Escrito por: Érica Aragão
Ele ignora que investir na agricultura familiar é o caminho para acabar com a fome. Estudo do CERES mostra que se os governos investissem US$ 33 bilhões a mais por ano, 500 milhões deixariam de passar fome
A agricultura familiar é o caminho para os países em desenvolvimento acabarem com a fome, que está voltando no Brasil, mas o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) tem trabalhado em sentido contrário às necessidades do povo mais pobre e do setor, cortando políticas públicas e investimentos estratégicos para o desenvolvimento rural sustentável do país.
Projeções feitas pelo Centro de Estudos das Relações Internacionais (CERES), que defende mais investimentos na agriculta familiar para combater a fome no mundo, concluíram que se os governos dos países mais pobres investissem US$ 33 bilhões adicionais por ano em ajuda para o setor, poderiam tirar quase 500 milhões de pessoas da fome e dobrar a renda de 545 milhões de agricultores. Além disso, esse adicional ajudaria e diminuir os impactos para o meio ambiente.
Indiferente à realidade do país e aos dados do estudo, Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional o texto do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA/2021), que prevê cortes de recursos para a agricultura familiar em relação a este ano, que foi considerado insuficiente pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
“Se o orçamento for aprovado deste jeito e se nada for feito em defesa do fortalecimento da agricultura familiar, a fome vai aumentar desenfreadamente e os alimentos que chegam às mesas dos brasileiros estarão ameaçados,” alertam representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil).
O problema não é só a proposta orçamentária de Bolsonaro, afirma o presidente da Contag, Aristides Veras dos Santos. Tem a redução nas políticas públicas sociais, nos investimentos e ainda as “fracassadas” políticas econômicas dos governos de Michel Temer (MDB-SP) e de Bolsonaro, que não conseguiram retomar o processo de crescimento da economia, o que contribui para o aumento do desemprego e das desigualdades sociais, pontua o dirigente.
“Desde o golpe de 2016, quando destituíram uma presidenta eleita, o orçamento para a agricultura familiar tem diminuído cada vez mais e os recursos para o agronegócio só crescem”, diz se referindo ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
Este governo superfinancia a produção de milho e soja, que vão para exportação, para atender as necessidades externas, e subfinancia mandioca, para fazer a farinha, o feijão, arroz e outros produtos da agricultura familiar que abastecem o país e alimentam o nosso povo- Aristides Veras dos SantosA agricultura familiar, um modo de produção sustentável, que garante 70% dos alimentos produzidos no Brasil, é responsável pela segurança alimentar do povo brasileiro tem sido tratada cada vez mais com descaso por este governo, critica o presidente da Contag.
O corte nos recursos da Reforma Agrária
A Reforma Agrária, que promove a distribuição de terras entre trabalhadores e trabalhadoras rurais mediante alterações no regime de posse e uso, atendendo aos princípios de justiça social e aumento da produtividade, conforme prevê a Lei nº 4.504/64, é um dos segmentos mais atacados pela Lei Orçamentária de Bolsonaro para o ano que vem.
A redução para obtenção de imóveis rurais para criação de assentamentos para o próximo ano terá redução de mais de 1.000%, passando de um pouco mais de R$ 12 milhões para R$ 668 mil.
Além disso, segundo a Contag, a proposta também prevê menos recursos para o meio ambiente, políticas sociais, combate à pobreza, jovens rurais e terceira idade. E ainda, reduziu para zero os investimentos em políticas para as mulheres, de promoção da igualdade, enfrentamento à violência, apoio à organização econômica e promoção da cidadania das produtoras rurais.
De acordo com Aristides, a Contag acompanha de perto o debate sobre a proposta orçamentária e todos os projetos em tramitação relacionados à melhoria das condições de vida e produção dos agricultores e agricultoras familiares.
Segundo o presidente da Contag, em uma recente reunião com a Frente Parlamentar Agricultura Familiar (FPAF), que aconteceu na última semana, a entidade apresentou 27 prioridades de propostas de emendas ao orçamento.
Entre elas tem propostas para obtenção de imóveis rurais, criação de assentamentos da Reforma Agrária, formulação e apoio à Implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aquisição e distribuição de alimentos da agricultura familiar para Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (PAA) e também de apoio à organização econômica e promoção da cidadania de mulheres rurais.
“Estamos fazendo também contato com os líderes dos diversos partidos, com dirigentes das federações e dos sindicatos, que estão acionando a suas bancadas estaduais, buscando a negociar apoio para as emendas que propusemos no Congresso Nacional para gente conseguir recompor o orçamento da agricultura familiar e da reforma agrária”, disse o dirigente.
Luta paralela e também importante
O Coordenador-Geral da Contraf-Brasil, Marcos Rochinski, disse que a entidade também vê com preocupação a questão orçamentária, com destinação de poucos recursos para o conjunto de políticas de reforma agrária e desenvolvimento rural.
Segundo ele, desde o início do governo Bolsonaro a categoria tem reagido contra o desmonte das estruturas que assessoravam, economicamente e socialmente, o setor, como o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e mais recentemente o desmonte generalizado do Incra, órgão responsável pela reforma agrária, as compras institucionais pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o programa de cisternas para o semiárido e programa de habitação rural.
“O que sobrou efetivamente foram os recursos do crédito rural que, infelizmente, atendem apenas uma parcela dos agricultores familiares”, ressalta Rochinski.
Vetos de Bolsonaro
O dirigente lembrou também da luta da categoria para que o presidente do senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aprecie os vetos de Bolsonaro ao Projeto de Lei (PL) nº 735, conhecido como Lei Assis Carvalho, que previa créditos emergenciais aos agricultores e agricultoras familiares.
O PL 735 foi construído por diversos movimentos do campo e das águas que perceberam o impacto imediato da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus na vida de quem produz alimentos no país.
Dos 17 pontos do projeto, 14 foram vetados por Bolsonaro, alguns dos que foram excluídos tratavam do auxílio emergencial no valor de R$ 600 pagos em cinco parcelas (nos moldes do auxílio concedido aos trabalhadores urbanos), recursos para compras públicas pelo PAA, renegociação e adiamento de financiamentos e linhas de crédito emergenciais.
A avaliação dos vetos estava agendada para o dia 23 de setembro, foi alterada para o dia 14 de outubro e agora, segundo a agenda do Senado, pode acontecer no dia 4 de novembro.
“O Congresso Nacional está despreocupado com a crise em relação aos agricultores familiares, que estão passando necessidades desde março sem qualquer ajuda, com a produção e alta dos preços dos alimentos e os impactos para a sociedade porque estão voltados principalmente aos interesses das eleições municipais, para eleger prefeitos e vereadores de acordo com o seus propósitos”, diz Rochinski,.
“Mesmo sabendo da importância primordial da agricultura familiar para produzir esses alimentos, enfrentar essa crise de preços e evitar que a fome cresça ainda mais, o Congresso Nacional simplesmente ignora essa possibilidade de derrubada dos vetos. Então a gente tem orientado nossa base a aproveitar este momento também e conversar bastante com a população nos municípios do país”, complementa o dirigente.
“Não podemos permitir que candidatos que apoiam Bolsonaro e que não estão nem aí para os agricultores familiares e para a segurança alimentar do povo brasileiro se eleja. Vamos continuar na luta para sensibilizar o Congresso Nacional para que derrube esses vetos à medidas importantes para a restruturação da capacidade produtiva dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária”, finalizou Rochinski.
As entidades também estão atuando nas redes sociais para cobrar dos parlamentares e da sociedade apoio a agricultura familiar, aos agricultores e na luta contra a volta da fome no país.
*Edição Marize Muniz