e deveres, de empresas e trabalhadores, em situações como de teletrabalho em função de situações como a pandemia.