Escrito por: Rosely Rocha
Perseguição à cultura, à educação e ao livre pensamento são características do regime fascista que levou a Itália à destruição, guerra e mortes. Para historiadora da USP governo Bolsonaro flerta com esse regime
No encerramento no discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nessa terça-feira (20), diante de autoridades de todo o mundo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse textualmente “Deus, pátria e família”.
Esse era o slogan fascista, regime político autoritário que perseguia, prendia e matava qualquer pessoa que pensasse diferente do que pregava seu líder, Benito Mussolini, ditador italiano, que se manteve no poder de 1925 a 1943, quando foi destituído e se suicidou.
Não é de hoje que Bolsonaro faz alusões positivas ao regime e adota medidas que estimulam seus seguidores a seguir o mesmo caminho que tanta tragédia provocou no mundo.
Para a historiadora e professora da USP, Maria Aparecida de Aquino, o governo de Jair Bolsonaro flerta com o fascismo ao, por exemplo, promover cortes orçamentários que destroem políticas em áreas como a educação e a cultura, além de induzir seus seguidores a abominar e criticar quem pensa diferente do que o presidente prega.
O autoritarismo do atual presidente, apesar de flertar com o fascismo, ainda não chegou a esse ponto, pois o fascismo não permitia vozes discordantes e foi um regime muito violento, explica a professora.
No Brasil, prossegue, ainda há resistência por parte de entidades civis e de representantes de outros poderes a esse regime. No entanto, diz, é preciso que a população fique atenta aos movimentos de perseguição e tentativas de retirada de direitos e liberdade, e que não se cale diante de atos autoritários.
“Quando você tem um presidente da República e um secretário da Educação que encerram discursos com lemas fascistas e nazistas é preciso que a população fique atenta para não perder a sua liberdade”, diz Maria Aparecida de Aquino.
A professora se refere, além do discurso na ONU de Bolsonaro, ao ex-secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, que em janeiro de 2020, fez um discurso, semelhante ao do ministro da Propaganda da Alemanha Nazista de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo. Assim como Goebbels havia afirmado em meados do século XX que a "arte alemã da próxima década será heroica” e “imperativa”, Alvim afirmou que a “arte brasileira da próxima década será heroica” e “imperativa”.
Segundo ela, o discurso de “liberdade” que permeia o fascismo, na verdade é um discurso autoritário de perseguição a quem pensa diferente, e por isso muito perigoso. Ela cita como exemplo, a prisão de pensadores, como ocorreu na Itália com o intelectual Antonio Gramsci, que mesmo não sendo conhecido pela maioria da população, ficou preso 10 anos e morreu na cadeia, em 1937.
Confira o que fez o regime facista de Mussolini e entenda o que é fascimo, na prática:
- Perseguiu pensadores, homossexuais e quem se opôs a Mussolini;
- controlou os sindicatos dos trabalhadores;
- Criou um tribunal especial para julgar crimes considerados ofensivos à segurança do Estado;
- instaurou a censura;
- dissolveu os partidos de oposição;
- mandou prender milhares de pessoas e expulsou outras do país;
- autorizou a polícia secreta fascista a utilizar os mais terríveis tipos de violência na perseguição aos opositores.
E o nazismo, o que é
Nazismo foi uma ideologia liderada por Adolf Hitler, que surgiu após a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), com a Alemanha humilhada e destruída economicamente após perder a guerra. O sentimento de revolta entre os alemães, que culpavam o governo, os judeus e os comunistas pela situação do país, exigindo mudanças drásticas, levou a eleição de Hitler.
Entre as principais características do nazismo estão o totalitarismo – eles eram contra a democracia -, e o antissemitismo. Os nazistas tinham preconceito contra o povo judeu e também perseguiam, torturavam e matavam comunistas, negros, homossexuais e outras pessoas que não se enquadravam na chamada raça ariana.
Como e vê, ninguém vira ditador de uma hora para outra. A tática é sempre a mesma usada na Itália e na Alemanha, ou seja, fazer a população aceitar e acatar a perda das liberdades civis, sem saber que muito mais perversidades virão junto.
Estudiosa do regime militar brasileiro, Aquino evita comparar o fascismo ou o nazismo com o que ocorreu no Brasil, pois aqui houve um golpe de estado, retirando um presidente democraticamente eleito e colocando miliares no poder de 1964 a 1985.
“Tanto Mussolini como Hitler foram eleitos pela população que estava insatisfeita com a política naquela época. Essa é a tática que leva ao autoritarismo, se aproveitar da insatisfação da população com o que ocorre no país naquele momento, com discursos de perseguição aos adversários”.
A historiadora diz que é possível fazer uma comparação com o que ocorreu no Brasil, com os atos de 2013, quando parte da população foi às ruas em protestos contra o governo Dilma Rousseff (PT).
“Chegamos muito perto disso. O autoritarismo se utiliza da insatisfação das pessoas com um momento político e elas começam a acreditar que todos são iguais e não percebem que estão perdendo a sua liberdade; alguns até defendem regimes autoritários, sem perceberem o quanto isso vai afetar negativamente a vida em sociedade”, diz.
De acordo com a professora, foi se aproveitando da insatisfação e ressentimento da população com a derrota da Itália na primeira guerra mundial, que Mussolini chegou ao poder pelo voto popular. O mesmo ocorreu com Hitler, na Alemanha, que instalou um regime ainda mais cruel de perseguição e assassinatos aos que não eram arianos, como os judeus.
“O ressentimento, a indignação e a insatisfação da população são os maiores incentivos para o fascismo chegar ao poder, e quando a sociedade percebe, já está sob o domínio de um regime autoritário, sem liberdades. Não podemos permitir que retirem um pedacinho de liberdade; depois se perde outro e outro, até perder tudo, inclusive a liberdade de pensar”, afirma a professora.
É importante se indignar e se incomodar; botar a boca no trombone, denunciar para que outras pessoas prestem atenção no que está acontecendo e se evite a instalação de um regime autoritário e fascista- Maria Aparecida de AquinoA historiadora cita como exemplo de como a omissão diante da opressão pode atingir a quem diz que o “problema não é meu”, o poema de Bertolt Brecht (1898-1956), que diz:
“Primeiro levaram os negros; mas não me importei com isso; eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários; mas não me importei com isso; eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis; mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável; depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém. Ninguém se importa comigo”.
Severa crítica da Operação Lava Jato, que culminou com a prisão por 580 dias do ex-presidente Lula (PT), a historiadora compara a atuação dos promotores e do ex-juiz Sérgio Moro ao autoritarismo.
Quando você prende alguém coercitivamente, sem ser avisado, ignorando o que diz a lei você abre as portas para o autoritarismo. Não se combate a corrupção ajudando a instalar um regime violento e autoritário- Maria Aparecida de AquinoA prisão coercitiva ocorre apenas quando o acusado se recusa a prestar depoimentos quando convocado, o que não ocorreu com o ex-presidente Lula, que atendeu a todas as convocações de depoimento na operação lava jato.