Escrito por: Érica Aragão

Ensino público em xeque: para proteger governo, reitores travam negociação

Reivindicações dos trabalhadores, que lutam por universidades públicas, reajuste salarial e melhores condições de trabalho, são ignoradas por governo que desonera, diminui estrutura universitária e mente

Divulgação

A campanha salarial dos professores e funcionários das universidades públicas e do Centro Paula Souza (Ceeteps), em São Paulo, estado governador durante mais de 20 anos pelo PSDB, está parada por intransigência dos reitores que sinalizaram a próxima conversa só para o mês de julho. Segundo os reitores, o tempo será usado para avaliar o ritmo de crescimento da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), que é base do repasse para as universidades estaduais paulistas.

Mas o Fórum das Seis, que reúne representantes das entidades de servidores, professores e estudantes da USP, Unesp, Unicamp e do Ceeteps, desmente os reitores. Segundo os representantes do Fórum, a previsão da Fazenda será superada, o que já está sinalizado no comportamento dos cinco primeiros meses de 2018, que registram arrecadação acumulada, nominal, de aproximadamente 8,4% acima de mesmo período de 2017.

Os trabalhadores e as trabalhadoras das melhores instituições de ensino, pesquisa e extensão do país, estão pedindo socorro na luta em defesa da educação universitária pública e gratuita, por melhores condições de trabalho e por reajuste nos salários, que permanecem congelados há três anos.

Eles afirmam que o que está acontecendo é o desmonte da universidade pública com uma política que contingencia os salários para suprir déficits decorrentes do subfinanciamento da educação técnica e superior pública.

Na última reunião com o Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), no dia 13 de junho, o Fórum das Seis apresentou uma contraproposta, aprovada pelos trabalhadores e trabalhadoras em assembleia, que previa o reconhecimento oficial das perdas salariais das categorias nos últimos 3 anos; um plano de recuperação de perdas baseado no excedente da arrecadação do ICMS em 2018 e a recuperação salarial das categorias com um reajuste de 6,14%. Os reitores mantiveram a proposta de reajuste de 1,5% de reajuste, sem avanços nas clausulas sociais, alegando uma crise financeira.

As entidades sindicais já demonstraram que essa versão é falaciosa e os resultados da proposta dos reitores serão desastrosos para as universidades. Segundo os sindicalistas, a falta de recursos que atinge as universidades e Fetecs não se caracteriza como “crise financeira”, mas sim de financiamento, ou seja, o Estado de São Paulo tem os recursos, mas não tem política consistente e séria de financiamento para a educação.

“A questão envolve a data base da campanha salarial, mas as universidades públicas estão numa situação de subfinanciamento e os reitores distorcem os fatos, para proteger o governo, que desonera empresas, diminui a estrutura universitária e mente sobre a arrecadação”, diz o presidente da Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp), Wagner Romão.

“O problema é político. As reitorias não têm força política para trabalhar nos problemas do Estado”.  

Expansão, descontos indevidos e desonerações fiscais

Desde 1995, quando o Decreto da Autonomia Universitária passou a repassar 9,57% do ICMS para as universidades públicas e para o Centro Paula Souza, o valor só diminui, sempre com a alegação de crise financeira, mas o número de alunos e cursos só aumentou.

Foram implantados cursos noturnos nas três universidades. Na UNESP, desde 2002, oito novos campus foram criados e, dados de 2016 indicam que 429 cursos de graduação e pós foram adicionados a grade curricular sem novo aporte de recursos pelo governo do estado.

Na Unicamp, de 1995 a 2016 cresceu 96% o número de alunos matriculados, passando de 9.992 para 19.581 estudantes. E, neste mesmo período, os números de funcionários e docentes só diminuíram. Dos 8.681 técnicos administrativos em 1995 passou para 8.178 em 2016, uma queda de mais de 5%. E em relação aos professores, caiu de 2.259 para 2.179.

“Várias promessas do governo estadual de aumento de repasse não foram cumpridas, pelo contrário, antes de calcular o repasse dos 9,57% do ICMS destinado às universidades, o governo retira do total arrecadado (que deve ser à base de cálculo), itens como recursos destinados a programas de habitação, multas, juros de mora e dívida ativa”, explicou Wagner.

Segundo estudos da Adunicamp, apenas no primeiro trimestre de 2018, R$ 854,21 milhões “sumiram” da base de cálculo para o repasse às universidades estaduais paulistas. Por lei, deveria ser calculado sobre o total da arrecadação do ICMS.

Além disso, a desoneração para o empresariado, por outro lado, só cresce. Entre 2010 e 2017 o Estado de São Paulo realizou R$ 106,6 bilhões de desonerações do ICMS. Em 2017, estava prevista a desoneração de 11,2% e o realizado foi de 16,04%. O previsto na Lei Diretrizes Orçamentária (LDO) em discussão na ALESP para 2019 é R$ 23 bilhões. Fora a dívida das empresas com o Estado. Só uma empresa frigorífica deve hoje aos cofres públicos R$ 78 bilhões de reais.

Ataque as universidades públicas paulistas

De acordo com comunicado divulgado pela ADunicamp para as entidades científicas brasileiras, as “Universidades Públicas Paulistas, irresponsavelmente subfinanciadas, vêm sofrendo o que representa o mais forte ataque à sua manutenção nos últimos tempos”.

“Apenas com a manifestação firme e coesa da sociedade é que será possível preservar a universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”, diz o comunicado.