Enfrentar o racismo é questão central da democracia, diz Danny Glover
No programa "Entre Vistas", da TVT, ator alerta que luta transformadora não se resume em eleições nem pode ser personificada. “O que fazemos é possível porque tornamos possível”
Publicado: 07 Junho, 2018 - 09h56
Escrito por: Redação RBA
Em certo momento do programa Entre Vistas que foi ao ar nesta terça-feira (5), pela TVT, o consagrado ator norte-americano Danny Glover foi questionado se acreditava que o capitalismo não havia dado certo. “Podemos dizer, por vários motivos, que o capitalismo governou o mundo em um ritmo próprio, e se tornou o que Karl Marx e outros pensadores previram, um sistema que explora não só os seres humanos, mas também a natureza, a Mãe Natureza”, sintetizou o ator de Máquina Mortífera.
Famoso nas telas de cinema, com atuações em cerca de 20 filmes ao longo de mais de 25 anos de carreira, Danny Glover é também conhecido por sua atuação, longe das câmeras, em defesa dos trabalhadores, da igualdade racial e por justiça social. Um “papel” que cumpre com desenvoltura, como se pode ver durante quase uma hora de programa. “Às vezes, durante a evolução progressiva, era perigoso falar ou questionar o sistema capitalista.”
Citando o aquecimento global, as mudanças climáticas e a concentração da riqueza como consequências do capitalismo, Glover costuma dizer que é preciso entender o sistema para então construir movimentos sustentáveis. E cita o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que o faz lembrar o movimento de hortas comunitárias nos Estados Unidos. “São as pessoas comuns que fazem isso e não o capitalismo”, afirmou.
O ator e ativista sindical gosta de ressaltar as atitudes e ações das “pessoas comuns”. Casado há mais de 15 anos com a educadora brasileira Eliane Cavallero, Glover visita frequentemente o país e acompanha com interesse o que acontece nesta parte do mundo. “O Brasil possibilita ver o que as pessoas comuns estão fazendo, ver como elas se mobilizam, como crescem e determinam os projetos necessários para o avanço da democracia no próprio país.”
Questionado pelo apresentador Juca Kfouri se é mais fácil ser progressista na América do Norte ou no Brasil, o ator de Ensaio Sobre a Cegueira disse ver-se como um “cidadão do mundo”. Para ele, independente do lugar, o importante é perceber como “as vozes se elevam”.
“Não acho que seja mais fácil, não é que o diálogo mude de país para país, pois o que acontece num país tem dinâmicas históricas diferentes e o momento político de cada época sugere certas coisas”, ponderou. “Saber o que acontece no mundo sempre foi a minha abordagem política de desenvolvimento social e humano.”
Teste para a democracia
Danny Glover afirma sem pestanejar que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, em 2002, trouxe esperança para o país, especialmente para os afrodescendentes. Citou avanços, com destaque para a nova relação econômica e cultural com os países africanos, mudanças na educação sobre o temática racial e o reconhecimento das terras quilombolas.
“Observamos Lula como uma personalidade, mas isso vem de baixo, as pessoas clamaram por mudanças que são visíveis e acreditávamos que seriam institucionalizadas, e isto não porque a gente quer, mas precisa haver um ativismo sustentável e isto está acontecendo”, explicou, enfatizando que o “ativismo sustentável” é importante na construção de uma democracia inclusiva.
Engajado no movimento sindical, o ator avalia que a forma como os trabalhadores se organizam tem mudado, de modo inevitável, em função da própria transformação do capital global. Para ele, é preciso discutir qual o impacto destas mudanças na vida do trabalhador, dos imigrantes e nos próprios fluxos migratórios, principalmente numa sociedade dominada pelo hábito do consumo e do materialismo. “Mas isto encobre o que acontece com os trabalhadores”, ressaltou. “Os pobres ficaram mais pobres, os ricos, mais ricos.”
Fazendo referência ao sociólogo e historiador norte-americano William Edward Burghardt Du Bois, considerado um dos precursores do movimento negro, lembrou que, ainda no final do século 19, Du Bois já dizia que a “questão da cor” seria o grande tema do século 20. Naquela época, o ativista já propunha a reflexão do que era ser negro num mundo dominado por brancos, um mundo que decide o que o negro é e o que ele pode ser. Glover destaca que o tema é um “teste para a democracia”.
“Todas estas coisas são importantes de serem entendidas. O problema central da democracia no mundo, neste país, no hemisfério, o problema central é o racial, e ponto”, afirmou. “Mais de 100 anos depois da abolição ainda falamos sobre a questão da raça, e isso não vai parar, não importa a ideologia. Se não centralizamos a questão da raça, perdemos o foco.”
Ao final do programa, Danny Glover defendeu que os movimentos sociais e de trabalhadores não podem ficar restritos a influenciar processos eleitorais e nem personificar a luta por direitos, seja Lula, no Brasil, ou Barack Obama, nos Estados Unidos.
“O que fazemos é possível porque nós tornamos possível”, afirmou, para em seguida finalizar, dizendo em português a frase que aprendeu há mais de 45 anos: “A luta continua”.
Assista ao programa na íntegra