Escrito por: Rosely Rocha

Entenda por que a luta dos trabalhadores da Amazon pode influenciar o mundo

Na contramão do discurso neoliberal de que sindicatos atrapalham economia, presidente dos EUA, Joe Biden, incentiva trabalhadores da Amazon a se associarem para lutar por direitos

Amazon / Divulgaçao

Os 5.800 trabalhadores da cidade de Bessemer, no estado do Alabama (EUA), de um depósito de distribuição da Amazon, lutam para ter o direito de se sindicalizar e lutar contra as condições degradantes no trabalho. Depois de uma intensa disputa em que a empresa fez campanha contra, terminou no último dia 29 de março a  votação dos trabalhadores sobre a criação de um sindicato próprio, mas o resultado ainda não saiu. A apuração dos votos, que começaram a ser enviados pelos correios em 8 de fevereiro, acontecerá a portas fechadas e sob supervisão da agência de relações trabalhistas americana.

A Amazon, gigante do e-commerce, é a segunda maior empregadora dos EUA com 40 mil trabalhadores. Ao redor do mundo ela emprega 1,3 milhão de pessoas. Seu proprietário Jeff Bezos tem uma fortuna avaliada em US$ 204,6 bilhões, e é considerado o homem mais rico do mundo.

A luta de trabalhadores da Amazon tomou maiores proporções, forçando a sociedade norte-americana a debater intensamente os direitos dos trabalhadores, com a declaração de apoio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que em vídeo lembrou que foram eles que criaram a maior potência do mundo, e não os investidores e especuladores de Wall Street, região em que se concentra o mercado financeiro em Nova Iorque.

Biden simplesmente defendeu o direito dos trabalhadores em se sindicalizar para ter mais forças para lutar por direitos, e ainda afirmou que foram os sindicatos que colocaram poder nas mãos dos trabalhadores e nivelaram o jogo, obrigando as empresas a aumentarem salários e darem mais proteção social, entre outros argumentos em defesa dos sindicatos. Veja vídeo abaixo.

 

Mas o que isso tem a ver com os brasileiros e os demais trabalhadores do mundo?

O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa , afirma que a declaração de Joe Biden, o primeiro presidente dos EUA, dentre os últimos dez, a defender a sindicalização, dá um recado ao mundo, que pode chegar a outros governantes , de que é preciso que as forças do trabalho lutem num mesmo nível que as empresas.

“Foi uma mensagem forte, direta de fortalecimento sindicato dos trabalhadores, tanto os americanos, como para os da América Latina e do mundo. A fala de Biden é um incentivo aos sindicalistas brasileiros que podem utilizar os argumentos do chefe da Nação de uma das economias mais liberais e fortes do mundo”, diz Lisboa.

Segundo o dirigente, o pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, é um movimento contrário ao do que vem ocorrendo no Brasil, onde, desde o golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (PT), os presidentes só apresentaram propostas para tirar direitos.

Primeiro foi o golpista Michel Temer (MDB-SP), com a reforma Trabalhista, em 2017, que alterou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legalizou o trabalho precário com contratos intermitentes. Depois, foi a vez de Jair Bolsonaro (ex-PSL) que antes mesmo de assumir disse que ia aprofundar a reforma feita por Temer. Uma de suas primeiras ações foi a reforma da Previdência que retirou direitos de aposentados e pensionistas. Outras medidas anti-trabalhador foram tomadas já a partir do seu primeiro ano de mandato.

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Além disso, diz Lisboa, os ataques ao trabalhismo no sentido de desmontar o movimento sindical, de abalar suas finanças com o fim do imposto sindical,  proposta defendida pela CUT, mas com a necessidade de dar um tempo aos sindicatos para procurar outras formas de financiamentos, fragilizou a luta dos trabalhadores no Brasil.

“Sem sindicatos, o trabalhador fica refém dos interesses, da vontade do seu chefe, do seu empregador, portanto, a organização da classe trabalhadora por meio dos sindicatos é fundamental para garantir empregos e direitos. É este o recado de Biden”, analisa.

O ex-secretário-geral da CUT/São Paulo e atual assessor da prefeitura de Diadema (SP), João Cayres, acredita que a criação de um sindicato local, no Alabama, pode influenciar toda a cadeia da Amazon por que há denúncias em outras cidades e países.

“Um jornalista inglês, ao se passar por trabalhador, disse que precisou usar fraldão para dar conta das demandas da empresa”, conta Cayres.

“Por isso, o recado de Biden aos  trabalhadores é tão importante. Mas para que esse recado chegue ao Brasil, primeiro precisamos derrotar Jair Bolsonaro que ainda conta com o apoio dos “Faria Limers”, diz Cayres se referindo às pessoas que trabalham ou possuem negócios no mercado financeiro , que se concentra na Avenida Faria Lima, na capital de São Paulo.

Entenda a luta dos trabalhadores da Amazon

A necessidade desses trabalhadores se unirem num sindicato surgiu para fazer frente às demandas absurdas da direção da empresa. Para cumprir metas, os trabalhadores do depósito têm pausas que mal dão tempo de almoçar e ir ao banheiro, precisam andar mais de um 1,5 quilômetro desde a entrada do complexo para bater o ponto a tempo, e têm os celulares confiscados durante os turnos. Quem não segue à risca as determinações pode ter descontos no salário e ser demitido.

Já os entregadores da Amazon denunciaram que eram obrigados a fazer xixi em garrafas de água para darem conta das demandas. A empresa chegou a desmentir a informação denunciada por um deputado norte-americano, mas foi obrigada a voltar atrás e pedir desculpas ao parlamentar. Apesar de reconhecer o erro, a Amazon culpou o fechamento de banheiros públicos durante a pandemia.

Como funciona o sindicalismo nos EUA

Nos Estados Unidos os trabalhadores de determinada empresa podem se associar a um sindicato nacional, independentemente da categoria a que pertencem. Os trabalhadores da Amazon, por exemplo, podem se associar a um sindicato que tenha em sua base mais empresas metalúrgicas, por exemplo, mesmo que a atividade fim seja diferente, explica João Cayres.

No caso da Amazon, seus trabalhadores precisam por votos de 50% mais um decidirem se querem ou não criar um sindicato. A tarefa de votação parece simples, mas lá, há intensos debates dentro das igrejas, nas universidades e entre políticos locais conservadores que podem dizer que estão sendo ameaçados pela empresa no sentido de que ela pode mudar de localidade, deixar a cidade em que está instalada, provocando demissões e abalando a economia local. Alguns estados nos EUA proibiram a sindicalização obrigatória.

A Amazon é a marca mais valiosa do mundo. Seu valor cresceu 32% entre 2019 e 2020. Segundo a consultoria Kantar, de junho do ano passado, a empresa valia US$ 415,9 bilhões.

O poderio da Amazon pode ser estimado também por suas vendas líquidas que devem  alcançar, segundo a própria empresa, entre US$ 100 bilhões e US$ 106 bilhões no primeiro trimestre deste ano - crescimento entre 33% e 40%, em comparação com o mesmo período de 2020.

*Edição: Marize Muniz