Escrito por: Érica Aragão
Sindicatos discutem o tema nas negociações coletivas e também estão de olho nos debates no Congresso Nacional sobre as modalidades de trabalho para garantir trabalho decente para a classe trabalhadora
Desde que os governos adotaram o isolamento social como única forma de conter a proliferação da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, em março deste ano, milhares de trabalhadores e trabalhadoras passaram a exercer suas atividades profissionais à distância, nas modalidades teletrabalho e home office, mas a maioria não sabe quais as características de cada uma nem que direitos estão garantidos pela legislação brasileira.
Quase 8 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Covid), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estavam trabalhando à distância em setembro. E segundo o estudo "Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios", o trabalho a distância no Brasil vai crescer 30% no pós-pandemia, pois muitas empresas descobriram as vantagens desta modalidade.
E para que esses trabalhadores também entendam as vantagens e desvantagens e os direitos trabalhistas do teletrabalho e do home office, o PortalCUT foi ouvir uma especialista. Confira.
Teletrabalho
A assistente de vendas de uma distribuidora de matéria-prima plástica, Daniela Albuquerque, está trabalhando de casa desde o mês de março e para conseguir entregar seu trabalho fica conectada com o sistema da empresa em tempo integral.
Segundo do artigo 75-B da Lei 13.467/17 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a modalidade em que Daniela está atuando é o teletrabalho.
Isso porque este tipo de trabalho é “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.
Porém, a empresa em que Daniela trabalha não fez nenhum tipo de aditivo contratual, continua cobrando a jornada e ainda é ela quem está responsável pelos custos da internet que está usando para exercer sua função.
O que pode levar o caso à justiça, dando causa ganha para o trabalhador ou a trabalhadora, explicou a assessora jurídica da Direção Executiva do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), Célia Rocha de Lima.
“Para o teletrabalho é preciso que as empresas façam um contrato a parte para deixar estabelecidas as responsabilidades do trabalhador e da empresa. Além disso, esta modalidade não comporta controle de jornada, porque está mais ligado ao trabalho entregue do que a própria jornada e, baseado no texto da Lei, os riscos da atividade econômica são da empresa e o trabalhador não pode arcar com esta responsabilidade”, explicou.
Ou seja, no contrato deve constar quem será responsável pela aquisição, manutenção, fornecimento dos equipamentos tecnológicos e também a infraestrutura necessária e adequada para a prestação do serviço. Se por ventura, o empregado arcar com algum custo referente a estes itens de modo a lhe causar prejuízo, os mesmos deverão ser reembolsados.
A advogada disse que já consta na Justiça brasileira dois entendimentos sobre esta realidade, uma em defesa do trabalhador e outra para empresa porque um segmento da Justiça entendeu que a Lei determina que os riscos da atividade econômica são da empresa e outro entendeu que tudo depende de como aquele trabalho foi combinado no contrato aditivo.
Caso o trabalhador ou trabalhadora não tenha contrato, como é o caso da Daniela, Célia disse que é preciso procurar ajuda do sindicato, caso a categoria tenha uma entidade representativa, ou então ir conversar com o patrão sobre a realidade deste trabalho, que aumentou seus custos e suas responsabilidades. E ainda resolver esta questão do contrato aditivo.
Além disso, segundo a advogada, o acordo do teletrabalho pode ser alterado e a empresa pode pedir para que o trabalhador ou a trabalhadora volte a trabalhar presencialmente, mas a lei garante 15 dias de transição.
Home office (trabalho a domicílio)
O termo home office vem do inglês e significa “escritório em casa” no Brasil é legalmente conhecido como trabalho a domicilio.
Art. 6o da CLT não distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Isso quer dizer que a Lei não muda nada em relação ao trabalho presencial e o a domicilio. Os direitos, a jornada e as horas extras devem ser cumpridos como se o trabalhador estivesse indo para o trabalho de forma física, sem precisar de nenhum contrato aditivo. Assim sendo, é dever da empresa propiciar ao funcionário em home office o mesmo ambiente de trabalho que existe dentro da empresa.
“Pelo nosso entendimento do estudo é também dever da empresa prover todos os meios para estes trabalhadores exercerem suas funções, como cadeira e internet, mas na Justiça também já há vários tipos de interpretação”.
“Quando a lei é mal feita há riscos de interpretações diversas. Vamos demorar uns 10 anos para ter uma jurisprudência mais sólida com uma segurança melhor para os lados. O melhor cenário sempre é a negociação coletiva que determine a capacidade de fiscalização e controle destas modalidades de trabalho”, afirma Célia.
Papel do Sindicato
A CUT organizou um seminário “Teletrabalho: experiências e desafios da Negociação Coletiva no Brasil e no Mundo” no último dia 7, no Dia Marco da Jornada Mundial pelo Trabalho Decente e ouviu várias experiências tanto internacionais quanto nacional, entre elas o acordo entre a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e o Bradesco.
A negociação entre as partes, assinada no dia 14 de setembro, prevê como se deve fazer a formalização do teletrabalho, controle de jornada, ajuda de custo, infraestrutura, precauções e promoção de saúde física e emocional, ergonomia, ambiente de trabalho e equilíbrio da vida pessoal e profissional.
A negociação dos bancários mostra a importância dos sindicatos na luta por direitos e condições de trabalho, ressaltou o secretário de Relações de Trabalho da CUT, Ari Aloraldo Nascimento. De acordo com ele, o seminário da Central não só contou experiências positivas já negociadas como apontou um conjunto de princípios que podem orientar os sindicatos nos processos de negociação de teletrabalho ou home office no próximo período, tanto do ponto de vista de negociação quanto da necessidade de ter uma legislação feita através do parlamento.
“Nós ainda vamos discutir vários temas e estamos preparando um caderno da CUT com as orientações para os sindicatos sobre as modalidades de trabalho a distância. Mas também estamos acompanhando no Congresso Nacional projetos de lei sobre o teletrabalho e estaremos atentos para que estes modelos de trabalho não sejam precarizados”, finalizou o dirigente.
*edição: Marize Muniz